Quem canta a música ainda somos os mesmos e vivemos?

Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
(Como Nossos Pais, Composição: Antônio Carlos Belchior).

A música “Como Nossos Pais” é uma composição de Belchior, lançada no álbum Alucinação, de 1976, esses títulos certamente não são ao acaso. A canção fez sucesso na voz de Elis Regina, que a gravou no álbum Falso Brilhante, também de 1976.

Composta em meio à Ditadura militar no Brasil, o autor afirmava que tinha sim intenções de expressar a indignação política, além do conflito de gerações. A letra retrata a desilusão da juventude reprimida, mas também fala de esperança e luta por mudanças, segundo os admiradores da canção e os seus intérpretes. Considerada um dos maiores clássicos da música brasileira, ela aparece na posição 43º entre as 100 maiores músicas brasileiras pela Rolling Stone Brasil.

As composições de Belchior são cheias de conteúdo pertinente a condição humana, ele desde cedo demostrou apreso pela Arte e pela Filosofia trabalhou em sua obra com conteúdo relevante que nos permiti uma proximidade e identificação com os conceitos psicanalíticos.

A estrutura da música me chama atenção e implica à pensar na teoria freudiana, mais especificamente ao texto: Recordar, Repetir e Elabora (1914). A canção menciona a evolução simbólica de um sujeito que conta o que passou e o que lhe interessa, e diz o que repete angustiadamente, o texto freudiano é a narrativa das mudanças necessária na técnica psicanalítica.

O inventor da psicanalise preocupado como o desenvolvimento, faz pontuações importante e bem dirigidas a quem pratica, suas recomendações pericialmente a respeito do manejo da transferência assim como da resistência observada no analisando. Certamente era uma preocupação de Freud a maneira como a psicanalise seria exercitada. Pensar na evolução da psicanalise a partir do que Freud disse na sua obra me traz questões, por exemplo a formação do psicanalista na atualidade, que merece sempre o exame constate para investir de maneira à livrar a Psicanalise das trincheiras do sucateamento teórico e prático.

Freud (1914), escrevendo para seu público ainda denominado “médicos”, relata o trabalho que se ocupariam a realizar os praticantes de sua teoria a partir das suas últimas descobertas, até aquele momento, sobre o inconsciente que estaria sobre o mecanismo de recordar, repetir e elaborar. Ele distingue a importância de desencobrir as resistências desconhecidas para o doente, através da interpretação; segundo Freud com frequência o paciente relata sem qualquer dificuldade as
situações e os nexos esquecidos.

O objetivo dessas técnicas permaneceu inalterado, sem dúvida. Em termos descritivos: o preenchimento das lacunas da recordação; em termos dinâmicos: superação das resistências da repressão. Do desvelamento das resistências desconhecidas para o doente, a partir das interpretações; Freud (1914) nos esclarece o quando é sensível creditar tanto à memória, mas aponta o desejo intenso de satisfação expresso nas falas dos pacientes que recorrem as lembranças, sobretudo quando há histerias de conversão. Ele diferencia a amnesia infantil as lembranças encobridoras, entendendo que cada uma tem sua função, no que diz respeito aos esquecimentos. Existe também conjunto de eventos psíquicos, acatado pelo autor, como comportamentos puramente internos, que pode ser contrastado com impressões e experiências, fantasia, referências, sentimentos e conexões, e deve ser considerado separadamente em sua relação com o esquecimento e a memória.

Na música interpretada por Elis Regina, conta uma história, e como toda história recorrem as possíveis lembranças de uma experiência vivenciada no mundo externo e interno que marcam simbolicamente o sujeito. A canção parece quase uma aplicação do texto de freudiano, para não fala que seria uma conclusão em análise, pois deixa explicito o desejo do que deseja falar a parti do que se recorda, e lhe implica:

Não quero lhe falar, meu grande amor
De coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
[…]
Já faz tempo, eu vi você na rua
Cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança é o quadro que dói mais […]

Durante toda a letra o eu lírico fala a experiência de recordar, repetir, repetir, repetir…, e concluir na última estrofe da música enfatizando a repetição e conflitos de gerações. O que parece denotar a própria relação com o passado, presente e um possível futuro. Empenhado em ser escutado fala, fala e fala baseando-se nas próprias recordações e desejos. Outra maneira possível de lembrar o que foi marcado, esquecido e reprimido, não recordar absolutamente, seria a passagem ao ato, atuar propriamente, reproduz como lembrança, naturalmente sem saber que o faz. Reeditando as lembranças em atos que não foram elaboradas nas mais variadas relações. Aqui me dou o direito de repetir o que já foi dito, e recordar a consideração freudiana de que a superação das resistências da repressão resultaria em lembrar e repetir, ou seja quanto maior a resistência, tanto mais o recordar será substituído pelo atuar (Freud, 1914). E é nessa repetição em ato que reside, também, a angustia do sujeito neurótico. Como diz na música:

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais.

Nessa última estrofe citada, o eu lírico fala da sua dor que é se perceber como os pais na hora da passagem ao ato e viver. Parece que há flexibilidade na resistência para perceber a própria atuação repetitiva comparada a de seus pais. A música me desperta algumas questões referente a pratica clínica: O que é repetido realmente? Por que e para que se repete? Como se repete? E o que seria essa constante repetição? O que gera essa repetição? Que imperativo é esse que não há escapatória?

Na pratica clinica com base nos ensinamentos de Freud pode se dizer que há duas condições importantes em analise que devem ser observadas: a transferência e a resistência. A repetição, acredito, que deve compor a tríade de: Transferir, Repetir, Resistir.

Aproximo a condição de repetir, da transferência e da resistência, principalmente pela importância que Freud deu a mecanismos ao longo de sua obra. No início de seus trabalhos concebia a repetição compulsiva do trauma como um efeito da fixação do sujeito em seu trauma. Em 1920 quando escreveu “Além do princípio do prazer” explicou que o fenômeno da compulsão de repetição como sendo a principal prioridade das pulsões. A grande descoberta de Freud na época foi constatar que que o objeto primordial de uma pulsão não é tanto a procura por satisfazer-se, obter o prazer, mas retornar a um estado antigo conturbado, traumático ou sadio, mas de intensa excitação, trazê-lo no presente e restaurá-lo (Nasio,2013).

O psicanalista e psiquiatra francês J.-D.Nasio escreve sobre a repetição em “Por que repetimos os mesmo erros” e apresenta o conceito de princípio de repetir afirmando que as pulsões são então estimuladas por ele, esse impulso superior. O autor, baseando-se em Freud, admiti que existe na vida psíquica uma força mais dominante do que nossa tendência a buscar o prazer e evitar o desprazer. Essa força seria a repetição a repetir.

Nasio (2013) define o inconsciente como sendo uma força que nos impele a repetir serenamente os mesmo comportamentos bem sucedidos, o que significa uma repetição sadia, uma força de vida; ou o que nos impele a repetir compulsivamente os mesmo erros e os mesmos comportamentos de fracasso, então a repetição seria patológica, uma força de morte. Seja qual for a posição do inconsciente, de vida ou de morte, é ele que rege a incidência e a reincidência dos episódios felizes e infelizes que controlam a existência humana.

Como já disse, repito, o questionamento, o que é esse mecanismo denominado repetição que não há como fugir? Repetição designa um movimento universal, uma pulsão que rege a ordem biológica, psíquica, social e até mesmo cósmica. Nasio propõe a conceituação uma serie de pelo menos duas ocorrências em um objeto aparece- primeira ocorrência-, desaparece reaparecersegunda ocorrência sempre ligeiramente diferente, embora todas as vezes reconhecível como sendo o mesmo objeto. A repetição sempre é repetição do mesmo, da mesma coisa que reaparece um pouco modificada. Nasio fala das leis que presidem todo o processo de repetitivo, vou aponta uma delas que seria a lei do mesmo e do diferente. O mesmo jamais se repetir identicamente a si mesmo; de certo será sempre reconhecível mas sobre aspectos distintos. A repetição aqui então é o trajeto de um objeto identificável por um observador que veria aparecer e desparecer sempre um pouco diferente em tempos e contextos variareis. Talvez tenta sido isso que Belchior percebe quando escreveu e Elis quando interpreto no trecho:

Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
[…]
Você pode até dizer que eu tô por fora
Ou então que eu tô inventando
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem

Notar comportamentos repetitivos não acontece apenas no setting analítico, no cotidiano as pessoas costumam acusar seus comportamentos e suas reincidências e apontar dos outros a sua volta. E essas observações sobre essas repetições muitas vezes é o que leva o sujeito a procurar um analista. Frases do tipo “eu sempre faço isso, mas não sei por que”, “sempre a faço as mesmas escolheras, e não dar certo”, “tudo se repeti” e até “essa repetição não tem/faz sentindo”, são diversas as questões que o princípio da repetição implica o sujeito supor ou explicar cada uma não é a intenção desse trabalho. Mas fazer a diferença entre a sadia e seus benéficos assim como e a patologia nos ajuda a pensar em outras.

A autopreservação, o desenvolvimento pessoal e a consolidação de nossa personalidade são os efeitos benéficos assinalados por Nasio. Esse tripé de repetição necessária à vida exige do sujeito trabalho continuo, feito repetidas vezes, dia após dia, resultando no aprimoramento daquilo que se dedica a fazer, essa repetição é a repetição pela vida, pelo trabalho da vida, por que a vida dar trabalho. Essa repetição sadia deve está amparada pela finalidade de preservar nossa unidade de individuo, desenvolver ao máximo nossas potencialidades e consolidar o sentimento de que somos o mesmo ontem e hoje.

Podemos entender a repetição patológica, segundo Nasio, como uma serie de pelo menos três ocorrências na qual uma emoção infantil, violente, foracluida e recalcada aparece, desaparece, reaparece e reaparece novamente alguns anos mais tarde, na idade adulta, sob a forma de uma experiência perturbadora cujos os paradigmas são o sintoma e a passagem ao ato.

A repetição expressa na música nos versos “Ainda somos os mesmos e vivemos / Como os nossos pais”não é rara ser notada pelas pessoas. Falada de outras maneiras tais como “Ah eu puxei isso de meu pai ou da minha mãe”, em alguns momentos na fantasia do sujeito parece que a repetição obedece a ordem da herança genética, o que por vezes é um causador de angustia, pois, o sujeito assistindo as repetições acontecendo por tantas vezes na sua frente, pode supor que não a meios para ressignificar a repetição tão conhecida no seio da família. O automatismo de repetição determina não apenas a subjetividade de um sujeito, como também a intersubjetividade entre vários sujeitos, tal repetição é nomeada como repetição transgeracional (Nasio,2013).

O tema da repetição é objeto de estudo de outros campos do conhecimento além da psicanalise, esgotara-lo seria uma tarefa impossível. São muitas as contribuições dos inventores da psicanalise e de seus seguidores sobre esta “força” que insiste em aparecer e operar se repetindo. Não é possível dizer se a repetição denunciada na música pelo eu lírico seria sadia ou patologica, mas sim é causadora de dor. Não é possível por não se saber ao exato de que pais e filhos se fala, particularmente, de quais recordação foram lembradas na passagem ao ato. De quais cenas traumáticas sugiram as interpretações do sujeito. Os questionamentos sobre o assunto não cessaram, será que a repetição com toda complexidade pode ser entendida e indagada como a arte sendo polissêmica? Poderíamos dizer que o mais nos define é o trabalho de repetir, por tanto sou aquilo que repito?

Referências:
FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 10 (1911-1913). Recordar, repetir e
elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanalise II) (1914).
NASIO, J.D – Por que repetimos os mesmos erros. Editora ZAHAR – 2013.
Belchior. Antônio Carlos, Como nossos pais. Gravada, por Elis Regina, em 1976.
Disponível em :

https://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw&list=RD2qqN4cEpPCw&start_radio=1&rv=2qqN4cEpPCw&t=18 

Acesso em 04 de novembro de 2021.

De quem é a letra da música Como Nossos Pais?

Belchior

Quantos anos Elis Regina tinha quando morreu?

36 anos (1945–1982)Elis Regina / Idade ao falecernull

Como Nossos Pais foi censurada?

Belchior(1976) “Como nossos paisfoi composta por Belchior em 1976. Foi escrita em meio ao cenário conturbado da ditadura e faz uma crítica a censura das coisas mais banais, como reuniões, clubes, eventos públicos e namoros em público… A ditadura fez aniversário mês passado, seguido de “descomemorização” e remorso.

Como foi a morte de Elis Regina?

O laudo médico atestou que a morte da cantora foi em decorrência "de intoxicação exógena, causada por agente químico - cocaína mais álcool etílico". Na noite anterior, Elis e seu namorado, o advogado Samuel MacDowell receberam amigos no apartamento dela em São Paulo.