Quando ocorreu a primeira greve geral do movimento operário no Brasil

A primeira greve geral da história do Brasil ocorreu em 1917, em São Paulo (SP), e as mulheres estavam na linha de frente. Elas eram a maioria da classe trabalhadora e reivindicavam melhores condições de trabalho, aumento salarial, fim do trabalho infantil e redução das cargas horárias exaustivas.

A onda de paralisações de 1917 começou em duas fábricas têxteis conhecidas como Cotonifício Rodolfo Crespi, no bairro da Mooca, e logo se espalhou por cidades como Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS). Era uma espécie de “motim contra a fome”, ainda sem pautas específicas das trabalhadoras na lista de reivindicações do comando de greve, o Comitê de Defesa Proletária.

Apesar de não estarem na liderança dos sindicatos, pouco a pouco as mulheres passaram a estabelecer como pautas prioritárias do movimento de greve direitos como licença maternidade, auxílio-creche e igualdade salarial.

A greve durou 30 dias e reuniu cerca de 70 mil trabalhadores e trabalhadoras. Se nem todas as demandas objetivas foram conquistadas, a paralisação teve como saldo o fortalecimento organizativo do movimento. Em 1922, foi criada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Primeiro grupo feminista com capilaridade nacional, ele nasceu com o propósito de lutar por direitos civis, e não necessariamente políticos ou trabalhistas.

As mobilizações eram protagonizadas por trabalhadoras com histórico de luta sindical, em sua maioria integrantes do Partido Comunista (PC), por meio da formação do Comitê da Mulher Trabalhadora, a partir de orientações da Internacional Comunista.

“O 8 de março mais antigo que eu tenho notícia aconteceu no Rio de Janeiro, em 1929, e teve a presença apenas de 50 mulheres, e esse ato foi organizado pelas mulheres do PC. Então, se tem uma pressão política porque há alguma organização, mesmo que pouca”, analisa Glaucia Fraccaro, autora do livro Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937).

A escritora enaltece o papel da cartunista e militante comunista Patrícia Galvão. Conhecida como Pagu, ela era próxima da direção do Partido Comunista e nunca deixou de criticar tanto a federação quanto o PC pela falta de uma organização sistemática que desse conta não só dos direitos civis, mas de pautas que levassem em consideração as mulheres trabalhadoras pobres e seus direitos.

A federação termina o período de 20 anos analisados pela pesquisadora com a proposta de um "Estatuto da Mulher", ou seja, uma revisão de todo o ordenamento jurídico brasileiro com a proposição de emendas que não prejudicassem mais as mulheres -- o que abarcava, por exemplo, políticas de igualdade salarial e a licença-maternidade. Além disso, foi proposto um Departamento Nacional da Mulher, junto ao governo federal, fruto das pressões de outros movimentos feministas.

Esse ciclo de conquistas organizativas e políticas foi rompido, segundo a autora, a partir do golpe de 1937, com a formação do Estado Novo, comandado por Getúlio Vargas. O Estatuto da Mulher e o Departamento Nacional da Mulher pararam de tramitar em seguida, e a força dos movimentos feministas foi drasticamente suprimida.

Curiosamente, durante o período Vargas, as mulheres teriam avanços significativos na luta por direitos, por meio da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.

"É preciso que a gente compreenda o feminismo como campo político, e como tal ele é permeado de disputas. Se não, você vai contar a história só das vencedoras, e não dos grupos que compuseram o campo e a disputa política ao longo desse tempo”, finaliza a escritora.

Edição: Daniel Giovanaz


Movimento paredista que se alastrou na maior parte, e notadamente na primeira quinzena, do mês de julho de 1917, na capital paulista e nos municípios próximos, com a participação complexiva de mais de 50 mil trabalhadores.

A GREVE

 O contexto geral da eclosão da greve remete ao período internacional de revoltas, motins e greves que varreu o mundo todo na segunda parte do ano de 1917, particularmente crítico por causa da estagnação do conflito mundial. No caso específico brasileiro e particularmente paulistano, o movimento foi a reação operária a um período de intensificação do horário de trabalho, de subida repentina dos preços e estagnação dos salários: ou seja, de uma fortíssima piora do poder de compra e das condições de trabalho.

A guerra, ao desestruturar e reorientar as antigas redes comerciais e principalmente o aparato produtivo dos países diretamente envolvidos no conflito, fez com que os produtos manufaturados brasileiros pudessem substituir os importados e pudessem também ser exportados mundo afora. A consequência foi uma alta de preços e uma intensificação extraordinária do trabalho, sobretudo manual, uma vez que o maquinário necessário para o salto repentino não podia ser importado rapidamente. O período de desemprego agudo (1913-1914) foi deixado para trás, e todo o sistema produtivo brasileiro apresentou um grande crescimento. A Cia. Puglisi, por exemplo, proprietária do Moinho Santista, da União dos Refinadores e da Manufatura de Chapéus, duplicou seus lucros em 1915 em relação ao ano anterior. Mas o crescimento não atingiu os salários, que não sofreram aumentos comparáveis

Essa situação crítica geral foi agravada pela particular configuração étnica da mão de obra paulistana, composta na sua maioria por estrangeiros e particularmente por italianos e seus filhos, sobretudo nas fábricas têxteis, principal ramo industrial. Na Crespi, uma das maiores fábricas têxteis de São Paulo, onde se iniciou a greve, cerca de 75% dos operários e operárias eram imigrantes italianos. A presença em São Paulo, ao mesmo tempo, de um proletariado e de uma burguesia de origem italiana refletiu todas as tensões que caracterizavam internamente a comunidade ítalo-paulistana num período em que a Itália estava participando do conflito mundial, dentro da divisão mais ampla entre favoráveis e contrários a essa participação. Mais de 1.500 famílias ítalo-paulistas tinham algum parente no front, e havia dois anos, mensalmente, cada trabalhador italiano de fábricas de propriedade de patrícios era obrigado a doar uma parte do salário ao Comitê Italiano Pró-Pátria de São Paulo, que remetia as verbas para a Itália como contribuição ao esforço bélico.

Em março de 1917, a par do que estava acontecendo em outras cidades brasileiras, sobretudo na capital federal, começou um movimento contra a chamada “carestia da vida”, isto é, contra a alta de preços. Em São Paulo, esse movimento tomou a forma de uma campanha contra o excessivo aumento do trabalho de menores nas fábricas, organizada por um Comitê Popular de Agitação, liderado pelo Centro Libertário e pelo grupo editor do periódico anarquista de língua italiana Guerra Sociale. A campanha contou com o apoio do Centro Socialista Internacional, do Circolo Socialista di Agua Branca e Lapa, do grupo socialista alemão, dos dois grupos republicanos italianos e do Sindicato dos Canteiros de Ribeirão Pires, entre outros. Iniciou-se então a realização periódica de assembleias populares e comícios de protesto nos bairros operários de São Paulo, que culminaram com um comício geral no largo da Concórdia, no Brás. Na esteira da campanha, o Dia Internacional do Trabalhador foi comemorado com grandes passeatas, precedidas por comícios nos bairros do Cambuci, Mooca, Brás e Bom Retiro, que convergiram para o Centro da cidade.

Ao mesmo tempo, houve um movimento de reorganização sindical, após alguns anos de quase ausência de organizações operárias, com a fundação, no início de maio de 1917, de duas ligas operárias, do Belenzinho e da Mooca. No final de maio, a Liga Operária da Mooca somava quase 400 afiliados, na maior parte mulheres do Cotonifício Crespi. Já desde o início de 1917, em diversas fábricas paulistanas estavam ocorrendo interrupções parciais do trabalho, e havia algum tempo se alastrava a greve dos trabalhadores das pedreiras de Cotia e Ribeirão Pires, mas a primeira grande paralisação fabril em São Paulo, após vários anos, ocorreu quando cerca de 400 operários do Cotonofício Crespi entraram em greve no dia 9 de junho de 1917, pedindo: 1) a abolição do aumento do horário noturno ocorrido naqueles meses; 2) um aumento de 15 a 20 % no salário; 3) a abolição das contribuições para o Comitê Italiano Pró-Pátria.

A situação se precipitou a partir do momento em que a greve iniciada na Crespi se estendeu, no dia 29 de junho, a todos os 1.500 operários da fábrica e foi logo seguida (em 30 de junho) pela greve na grande fábrica têxtil Ipiranga de, Nami Jafet, envolvendo mais de 1.600 operários que pediam uma série de aumentos em torno de 20% e, em caso de trabalho noturno, de 25%. Nos dias seguintes começaram também as greves nas fábricas de móveis, quase todas situadas no Brás, e finalmente, no dia 7 de julho, enquanto os marceneiros começavam a obter gradualmente os aumentos pedidos (sempre na base de 20%) e os têxteis da Ipiranga voltavam ao trabalho vitoriosos, começou a greve na Antarctica. Na primeira semana de julho, portanto, a greve ainda não podia ser definida exatamente como geral, mas no bairro da Mooca as duas fábricas mais importantes (Crespi e Antarctica) estavam paradas. Foi a partir desse dia que a greve se alastrou rapidamente.

Entre a noite do dia 7 de julho – assaltos a carros que transportavam farinha na Mooca – e a tarde do dia 13 – ataque da cavalaria da força pública na ladeira do Carmo, mortes do pedreiro Nicola Salerno e da menina Edoarda Bindo, filha do operário Primo –, a cidade de São Paulo ficou quase ingovernável. O ponto mais crítico foi alcançado no dia 11 de julho, quando milhares de pessoas acompanharam o enterro do sapateiro José Gimenez Martinez, um jovem militante anarquista espanhol, morto nos embates de rua. Até esse momento, contudo, os grevistas eram 15 mil, dos quais cerca de 9.500 em greve de reivindicação, e o restante em greve de solidariedade. Os 9.500 estavam todos concentrados ainda na Mooca, em seis grandes estabelecimentos fabris – Crespi, Antarctica, Fábrica Mariangela de Matarazzo, Estampería Matarazzo, Tecidos de Juta, Lanifício De Camillis –, e espalhados em 24 pequenas oficinas.

Para coordenar o movimento, no dia 9 de julho foi criado o Comitê de Defesa Proletária, com representantes de grupos anarquistas e socialistas e lideranças sindicais, entre os quais os libertários Edgard Leuenroth, Luigi Damiani, Antonia Soares e Candeias Duarte e os socialistas Teodoro Monicelli e Giuseppe Sgai.

Depois de uma série de encontros iniciados no dia 12 entre o comitê e uma comissão constituída pelos diretores dos jornais paulistas da grande imprensa que funcionou como intermediária entre o secretário da segurança Eloi Chaves, os representantes empresariais e os grevistas, no dia 14 de julho, chegou-se finalmente à assinatura de uma base de acordo que reconhecia o direito de reunião, aumentos salariais, a libertação dos militantes e operários presos nas manifestações e embates, e a proibição de despejo de operárias grevistas.

No dia 13 de julho, os grevistas eram 25 mil, correspondendo a 90 estabelecimentos fabris, mas o número mais alto, de 43.800 aproximadamente, foi alcançado no dia 16 de julho, quando da apresentação nos comícios públicos, pelo Comitê de Defesa Proletária, dos acordos estipulados. Após essa data, os grevistas foram diminuindo, mas não de forma rápida, porque uma boa parte dos empresários se recusava a assinar os acordos, pretendendo negociar diretamente com seus empregados os aumentos e outras melhorias, sem contar o fato que em algumas fábricas e para algumas categorias a greve só começou depois do dia 16. Os pedreiros, por exemplo, que constituíam uma parte consistente do proletariado paulistano, entraram em greve geral no dia 18 de julho. A situação se normalizou somente nos últimos dias do mês.

A ANÁLISE

A greve geral de 1917 teve características próprias, mas típicas de outros movimentos do período: origens num movimento popular de protesto contra a alta de preços, início de greves parciais e localizadas nas principais fábricas, que depois se transformaram em uma greve generalizada que atingiu todas as categorias, acompanhada por manifestações, saques, motins e embates de rua no seu momento mais crítico. Esses aspectos levaram diversos militantes anarquistas a imaginar que a greve geral pudesse se transformar numa insurreição com características revolucionárias, no rastro da interpretação malatestiana e soreliana da greve geral.

Dois debates principais atravessam a análise histórica da greve: espontaneísmo ou organização? Greve anarquista ou radicalização ocasional de uma greve de reivindicações de melhorias que tomou tamanha amplitude por causa do contexto de empobrecimento progressivo? Os dois debates estão entrelaçados, uma vez que, ao colocar a ênfase no papel dos anarquistas, se destaca também a ideia de greve organizada. Os anos de enfraquecimento, quase de aniquilação, das organizações classistas em São Paulo que precederam a greve levam a considerar que o movimento de 1917 surgiu espontaneamente, sem prévia organização. Realmente, os sindicatos paulistanos, com exceção de alguns poucos (gráficos e chapeleiros, por exemplo), voltaram a se estruturar paralelamente ao desenvolvimento da greve ou até em seguida à greve para firmar direitos conquistados. A estrutura sindical que surgiu em agosto – em 26 de agosto houve a refundação da Federação Operária de São Paulo (FOSP) –, após a experiência da greve geral, era do tipo de transição das organizações de ofício para as de categoria: renasceram todas as ligas de ofício do período anterior a 1914 e surgiu, nos bairros populares (Mooca, Brás, Belenzinho, Água Branca e Lapa, Cambuci, Ipiranga, Bom Retiro, Vila Mariana), uma série de ligas operárias, com centenas de filiados, que agregavam os trabalhadores do local independentemente de sua profissão.

Por outro lado, é correto afirmar que os processos de organização sindical já estavam encaminhados havia algum tempo quando explodiram as greves de junho na Crespi e na Antarctica, prólogo dos eventos de julho: a declaração de greve na Crespi, por exemplo, foi decidida depois de uma reunião na Liga Operária da Mooca e por ela foi coordenada. Ao mesmo tempo, era comumente reconhecido o papel de militantes e sindicalistas que havia anos atuavam em São Paulo e que ao longo da primeira metade de 1917 tinham-se empenhado a reconstituir movimentos e organizações de classe. A greve geral foi a expressão de um processo dialógico entre um movimento de reorganização dos trabalhadores paulistanos e a explosão de uma agitação de massa de reação à piora das condições de vida e de trabalho.

Certamente, o papel desenvolvido no processo pelos militantes anarquistas, não somente aqueles mais próximos do sindicalismo, foi notável, o que, conjuntamente com as dinâmicas de ação direta e a quase inexistente estrutura sindical inicial levou à conclusão interpretativa da feição anarco-sindicalista da greve geral de 1917, contrastando a idéia de uma inserção interessada e posterior dos militantes num movimento popular espontâneo. A autoconstituição das organizações operárias foi um aspecto marcante do movimento de 1917, mas desde o início da constituição das ligas a presença de militantes libertários no seu seio foi importante, coincidindo com seu papel organizativo na campanha contra a carestia de vida. Ao mesmo tempo, da mesma forma, muito importante foi também a presença, na coordenação da greve o no movimento popular que a precedeu, de militantes socialistas, como o experiente sindicalista italiano Teodoro Monicelli. Foi ele, que já tinha participado e coordenado greves gerais na Itália, que inicialmente fez a proposta de desencadeamento de uma greve geral organizada em São Paulo ainda em maio de 1917, quando das primeiras paralisações parciais em alguns estabelecimentos fabris. Por causa dessa participação ativa no movimento, Monicelli, assim como o anarquista Luigi Damiani, foram condenados à expulsão do país. Finalmente, a nova FOSP que surgiu depois do término da greve geral, mais que explicitar uma matriz anarquista ou uma socialista, revelava a tradição sindicalista revolucionária que tinha caracterizado, ao longo da primeira década do século XX, o movimento operário paulistano.

Luigi Biondi

FONTES: BIONDI, L. Greve (v. 15, p. 259-307); KHOURY, Y. Greves; LOPREATO, C. Espírito.