Qual a relação entre as mudanças no mercado de trabalho e a crescente precarização das relações de trabalho?

1 INTRODUÇÃO

As mudanças que demarcaram o capitalismo contemporâ- neo nas últimas décadas do século XX, bem como nos primeiros anos do XXI, têm apontado para uma perversa lógica de exclusão num processo que redefine os espaços laborativos desafiando cons- tantemente o mundo do trabalho e impondo novas exigências aos mais variados setores e atividades do trabalho envolvidos direta e indiretamente na produção. Nessa acepção, as relações trabalhistas ganham novos contornos com uma intensa heterogeneidade laboral, sendo conduzido também por novas formas de degradação das ocu- pações no trabalho. (ANTUNES, 2015).

As transformações ocorridas em âmbito econômico e social a partir do advento da reestruturação produtiva resgataram velhas, como também acarretaram novas (e precárias) formas de contrata- ção da força de trabalho alterando profundamente a configuração do trabalho no Brasil e no mundo. (ALVES, 2013). Inserido nesta lógica, mediante as políticas de ajustes de austeridade econômica de cunho neoliberal, os governos nacional e internacional adotaram as condições regidas pelos mercados de capitais financeiros, tendo como consequência, o enfraquecimento dos direitos trabalhistas, a redução e flexibilização dos salários, assim como o aumento das for- mas precárias, temporárias e inseguras de emprego.

Dessa forma, o presente artigo constrói-se a partir da análi- se do processo de acirramento da precarização do trabalho visando contribuir para as reflexões sobre a precariedade laboral no que tan- ge aos salários e à jornada de trabalho, com desdobramentos para a intensificação laboral e a flexibilização da remuneração entre a força de trabalho atuante no setor de serviços em contexto nacional.

O artigo contém parte dos dados apresentados no Relatório Final de pesquisa1 e consiste em uma pesquisa bibliográfica, tendo como lente de análise, o referencial teórico fundamentado na Teoria Social Crítica Marxiana que discute a problemática da precarização do trabalho no contexto do capitalismo contemporâneo. Este artigo adota, igualmente, a pesquisa documental e um estudo de caso com 121 trabalhadores que atuam como comerciários (empacotador, vendedor, caixa, estoquista, etc) inseridos em um Polo de Confecções de Vestuários situado no estado do Espírito Santo. A coleta de dados consistiu em aplicação de questionários com perguntas abertas e fechadas no ano de 2016. Tal pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) sob nº 1.345.364 de 01 de dezembro de 2015 de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 e nº 510, de 7 de abril de 2016 CNS.

2 ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL: reflexões sobre a precarização laboral no setor de serviços como elemento de dominação do capital

As transformações ocorridas no capitalismo nas últimas décadas do século XX impactaram profundamente o mundo do trabalho. Após o longo período de crescimento da economia capitalista iniciado no pós-guerra, os anos 1970 seriam marcados pela estagnação oriunda da crise de acumulação taylorista-fordista com determinações mais profundas caracterizadas por uma crise estrutural do capi- tal (MÉSZAROS, 2002; ANTUNES; PRAUN, 2015). Desse modo,

Em resposta aos obstáculos impostos ao processo de acumulação nos anos 1980, um conjunto de medidas, articuladoras de velhas e novas formas de exploração do trabalho, passou a redesenhar a divisão internacional do trabalho, alterando também de forma significativa a composição da classe trabalhadora em escala global. Movendo-se com facilidade pelo globo, fortemente enraizadas no capital financeirizado, um número cada vez mais reduzido de corporações transnacionais passou a impor à classe-que-vive-do-trabalho, nos diferentes países do mundo, patamares salariais e condições de existência cada vez mais rebaixadas. (ANTUNES; PRAUN, 2015, p. 408).

Nesse contexto, desenvolve-se o processo de reestruturação produtiva, desencadeado em meio a condições de exploração parti- culares e articuladoras de elementos herdeiros do fordismo aos no- vos mecanismos próprios das formas de acumulação flexível. (HARVEY, 2013). Assim, a compreensão sobre a dinâmica do mundo do trabalho contemporâneo perpassa um olhar sobre as diversas formas de exploração e precarização que se apresentam na contemporanei- dade em que os novos modelos de gestão, impulsionados pela rees- truturação produtiva no bojo da acumulação flexível e das políticas neoliberais, reconfiguram as relações de trabalho. (ALVES, 2013).

Acompanhando o deslocamento de parcela considerável da atividade produtiva para áreas localizadas na periferia do sistema, o capitalismo contemporâneo presenciou, particularmente nos paí- ses capitalistas centrais, a redução do proletariado industrial. Como parte do mesmo processo, em vários países da periferia do capital, observou-se igualmente, a expansão significativa do contingente de trabalhadores abrigados na agroindústria e especialmente no setor de serviços. (ANTUNES, 2013). Em essência, a resposta do capital à sua crise se baseou - potencializada pela internacionalização da economia - em uma forma particular de articulação de estratégias de extração da mais-valia absoluta e relativa. Essas medidas seriam acentuadas a partir de 2008 em meio às novas manifestações da crise estrutural do sistema. (MÉSZAROS, 2011).

No Brasil, particularmente na década de 1990, no contexto das políticas governamentais de caráter neoliberal, as transformações geradas pela nova divisão internacional do trabalho foram de grande intensidade já que partiram de uma dinâmica interna, característica dos países de industrialização dependente, fundada na superexploração da força de trabalho. (MARINI, 2000; ANTUNES; PRAUN, 2015). A imposição de baixos salários, associados a ritmos de produção intensificados e jornadas de trabalho prolongadas, foi ainda acentuada pela desorganização do movimento operário e sindical, imposta pela vigência entre 1964 e 1985, da ditadura militar. (ANTUNES, 2013).

Diante de tal realidade perpassada pelo ideário neoliberal e, ao mesmo tempo neodesenvolvimentista no bojo da reestruturação produtiva e do capital mundializado e financeirizado, engendraram-se novas formas de produção e trabalho. (ALVES, 2013). A denominada flexibilização das relações laborais ocorreu como parte des- se cenário, sob a justificativa de aumentar o número de postos de trabalho, baratear a produção e tornar os produtos brasileiros mais competitivos nos mercados internacionais. (POCHMANN, 2012).

Nesse sentido, Dal Rosso (2008) salienta que muito do trabalho contemporâneo apresenta características distintas de outras épocas. Para este autor, entre elas ressalta-se que os empregos estão cada vez mais concentrados em atividades de Serviços. O autor ainda enfatiza que, “Desde os anos 1960, estudos começam a apontar para uma transformação profunda na estrutura setorial de empregos. A transformação consiste essencialmente em uma redução proporcional do emprego no setor industrial com expansão do setor terciário (Serviços).” (DAL ROSSO, 2008, p. 36).

Essas transformações no mundo do trabalho a partir do avanço tecnológico, bem como dos métodos organizacionais dos processos de trabalho engendrados pelo modelo de acumulação flexível e toyotista, promoveram uma reconfiguração das relações sociais de trabalho contemporâneas, contribuindo para a existência não apenas de uma sociedade industrial e comercial, mas, semelhantemente, para a formação e expansão da sociedade de serviços. Nesse sentido, Antunes (2015, p. 210-211) afirma a ocorrência de um crescimento explosivo do setor de serviços,

A expansão do trabalho em serviços, em esferas não diretamente produtivas, mas que muitas vezes desempenham atividades imbricadas com o trabalho produtivo mostra-se como outra característica importante da noção ampliada de trabalho, quando se quer compreender o seu significado no mundo contemporâneo.

A expansão do trabalho em serviços, em esferas não diretamente produtivas, mas que muitas vezes desempenham atividades imbricadas com o trabalho produtivo mostra-se como outra característica importante da noção ampliada de trabalho, quando se quer compreender o seu significado no mundo contemporâneo.

Com isso, no capitalismo contemporâneo observa-se uma expansão do trabalho assalariado direcionado ao setor de serviços. Isso significa uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o trabalho industrial e fabril, e, do outro, estimula o processo de ascendência da subproletarização do trabalho que está presente nas formas de trabalho informal, parcial, autônomo, precário, bem como em postos de trabalhos temporários e de subcontratações. Assim, compreende-se que a subproletarização está essencialmente conectada às relações laborais vinculadas ao setor de serviços. (ANTUNES, 2015).

O autor supracitado ainda argumenta que a expansão do setor de serviços tem gerado várias consequências, as quais se destacam: Crescente redução do proletariado fabril, enorme incremento do subproletariado de serviços – com trabalhos precários subcontratados via terceirização e quarteirização, com aumento significativo do trabalho feminino – preferencialmente absorvido pelo capital no universo de trabalho precarizado e desregulamentado.

À vista disso, compreende-se que a classe-que-vive-do-trabalho2 se divide entre trabalhadores qualificados e desqualificados. Segundo Antunes (2015), os trabalhadores qualificados são aqueles denominados de polivalentes e multifuncionais da era globalizada e flexível do capital. Em relação aos trabalhadores desqualificados, estes compõem a massa de trabalhadores com pouca ou sem qualificação, disponíveis para a subproletarização por meio do trabalho mais precário e com baixo assalariamento no setor de serviços. Logo, de acordo com o mesmo autor, nota-se que na sociedade de serviços, a força de trabalho atuante não é a mesma observada do século XX, pois ocorre um incremento do trabalho feminino, da força de trabalho jovem e a exclusão da população idosa, significando um processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora.

Nesse contexto, entre os diferentes mecanismos que buscam o envolvimento e o engajamento dos trabalhadores nos objetivos das corporações, assume destaque nas últimas décadas o sistema de me- tas, disseminado nos ambientes de trabalho como desdobramento das primeiras medidas de reestruturação produtiva, a partir dos anos 1980. (ALVES, 2013). Esse modelo de gestão coincidiu com o fortalecimento de uma lógica de racionalização da economia global, com repercussão no mundo do trabalho em diversos segmentos econômicos, fundada na crescente mensuração de resultados.

Sua mola propulsora foi fundada em duas características marcantes do período aberto pela crise dos anos 1970: a crescente fi- nanceirização das grandes corporações, como parte de um processo mais amplo de mundialização financeira, tal como aponta Chesnais (1996), e a necessidade intrínseca de aceleração, fruto da intensificação da concorrência intercapitalista e da pressão crescente dos investidores, dos ciclos de renovação e aumento dos indicadores de produtividade. Tal processo agudiza-se na atual crise estrutural do capital oriunda em 2008 em diversos segmentos econômicos, dentre eles, o setor de serviços, principalmente o segmento do comércio.

É nesse marco que se inserem as estratégias corporativas de gestão por metas. Desse modo, impregnadas da lógica concorrencial típica do padrão flexível de acumulação e de sua expressão político-ideológica neoliberal, as relações sociais na totalidade e sua manifestação nos locais de trabalho materializam-se cada vez mais em um projeto que transita entre as incertezas do mercado e a imprescindibilidade do engajamento como saída para se manter empregado, sujeitando-se às mais diversas formas de precarização do trabalho, por meio da flexibilização salarial ou nas palavras de Alves (2013, p. 154) “flexibilização da remuneração”, materializada especialmente no setor de serviços pela implantação das comissões de venda e da Participação nos Lucros e Resultados (PLR)3 que por sua vez, funcionam como uma espécie de compensação (ou recompensa) pelo esforço e engajamento de cada trabalhador no alcance das metas estipuladas pela empresa. (ANTUNES; PRAUN, 2015).

Conforme salienta Antunes e Praun (2015), a instituição do sistema de PLR coincidiu, no Brasil, com a medida de desindexação salarial imposta pelo governo federal como parte do Plano Real. Ocorreu concomitante ao fim do ciclo dos Acordos das Câmaras Setoriais, que deram impulso ao processo de reestruturação produtiva, passando a vigorar também em meio à fase denominada por Alves (2013) como de expansão do toyotismo sistêmico.

À luz dessas contextualizações, notam-se ainda reflexos da precarização laboral igualmente em relação à jornada de trabalho executada pelos trabalhadores do setor de serviços no âmbito da acumulação flexível através da intensificação do trabalho, bem como mediante a extensão da jornada de trabalho com longas e exaustivas horas trabalhadas e em condições laborais na maioria das vezes degradáveis, conforme observado em muitos estabelecimentos de serviços comerciais (DAL ROSSO, 2008). Para este autor, o mais recente movimento de intensificação do trabalhado iniciou-se no Brasil em 1980 e se estende até os dias atuais. De acordo com Dal Rosso (2008, p. 21),

[...] a intensidade é, portanto, mais que esforço físico, pois envolve todas as capacidades do trabalhador, sejam as de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida ou os saberes adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização.

Alves (2013), com aporte na teoria marxiana, aponta que a dinâmica de reprodução e acumulação ampliada do capital se realiza por meio da extração da mais-valia, obtida a partir da exploração da força de trabalho e da extensão da jornada. No caso do setor de ser- viços, a intensificação no processo de trabalho de seus trabalhadores é verificada na extensão da carga horária laboral em que o trabalha- dor, para assegurar seu emprego, submete-se à realização de horas-extras para além de seu expediente normal de trabalho e em finais de semana, cuja remuneração neste caso, opera-se — na maioria das vezes — via banco de horas, legitimando a flexibilização salarial. Em consonância com esta realidade, Marx (2013, p.578) corrobora:

A extensão da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador teria produzido apenas um equivalente do valor de sua força de trabalho, acompanhada da apropriação desse mais-trabalho pelo capital — nisso consiste a produção do mais-valor absoluto. Ela forma a base geral do sistema capitalista e o ponto de partida da produção do mais-valor relativo (MARX, 2013, p. 578).

À vista disso, observa-se que o capitalismo se reproduz de forma agressiva, em um movimento contraditório em que se privilegia a valorização do capital na esfera do setor de serviços, particularmente no segmento do comércio, em detrimento da sua força de trabalho conforme verificado na seção seguinte.

3 SETOR DE SERVIÇOS: o caso do polo de confecções da Glória/ES

O Polo de Confecções da Glória encontra-se situado no município de Vila Velha, na Região Metropolitana de Vitória no Espírito Santo. Vila Velha é considerada o mais antigo e o segundo município mais populoso do Espírito Santo, com 465.690 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013), além de ser um município recortado por praias garantindo o potencial turístico na região.

No segmento econômico, este município possui um Terminal Portuário que é considerado um dos maiores da região Sudeste, o que garante a exportação de produtos siderúrgicos, mármores, granito, café, automóveis, bobinas de papel e celulose entre outros.

No setor terciário observa-se grande número de micro e pequenas empresas, responsáveis por 73% das contratações de trabalho com carteira assinada, segundo dados de agosto de 2012 (GONÇALVES, 2012). O Polo de Confecções da Glória, lócus de atuação dos trabalhadores pesquisados no estudo, reúne mais de 900 lojas distribuídas em várias ruas e dezenas de galerias onde se encontram produtos diversos, tais como bijuterias, bolsas, cintos, moda praia, roupas em jeans, malhas e tecidos (VILA VELHA, 2013). O setor de confecção emprega cerca de 40 mil pessoas, direta e indiretamente, com 40% das empresas de vestuário do estado situadas em Vila Velha. É o segundo setor que mais emprega nesse município, atrás apenas da construção civil (VILA VELHA, 2013).

O chamado Polo da Glória teve inicio no final dos anos de 1970, considerado um núcleo de modas ao ar livre, situado perto do Centro do município, possuindo aproximadamente 1.200 empresas, sendo 800 de vestuário, 200 de acessórios e 200 de serviços. Das 800 lojas, 600 são voltadas exclusivamente para o público feminino (VILA VELHA, 2013). Economicamente, esse local representa 7% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) municipal. O Polo de Confecções da Glória movimenta cerca de R$ 500 milhões/ano, o que gera uma arrecadação tributária de R$ 40 milhões, empregando dez mil pessoas com geração de R$ 8 milhões em renda a um salário base de R$ 800/mês. (ASSOCIAÇÃO E UNIÃO DOS COMERCIANTES, INDUSTRIAIS E PROFISSIONAIS LIBERAIS DA GLÓRIA E BAIRROS VIZINHOS, 2017).

Em 1983 foi criada a Associação Comercial e Industrial de Vila Velha (Acivive), que foi substituída em 1991 pela Associação Comercial, Industrial e Agropastorial de Vila Velha (Aciagro), que por sua vez, em 1999, foi sucedida pela atual Associação dos Comerciantes da Glória (Uniglória) que administra os interesses dos diversos atores que atuam no Polo. (ASSOCIAÇÃO E UNIÃO DOS COMERCIANTES, INDUSTRIAIS E PROFISSIONAIS LIBE- RAIS DA GLÓRIA E BAIRROS VIZINHOS, 2017).

Em complemento à pesquisa bibliográfica e documental sobre o objeto deste artigo, junto à análise do contexto e caracterização regional, foi realizada a pesquisa de campo sobre as condições de trabalho dos trabalhadores do Polo de Confecções da Glória/Vila Velha/ES.

O quadro abaixo mostra alguns dados referentes ao perfil socioeconômico dos trabalhadores entrevistados no local.

Quadro 1

Perfil Socioeconômico da força de trabalho atuante no Polo de Confecção da Glória entre 2015/2016, Vila Velha/ES

ITENS PREDOMINÂNCIA E MEDIAÇÕES4
Sexo e idade Dos 121 trabalhadores pesquisados, (89,3%) destes correspondem ao sexo feminino e estão na faixa etária entre 18 a 43 anos (89,2%). De acordo com Cisne (2015), Antunes (2015), Nascimento (2014) e Hirata (2010) a divisão sexual do trabalho resultado do sistema capitalista por meio de uma divisão hierárquica entre os sexos, confere às mulheres trabalhos mais precarizados e desvalorizados, no caso estudado, o setor de confecções de vestuário são atividades delegadas às mulheres associado às atividades domésticas.
Município de residência 86,8% dos trabalhadores residem no município de Vila Velha, ou seja, próximo ao local de trabalho. Numa visão conservadora e neoliberal, trabalhador que reside perto do trabalho se atrasa menos e tem um índice menor de falta. Ele também chega menos cansado. A empresa aumenta seus ganhos de produção e diminui sua taxa de rotatividade (MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL BRASIL, 2017).
Escolaridade 71,1% dos trabalhadores informaram que possuem o ensino médio completo; 7,4% ensino médio incompleto e 7,4% ensino superior incompleto e 4,1% com ensino superior completo e 2,5% ensino fundamental e apenas 0,8% com pós-graduação completa. De acordo com os autores supramencionados, o mercado de trabalho presente na lógica capitalista incentiva procura por mais capacitações, assim como qualificações que expressem mais competências e habilidades por parte dos trabalhadores, exercendo atividades multidisciplinares, polivalentes, como tomar decisões, trabalhar em equipe, ser proativo, criativo, entre outras habilidades (ANTUNES, 2015). Com a reestruturação produtiva no Brasil, novas configurações ao mundo do trabalho e novas condições sócio-históricas para os trabalhadores foram criadas, o que se constituem nas palavras de Alves (2007, p. 246) em “promessa restrita de um novo trabalhador politécnico, mais imerso numa nova forma de estranhamento e objetivações fetichistas (como o valor- fetiche da empregabilidade5)”.
Estado civil; nº de filhos e nº de residentes por domicílio do trabalhador Predominância de 45,45% solteiros e 44,63% casados. Dos 121 trabalhadores entrevistados 62,81% têm filhos e 38,02% não têm filhos. Dos trabalhadores que possuem filhos 61,16% têm de 1 a 3 filhos. Em relação ao número de integrantes no domicílio do trabalhador, 67,77% disseram residir no mesmo, de 1 a 3 pessoas. já incluindo o sujeito pesquisado.
Tipo de vínculos 93% dos trabalhadores possuem um contrato de trabalho por tempo indeterminado e 7% possuem contrato de trabalho temporário.

Pesquisa no Polo de Confecção da Glória/Vila Velha/ES, 2015/2016.

A seguir são abordados dois elementos que impactam nas condições de trabalho dos trabalhadores do setor de serviços e que foram expressivos nos dados da pesquisa empírica realizada no Polo de Confecções da Glória/ES. Tais elementos consistem no processo de intensificação laboral por meio da extensão da jornada de trabalho e a questão salarial com a flexibilização da remuneração da força de trabalho, demonstrando a precarização das condições de trabalho dos sujeitos que atuam no setor de serviços do Pólo da Glória.

No tocante à jornada de trabalho, os dados evidenciam a existência de uma lógica de produção ampliada do capital com a supe-rexploração da força de trabalho associada à extensão da jornada de trabalho.

O resultado da pesquisa indica que dos 121 trabalhadores, 73,6% perfazem uma carga horária de 8 horas diária6; 8,3% trabalham 9 horas diárias; 6,6% têm uma jornada diária de 10 horas; 2,5% têm uma jornada diária de 8 horas 30min e apenas 0,8% afirmaram que possuem uma jornada diária de 7 horas e outros 0,8% atestaram que cumprem apenas 4 horas diárias. E 5,8% não responderam à questão.

Vale ressaltar que 17,4% dos trabalhadores trabalham para além da carga diária de 8 horas em desacordo com a jornada de trabalho determinada pela regulamentação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a qual prevê a quantidade máxima de 8 horas diárias, um total de 44 horas semanais, conforme explicitado no Art. 58:

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite (BRASIL, DECRETO-LEI Nº 5.452,1943).

Entretanto, torna-se oportuno salientar que, não obstante a regulamentação da jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) permite ainda 02 (duas) horas normais de horas-extras diárias e mais 02 (duas) horas excepcionais mediante justificativa prévia como fundamenta- do no (Art. 59, p. 130) em que “[...] a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares em número não excedente de 2 (duas) mediante acordo escrito entre empregador e em- pregado ou mediante Convenção Coletiva de Trabalho.” (BRASIL, CLT, 2016, Art. 59, p. 130). Nesse sentido, verifica-se a legitimação por parte do Estado junto à CLT com aporte na atual Lei Trabalhista nº 6787/16, de formas de exploração via extração de mais-valia absoluta com a flexibilização da jornada de trabalho, fomentando a extensão desta. A nova Lei Trabalhista nº 6787, de 23 de dezembro de 2016, engendrada pela recente Reforma Trabalhista, permite que a jornada em um único dia possa chegar a 12 horas para todas as categorias de trabalhadores, o que consequentemente se reflete no setor de comércio de serviços.

Os 121 trabalhadores que foram entrevistados na pesquisa atuam nos departamentos de vestuários e estão vinculados, principalmente, a três segmentos: revenda de vestuários, revenda e confecção de vestuários, e confecção de vestuários.

Considerando os trabalhadores da área de serviços, Antunes (2015, p. 218) caracteriza o novo proletariado do setor de serviços como Trabalhador precarizado: “[...] terceirizados, subcontratados, part-time, entre outras formas assemelhadas que se expandem em inúmeras partes do mundo”.

Essa dinâmica da reprodução e da acumulação ampliada do capital por meio da mais-valia que é obtida a partir da exploração da força de trabalho e da intensificação da jornada de trabalho da classe trabalhadora. Sob o aspecto da exploração e intensificação do trabalho para a reprodução do capital, Giovanni Alves (2007, p.16) reforça que “[...] o cerne essencial e finalidade intrínseca da ordem de reprodução social metabólica do capital é a produção de mais-valia”.

Marx (1996) argumenta que o valor de toda mercadoria deve- ria ser determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário. O trabalhador cria um valor pela sua jornada de trabalho, que lhe é devolvido através de um salário fixo. Consequentemente, o salário fixo produz um valor fixo na mercadoria, todavia, a jornada de trabalho possui sempre um excedente na produção. E esse excedente transforma-se em mais-valia absoluta, a qual é totalmente apropria- da pelo capitalista. Portanto, a mais-valia absoluta é exclusivamente formada e baseada pela extensão da jornada de trabalho em relação ao salário fixo.

Sobre a mais-valia absoluta, Paulo Netto e Braz (2006, p.108) corroboram as ideias de Marx (2013):

[...] aquilo que importa ao capitalista é o tempo de trabalho excedente – se é nesta parte da jornada que se produz o excedente de que ele vai apropriar-se, interessa-lhe a ampliação desta parte da jornada. Um modo de ampliar o tempo de trabalho excedente consiste na extensão da jornada de trabalho sem alteração do salário: aumentando-se a duração da jornada (dez, doze, catorze horas etc.), conserva-se a mesma duração de tempo de trabalho necessário e se acresce o tempo de trabalho excedente. Este modo de incrementar a produção do excedente a ser apropriado pelo capitalista designa-se como produção de mais-valia absoluta. (PAULO NETTO; BRAZ, 2006, p. 108).

Ao analisar os 17,4% dos trabalhadores que perfazem jornada laboral com mais de 8 horas diárias, inferimos a possibilidade de realmente haver uma extensão da jornada de trabalho diária, sem acréscimo salarial. Essa hipótese ratifica-se pela apresentação de outros dados que confirmam a realização de trabalho no horário de intervalo (almoço) e também aos sábados, principalmente, depois do expediente (excedendo a carga horária complementar de 4 horas necessárias para completar 44 horas semanais) ou ainda em perío- dos sazonais (picos de vendas no comercio que ocorrem em datas comemorativas).

A pesquisa demonstra que 68,6% dos trabalhadores entrevistados realizam suas refeições no próprio local de trabalho, o que pode induzir a uma extensão da jornada de trabalho, pois a particularidade do setor de revenda de vestuários garante o funcionamento ininterrupto do serviço independente de horários de intervalo de refeições.

Outro dado que expressa uma superexploração do trabalhador do setor de serviços é a afirmação de 78,5% dos trabalhadores de que trabalham aos domingos e feriados.

Esses 78,5% trabalhadores têm sua força de trabalho amplamente explorada principalmente em datas específicas, tais como: dia dos namorados, dia das mães e dia das crianças que - na maioria das vezes - recai aos sábados e domingos.

Resgatar Marx (1996) é necessário para se entender a mais valia relativa e entender o que acontece no setor de serviços na contemporaneidade. A introdução da tecnologia a partir do século XIX foi um fator essencial para a extração da mais-valia relativa. Nas palavras de Marx (1996, p.42) “[...] o capital lançou-se com força total e plena consciência à produção de mais-valia relativa por meio do desenvolvimento acelerado do sistema de máquinas”. Neste sistema de máquinas, a extração da mais-valia relativa está baseada na renovação e incremento tecnológico, os quais possibilitam uma produtividade em larga escala, viabilizando, também, um trabalho sobrante, sendo este, apropriado pelos capitalistas.

Não obstante o sistema de máquinas tenha expulsado uma quantidade expressiva da força de trabalho do mercado laboral a partir da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, ela permanece produzindo a mais-valia relativa. Nesse sentido, produz-se a exploração e a intensificação da jornada de trabalho daqueles trabalhadores que se encontram vinculados a este sistema produtivo – onde as mercadorias são produzidas em grandes quantidades em menos tempo, mas, permanecendo a extensa jornada e o salário precário destes trabalhadores. Um fator importante decorrente da substituição do trabalho humano pela máquina é o alto índice de desemprego em todos os setores produtivos, formando um contingente do exército industrial de reserva. (ANTUNES, 2015).

A produção dessa superpopulação relativa frente às necessidades da ampliação do capital possui um papel sistêmico: fomentar a desvalorização da força de trabalho humana pela via da consolidação da força de trabalho excedente como mercadoria disponível para o consumo daqueles que detém o poder econômico. O modo de produção capitalista carece dessa população excedente ou sobrante, pois ela contribui para a permanência da dominação político-cultural e simbólica do capital (ALVES, 2007).

O tempo de trabalho e o seu forte processo de transformação a partir da década de 1970 resultaram em efeitos significativos na vida da classe trabalhadora em escala global; tais efeitos são perceptíveis mediante as formas de flexibilização do tempo de trabalho, bem como por meio da implantação de novas formas de compensação e prolongamento da jornada de trabalho, e, claro, do aumento expressivo dos chamados tempos atípicos de trabalho7.

Outro aspecto que vale destacar e que foi observado no recorte amostral dos trabalhadores que fizeram parte da pesquisa, é o que se pode chamar de polivalência do trabalhador, ou seja, trabalhadores que atuam no atendimento ao cliente (nas vendas), sendo igualmente direcionados para outras funções, tais como limpeza do ambiente da loja, serviços de rua, como pagamentos de boletos bancários, entregas de documentos para a empresa que presta serviços contábeis, etc.

Sadi Dal Rosso (2008, p. 13) explicita que:

Os “trabalhos” não mais vinculam atividades a postos. No seu mundo, os “operadores”, como passam a ser denominados os trabalhadores que aí “operam”, devem deslocar-se continuamente entre as funções que lhe são exigidas. O termo “operador” de supermercado é exemplar a esse respeito. Ele exerce o trabalho de caixa enquanto houver gente nas filas. No momento em que ninguém mais estiver nas filas de compras, o “operador” desloca-se para a arrumação de prateleiras, a reposição de produtos, o serviço de informações aos clientes, a limpeza ou qualquer outra atividade necessária; e, tão logo necessário, retorna à função de caixa mais uma vez.

O avanço tecnológico, as inovações organizacionais, as novas formas de gestão do tempo de trabalho interferiram profundamente no mercado de trabalho, isto porque os trabalhadores contemporâneos são flexíveis, vinculados a atividades polivalentes e não específicas. A existência desses novos paradigmas, como a polivalência do trabalhador, redução da força de trabalho, flexibilidade do trabalho, entre outros, surgem no século XX, no contexto de ampliação do capital, mais especificamente, a partir da década de 1970 com o mé- todo de organização e práticas laborais conhecidos como toyotismo.

O toyotismo, nas palavras de Sadi Dal Rosso (2008, p. 69) elevou “[...] o grau de intensidade a um ponto que nenhum outro sistema conseguirá jamais alcançar”.

E Antunes (2013, p. 47) explicita que:

O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição de formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão torganizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde destaca especialmente o “toyotismo” ou o modelo japonês.

No modelo Toyota, os trabalhadores foram treinados e qualificados para conhecer todos os processos de produção, com o intuito de atuarem em várias áreas do sistema produtivo. Sendo assim, tornaram-se trabalhadores polivalentes e multifuncionais prontamente disponíveis para serem explorados de maneira mais intensa e sofisticada, sobretudo nos ramos produtivos de maior incremento tecnológico. (ANTUNES, 2015).

Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais intelectual. E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural. (ANTUNES, 2015, p. 219).

Outro dado que se destaca na pesquisa realizada, é que dos 121 trabalhadores pesquisados, 54,5% afirmaram que nunca se sentiram pressionados com prazos e metas a cumprir; 19% alegaram que algumas vezes no mês sentem-se infligidos ao cumprimento de metas de produção na empresa; 12,4% dos trabalhadores declararam que todos os dias sofrem pressão para atingir as metas de produtividade; 8,3% atestaram que uma vez ao mês sentem-se preocupados com relação ao cumprimento dos prazos e metas, e, por fim, 5,8% em algumas vezes na semana, sentem-se pressionados relação ao seu desempenho produtivo. Ou seja, 45,5% sentem-se constrangidos para o cumprimento de prazos e metas de produtividade no ambiente de trabalho.

Constata-se que entre as faces do perverso novo mundo laboral e da autocracia ainda marcante na relação entre capital e trabalho, evidencia-se o exacerbado número de doenças físicas e psicoemocionais adquiridas em função do desempenho do trabalho multifuncional esboçado no processo de trabalho do setor comercial de serviços, onde trabalhadores assalariados tornam-se colaboradores e polivalentes, de modo que a equipe de trabalho deve cumprir as metas de produtividade exigidas pelas lojas de comércio varejista e de revenda (DAL ROSSO, 2008). Tal processo, conforme aponta Dejours (2011), tem provocado graves impactos psicossociais desencadeando agravos aos trabalhadores do setor de serviços, particular- mente do comércio, como as doenças mentais e psicossomáticas que podem ser tomados como sintomas do sofrimento ocasionados pelo trabalho e que geram, por consequência, o enfraquecimento da organização coletiva de classe (DAL ROSSO, 2008; DEJOURS, 2011).

Cabe salientar que no Brasil, na década de 1990, esse modelo de remuneração flexível e de metas ganhou relevância nacional, uma vez que os acordos entre trabalhadores e empresas se tornaram legítimos a partir da regulamentação da Medida Provisória nº 794, de 29 de dezembro de 1994, porém, somente seis anos depois este sistema realmente passa a vigorar sob a Lei nº 10.101 de 19 de dezembro de 2000, e esta, por sua vez, assegura no Art. 1º:

Art. 1º. Esta lei regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI, da constituição (BRASIL, LEI Nº 10.101, 2000).

Mediante esta regulamentação, as empresas submetem seus trabalhadores a um sistema por metas baseadas, sobretudo, em cima de quatro critérios, sendo eles – produção, assiduidade-absenteísmo, parâmetros de qualidade e redução de custos – todos estes quatros critérios impulsionam um melhor desempenho pautado pela ampliação da produtividade e competitividade da empresa no mercado. (ANTUNES, 2015).

Por fim, sobre esse modelo de gestão de produtividade do capital pela via de cumprimentos de metas e de prazos, entende-se que o capital se apropria de todas as formas e estratégias para perpetuar a sua dominação e acumulação, bem como a sua autovalorização neste sistema capitalista. Para isso, visa à exploração da força de trabalho e a extensão da jornada de trabalho para extrair a mais-valia produzida pela classe trabalhadora tanto do setor industrial quanto do setor de serviços. (ANTUNES, 2015).

As metas e prazos impactam também com relação ao salá- rio mensal dos trabalhadores. Dos 121 trabalhadores entrevistados, 78,5% recebem de um a dois salários mínimos, 16,5% dos entrevistados dizem que recebem até um salário mínimo e 2,5% recebem além do salário mínimo a comissão pelo cumprimento de metas. Esses dados são os reflexos do que acontece com a maioria dos trabalhadores do comércio, sendo uma característica típica do setor de serviços (ALVES, 1999).

Nos esclarecimentos de Marx (1982, p. 34), “O salário é a soma em dinheiro que o empregador paga por um determinado tempo de trabalho ou pela prestação de um determinado trabalho”. Nesse sentido, Marx aborda a categoria salário como sendo resultado da compra da mão de obra dos trabalhadores que vendem a sua força de trabalho para poder sobreviver na sociedade capitalista. Sendo as- sim, os trabalhadores estão submetidos à lógica de trabalho imposta pelo modo de produção capitalista, ou seja, o capital é quem dita à maneira com que as relações de trabalho devem ocorrer entre trabalhadores e os donos dos meios de produção, a burguesia.

Parece, portanto, que o capitalista compra o trabalho dos operários com dinheiro. Eles vendem-lhe o seu trabalho a troco do dinheiro. Mas é só na aparência que isso acontece. Na realidade, o que os operários vendem ao capitalista em troca de dinheiro é a sua força de trabalho. O capitalista compra essa força de trabalho por um dia, uma semana, um mês etc. E depois de comprá-la, utiliza-a fazendo com que os operários trabalhem durante o tempo estipulado (MARX, 1982, p.34).

“Os operários trocam a sua mercadoria - força de trabalho – pela mercadoria do capitalista – o dinheiro - e essa troca é realizada, na verdade, numa determinada proporção: tanto dinheiro por tantas horas de utilização da força de trabalho.” (MARX, 1982, p.34). Ou seja, os salários são valores que são pagos a uma mercadoria; sendo assim, os valores pagos como forma de salários seguem a mesma lógica que determina as demais mercadorias.

A baixa remuneração está ligada à questão da precarização salarial, o salário está diretamente relacionado à questão da lei da oferta e da procura. Nesse sentido, os valores pagos aos trabalhado- res pela venda de sua força de trabalho são determinados por vários fatores, sendo esses colocados pelo modo de produção capitalista. De acordo com a visão do capital, tais fatores são considerados como determinantes para o cálculo dos salários recebidos pelos trabalhadores:

O salário do trabalho subirá ou caíra conforme a relação de oferta e procura, de acordo com a forma que assumir a concorrência entre compradores da força de trabalho, os capitalistas, e os vendedores da força de trabalho, os operários. As oscilações dos preços das mercadorias em geral correspondem ás oscilações do salário. Mas, dentro dessas oscilações, o preço do trabalho será determinado pelos custos de produção, pelo tempo de trabalho necessário para produção, pelo tempo de trabalho necessário para produzir esta mercadoria: a força de trabalho (MARX, 1982, p.44).

Soma-se a esta realidade o crescimento do número de subcontratação que, nas palavras de Alves (1999, p. 155), é um indicativo da subproletarização tardia, uma vez que a precariedade do emprego e do salário é o que caracteriza, de certo modo, a condição do trabalho assalariado nas pequenas unidades produtivas que circulam na órbita das corporações transnacionais.

Para Antunes (2015), a combinação associada de superexploração da força de trabalho e sua baixa remuneração, atrelados aos padrões produtivos e tecnológicos avançados, constituem-se em elementos fundamentais para as transformações no mundo do trabalho. Dessa maneira, o avanço da era tecnológica e a intensificação do ritmo e o prolongamento da jornada de trabalho fomentam a produtividade nas mais variadas formas de extração da mais-valia relativa e em tempo cada vez mais reduzido.

Nessa perspectiva, o trabalhador precarizado encontra-se, ademais, em uma fronteira incerta entre ocupação e não ocupação, e também em um não menos incerto reconhecimento jurídico diante das garantias sociais. Desse modo, todo esse quadro de precariedade do mercado de trabalho contribui para aumentar a pobreza da classe trabalhadora, num contexto em que a nova condição de trabalho encontra-se perdendo, gradativamente, direitos sociais.

4 CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, observa-se que, na entrada do século XXI, a análise da história e das perspectivas do modo de produção capitalista põe a homens e mulheres o maior dos desafios já enfrentados pela humanidade: a escolha de uma nova barbárie, representada pela continuidade do capitalismo, ou a construção de uma ordem social que “[...] em lugar da velha sociedade burguesa com suas classes e antagonismos de classes”, instaure “[...] uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.” (MARX; ENGELS, 1998, p. 31).

Com efeito, a organização social fundada no sistema capitalista já explicitou, ao cabo de sua existência, o pleno esgotamento das suas potencialidades progressistas. Assim, presencia-se na contemporaneidade do capital mundializado e financeirizado, o recrudescimento da precarização das relações e condições de trabalho em que as garantias ao trabalho são reduzidas ou mesmo eliminadas. Formas de exploração do trabalho são reatualizadas com a precariedade salarial - fomentada pelo grande capital e respaldada pelo Estado -, por meio da política de flexibilização da remuneração e a intensificação do trabalho levada a um nível insuportável na indústria e principalmente no setor de serviços, envolvendo extensas e extenuantes jornadas de trabalho em seus aspectos qualitativos (ex- tração de mais-valia relativa) e quantitativos (extração de mais-valia absoluta).

Além disso, tal processo de intensificação laboral que exige um profissional multifuncional e polivalente, aliado à pressão de produtividade por metas, tem conduzido a um índice preocupante de doenças ocupacionais e psicológicas entre os trabalhadores do setor de serviços, conforme apontado por Dal Rosso (2008). Por fim, compreende-se que há velhos e novos desafios, tornando-se urgente e mais que necessárias análises apoiadas numa perspectiva histórico-dialética para desvendar e questionar a dinâmica e as contradições contemporâneas do capitalismo.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Projeto Desenvolvimento Local e Políticas Públicas de Trabalho e Renda: As Relações de Trabalho no APL de Confecções da Glória/Vila Velha inserido no Núcleo de Estudo do Trabalho (NET) da UFES, com financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa da UFES (FAP/2015-2017) (nº de registro na PRPPG 5971/2015) sob a coordenação geral e participação de pesquisadores que são os autores do presente artigo.

2 Classe-que-vive-do-trabalho é a noção ampliada de classe trabalhadora, que incorpora tanto os trabalhadores produtivos, presentes na indústria, na agricultura e também no setor de serviços, privatizados pela lógica dominante do capital financeiro, como aqueles assalariados improdutivos, que não geram mais-valia, mas que são imprescindíveis no processo de trabalho capitalista e vivenciam situações que têm clara similitude com aquelas experimentadas pelos(as) trabalhadores(as) produtivos. Como todo trabalho produtivo tende a ser assalariado, mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção ampliada de classe trabalhadora deve articular essas duas dimensões (ANTUNES, 2013).

3 A PLR é instituída pela Medida Provisória n. 794, de 1994. Seis anos depois o sistema passa a ser regulamentado pela Lei n. 10.101, de 19/12/2000 (ANTUNES; PRAUN, 2015).

4 A mediação é entendida neste artigo de acordo com o método de Marx, correspondendo aos processos de passagem da esfera da totalidade, em suas determinações diversas, para a da particularidade. Para seu aprofundamento ver Marx (1982) e Paulo Netto (2011).

5 Para Giovanni Alves (2007), a lógica contraditória do toyotismo e suas implicações objetivas e subjetivas no tocante à qualificação da força de trabalho, dá conteúdo à formação profissional e às políticas educacionais no bojo das políticas neoliberais, que por sua vez irão disseminar entre a classe trabalhadora o discurso falacioso da qualificação como necessária para a inserção desses sujeitos no mercado de trabalho, criando a ilusão de que, capacitando-se, serão inseridos no sistema de emprego no atual estágio do capitalismo contemporâneo.

6 Entende-se que são 8 horas diárias de segunda a sexta-feira. Complementando-se as 44 horas semanais aos sábados. 7Tempo atípico do trabalho é considerado todo o trabalho que não é efetuado o tempo inteiro e de maneira permanente. Inclui o trabalho de tempo parcial, tempo de trabalho em domicílio, noturno, feriado, durante o fim-de-semana, entre outros.

7 Tempo atípico do trabalho é considerado todo o trabalho que não é efetuado o tempo inteiro e de maneira permanente. Inclui o trabalho de tempo parcial, tempo de trabalho em domicílio, noturno, feriado, durante o fim-de-semana, entre outros.

Qual a relação entre as mudanças no mercado de trabalho e a crescente precarização das relações de trabalho?

A precarização do trabalho, portanto, tem sido percebida como uma das consequências mais visíveis da flexibilização do mercado de trabalho, que preconiza a proliferação de formas de emprego de caráter flexível, das novas formas de contrato e do declínio da oferta de empregos típicos/permanentes.

Qual é a relação entre o mercado de trabalho e as condições de trabalho?

As evidências também indicam que, com uma situação desfavorável no mercado de trabalho, as maiores reduções na probabilidade de saída do desemprego se dão em relação a transições para empregos considerados de melhor qualidade, que normalmente oferecem maiores remunerações e melhores condições de trabalho.

O que significa precarização das relações de trabalho?

Refere-se ao surgimento de novas formas de trabalho a partir de um processo de mudanças estruturais no capitalismo, que procura garantir competitividade às empresas por meio da flexibilização das relações de trabalho.

Quais foram as mudanças ocorridas nas relações de trabalho?

A globalização é um dos fenômenos mais significativos da história humana e, da mesma forma que modificou nossas relações sociais mais íntimas, modificou também nossas relações de trabalho. A possibilidade de estarmos interconectados a todo momento encurtou distâncias e alongou nosso período de trabalho.