Visualizações: 1.534 Show
Se, até o início da década de 70, a população brasileira vivia majoritariamente no campo, o intenso êxodo rural ocorrido a partir de então deu às cidades cada vez mais relevância, relegando o meio rural, em alguns sentidos, à condição de coadjuvante. Como os grandes empreendimentos imobiliários, sejam eles parcelamentos do solo urbano, sejam eles incorporações, são implantados quase exclusivamente no território urbano, o direito imobiliário acaba se concentrando mais na cidade, deixando para o direito agrário a regulação das normas que impactam o imóvel rural. Isso é, como se verá nos próximos artigos que escreveremos sobre o imóvel rural, um erro, já que, com uma legislação agrária hesitante e muitas vezes engessada por conceitos já ultrapassados, perde-se um enorme potencial de aproveitamento econômico de áreas que, na prática, já não possuem qualquer vocação rural. Já exploramos, ao estudar a lei de parcelamento do solo, o conceito de imóvel urbano, assim como trouxemos, ainda que de forma muito breve, uma primeira definição do imóvel rural ao examinar a possibilidade de implantação de um condomínio de lotes em área rural. Hoje, estudaremos mais a fundo o imóvel rural, buscando entender seu conceito, suas principais características, diferenças em relação ao imóvel urbano e cadastros obrigatórios. Esse é um passo necessário para que se possa entender, depois, o que pode ser feito, à luz da legislação, no imóvel rural. Nas próximas semanas, abordaremos as possibilidades de implantação de empreendimentos em tal meio. Índice
O que é um imóvel ruralNo universo jurídico “agro”, a primeira e mais importante lei a ser estudada é o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), promulgada durante o regime militar, que regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola. Também são relevantes e poderão ser mencionadas e/ou examinadas no desenvolvimento deste artigo:
Como se percebe com facilidade da análise da tabela acima, o sistema legislativo brasileiro, no que se refere ao imóvel rural, é extremamente complexo, dificultando a compreensão de muitos institutos e a construção de um raciocínio claro. Seja como for, o conceito de imóvel rural pode ser primeiro extraído da Lei 4.504/64, mais conhecida como Estatuto da Terra. Nos termos do seu artigo 4º, inciso I, imóvel rural é “o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”. Em seguida, o Decreto nº 55.891/65, em seu artigo 5º, estende um pouco o conceito para prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização em perímetros urbanos, suburbanos ou rurais dos municípios, que se destine à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através da iniciativa privada. Já aqui se observa, claramente, a eleição do critério da destinação sobre a da localização para a definição do imóvel rural (trataremos desses critérios mais adiante). Definição semelhante é encontrada no artigo 93 do Decreto nº 59.428/66:
Por fim, a Lei 8.629/93 (artigo 4º, inciso I), que regulamenta os dispositivos constitucionais sobre a reforma agrária, também conceituou o imóvel rural, de forma quase idêntica ao Estatuto da Terra:
Como se vê, o conceito de imóvel rural pode ser desmembrado em 4 elementos constitutivos:
Conceito Agrário e Conceito civil/registralÉ relevante notar, como já adiantado quando analisamos o que significaria “área contínua”, que o conceito de imóvel rural pode ser distinto a depender do uso que se faz dele. Para os órgãos do Poder Executivo (especialmente INCRA e Receita Federal), é irrelevante o número de proprietários, a quantidade de matrículas ou mesmo a existência de obstáculos físicos entre duas ou mais áreas rurais. Se houver o exercício, em todas, de uma mesma atividade econômica, todas essas áreas constituirão, para os fins cadastrais e tributários, um único imóvel rural. A isso se dá o nome de unidade de exploração econômica e é exatamente esse fundamento que cunha o conceito agrário do imóvel rural. Veja-se que, para o INCRA e para a Receita Federal, sequer é relevante se há várias matrículas com proprietários distintos. Se, nas áreas registradas naquelas matrículas, houver uma continuidade econômica, existirá um único imóvel rural. Por outro lado, como, no sistema registral brasileiro, impera o princípio da unitariedade matricial, pelo qual a cada imóvel deverá corresponder um único registro (transcrição ou matrícula), o conceito registral de imóvel rural não pode ser semelhante ao conceito agrário. Logo, para fins registrais, o imóvel rural será aquele representado em uma única matrícula, ainda que ele possa fazer parte, junto com outros, de uma unidade de exploração econômica. O critério da destinaçãoUm dos elementos constitutivos da definição de imóvel rural, como visto no tópico anterior, é a sua destinação. Com efeito, todos os dispositivos legais examinados até o momento determinam expressamente que a destinação do imóvel a atividades agrárias, tais como de exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, constituem fator determinante para a caracterização do imóvel rural, independentemente de sua localização. É possível concluir, portanto, que um imóvel rural pode estar localizado tanto na zona rural quanto na zona urbana de um município. Porém, existem outras normas que adotam critério diverso para a caracterização do imóvel rural, o que será mais bem explorado a seguir. O critério da localizaçãoEmbora a legislação analisada até este ponto consagre o critério da destinação para definir o imóvel rural, é importante saber que o Código Tributário Nacional, ao regular o imposto sobre esse tipo de propriedade, adota outro critério. Nos termos do artigo 29 da referida norma, o imposto sobre a propriedade territorial rural “tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município”. Verifica-se, assim, um conflito entre a previsão do CTN e das demais normas ora analisadas, já que, para o Direito Tributário, um dos critérios definidores do imóvel rural é a sua localização fora da zona urbana do município. Ainda no CTN, é o critério da localização que define, por essência, o imóvel urbano, que, de acordo com o artigo 32, é aquele situado dentro da zona urbana, tal qual definida em lei municipal, e, para fins de incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), deve, também, atender a pelo menos 2 (dois) melhoramentos indicados nos incisos do §1º da referida norma, a saber:
Assim, por força da disposição legal, e exclusão, um imóvel só será considerado urbano se estiver dentro na zona urbana, de área de expansão urbana ou de urbanização específica, desde que não tenha destinação agrária. Adoção majoritária do critério da destinação pela jurisprudênciaEm razão do conflito de normas tratado nos itens anteriores, coube à doutrina e à jurisprudência a definição do critério definidor do imóvel rural: a destinação ou a localização. A discussão foi levada aos tribunais superiores por diversas vezes e de diversas formas. Em julgamento de ação que versava sobre desapropriação para fins de reforma agrária, o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da definição de imóvel rural, consignou que a sua natureza é, sim, definida pela sua destinação, e não pela localização (REsp 621.680/RJ). Em outro caso (AR 3.971/GO), também versando sobre desapropriação, o entendimento foi de que “apesar de o critério de definição da natureza do imóvel não ser a localização, mas a sua destinação econômica, os Municípios podem, observando a vocação econômica da área, criar zonas urbanas e rurais. Assim, mesmo que determinado imóvel esteja em zona municipal urbana, pode ser, dependendo da sua exploração, classificado como rural.” O tema chegou a ser objeto de tese firmada em sede de julgamento sob o rito de recursos repetitivos[1], ao qual foi submetido o REsp 1.112.646/SP:
Vale destacar, também, o conceito trazido pela Instrução Normativa nº 82 do INCRA, que dispõe sobre o cadastro de imóveis rurais no Sistema Nacional de Cadastro Rural:
Como se vê, a posição pacífica, hoje, é de que o critério da destinação será o determinante para a caracterização do imóvel rural, ou seja, é preciso que a finalidade do imóvel seja de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, independentemente de sua localização. Em outras palavras, se o imóvel for utilizado para atividades de exploração da terra, ele será considerado rural, mesmo que esteja situado em zona urbana. Principais diferenças entre imóvel rural e urbanoSe a destinação à produção agrícola, pecuária ou agroindustrial é o que define o imóvel rural, o imóvel urbano, por exclusão, é aquele destinado a atividades que não são de exploração da terra, como moradia e atividades de indústria ou comércio. Mas, como visto, além de não estar destinado à prática de atividades definidas como rurais, o imóvel, para ser considerado urbano para fins de cobrança do IPTU, ainda precisa se enquadrar nos requisitos indicados no Código Tributário Nacional. Ao contrário do imóvel rural, todavia, o imóvel não será considerado urbano pelo simples fato de se exercer, nele, uma atividade não rural, ou seja, é o critério da localização, somando à ausência de destinação rural,que define, por excelência, o imóvel urbano. Por isso, ainda que haja uma alteração do perímetro urbano, o município só poderá obrigar o proprietário do imóvel rural a transformá-lo em urbano se existente, na região, a infraestrutura mínima prevista no CTN. Até que isso ocorra, será de escolha do proprietário de imóvel rural localizado em área de expansão urbana ou de urbanização específica solicitar a sua conversão em urbano. Se o fizer, todavia, o processo é, até nova alteração, irreversível: passará a pagar IPTU, ao invés do ITR. Enquanto a propriedade urbana cumpre sua função social, segundo o § 2º do artigo 182 da Constituição Federal, quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, ou seja, quando alcança os parâmetros mínimos de ocupação/uso/construção previstos na lei local, do imóvel rural se exige algo bem mais complexo. A própria Constituição dá a diretriz:
Há, como se vê, exigências de natureza econômica (inciso I), ambiental (inciso II) e laboral (incisos III e IV). Regulamentando a Constituição, a Lei 8.629/93 destrincha melhor o requisito econômico:
Cabe ao INCRA fixar, com base nas características regionais e no tipo de atividade predominante em cara área, os índices de rendimento e lotação. Logo adiante, no artigo 9º, trata dos demais requisitos:
Os conceitos expostos nos parágrafos 2º a 5º do artigo 9º, acima transcrito, são bastante genéricos e deixam a cargo do Poder Público (quando decide desapropriar o imóvel) e do Poder Judiciário (quando o proprietário resiste à desapropriação) a avaliação do cumprimento, ou não, da função social da propriedade rural. Em regra, desde que não haja alguma comprovada irregularidade no que se refere aos aspectos econômicos (graus de aproveitamento e eficiência), ambientais, contratuais (parceria ou arrendamento) ou laborais, a propriedade rural cumprirá sua função social e não poderá ser desapropriada para fins de reforma agrária. Por comprovada irregularidade, deve-se entender alguma condenação ou autuação em processo administrativo ou judicial já transitado em julgado, uma vez que a simples acusação de uma irregularidade não pode e não deve ser capaz de causar efeitos restritivos à propriedade rural. Classificação segundo o tamanho e possibilidade de desapropriaçãoSobre a desapropriação para fins de reforma agrária, vale registrar que, também por força da Constituição Federal (artigo 185), além da propriedade produtiva, ou seja, aquela que cumpre sua função social, as pequenas e médias propriedades rurais não poderão ser desapropriadas. O que define a pequena e a média propriedade, segundo a Lei 8.629/93 (de novo ela), é o seu tamanho em módulos fiscais:
Logo, desde que o proprietário não seja titular de outra área rural, ele não poderá, em nenhuma hipótese, ser desapropriado se seu imóvel rural tiver uma dimensão de até 15 (quinze) módulos fiscais). E quando mede cada módulo fiscal? Depende do município. Os parágrafos 2º e 3º do artigo 50 do Estatuto da Terra, com a redação dada pela Lei 6.746/79, trazem as regras para definição:
Você pode consultar o tamanho do módulo fiscal de seu município junto ao INCRA ou à EMBRAPA. Obrigação de georreferenciamentoSe você tem contato frequente com registros de imóveis rurais, certamente já se deparou com alguma descrição parecida com: “começa no riacho A, segue confrontando com Manoel da Silva até encontrar uma árvore mangueira, contornando tal árvore até chegar a uma formação rochosa; depois, virando à direita confronta com os herdeiros do Coronel Joaquim, até novamente chegar ao riacho A, encerrando seu perímetro”. Parece piada, mas é a triste realidade dos registros imobiliários brasileiros, pelo menos até o advento da Lei 10.257/01. Esta lei trouxe uma série de alterações em outras leis pré-existentes para, em linhas gerais, exigir que a descrição dos imóveis rurais passasse a ser georreferenciada, ou seja, espacialmente posicionada pelo Sistema Geodésico Brasileiro. A intenção, para além de um cadastro amplo e nacional dos imóveis rurais, permitindo o direcionamento de políticas públicas (como a de desapropriação para reforma agrária) e a redução da evasão fiscal, era combater a famosa “grilagem” e aperfeiçoar o próprio direito de propriedade, garantindo-se a veracidade do registro imobiliário e evitando-se a sobreposição de áreas. A medida mais importante trazida pela Lei 10.257/01 foi a obrigatoriedade de prévio georreferenciamento para qualquer ato de desmembramento, parcelamento ou remembramentodo imóvel rural, assim como qualquer ato de transferência da propriedade. Delegou-se ao Poder Executivo, ou seja, a um Decreto presidencial, a fixação dos prazos para que a exigência passasse a ser feita. Sobreveio, então, o Decreto nº 4.449/02, que estabeleceu, originalmente, os seguintes prazos:
Tais prazos se mostraram inviáveis pela realidade dos cadastros imobiliários brasileiros, motivando, como bem observado por Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, na completa obra “Os Imóveis Rurais na Prática Notarial e Registral – Noções Elementares”, cuja leitura indicamos, a edição de (até então) outros 3 decretos de postergação. A regra válida hoje é a trazida pelo Decreto nº 9.311/2018, com os seguintes marcos:
Esses prazos, por força do § 3º do mesmo artigo 10º da Lei 10.267/01, incluído pelo Decreto nº 5.570/05, contam-se a partir do dia 20/11/2003, de sorte que, na data em que este artigo é escrito (05/2022), somente os imóveis com área abaixo de cem hectares estão livres de realizar o prévio georreferenciamento. A partir de 20/11/2023, apenas os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares serão dispensados da obrigação; a partir de 20/11/2025, todos os imóveis rurais localizados no território nacional estarão sujeitos ao georreferenciamento. Isso, é claro, se não sobrevier mais um Decreto postergatório. E como funciona o processo? É relativamente simples. O proprietário do imóvel rural deverá contratar um topógrafo ou agrimensor para elaborar memorial descritivo (…), executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA (artigo 9º da Lei nº 10.257/01). O referencial geodésico (datum) adotado desde 2005 pelo IBGE é o SIRGAS 2000. Uma vez protocolado no INCRA o memorial descrito georreferenciado, caberá ao órgão analisar se há sobreposição em relação a imóveis vizinhos e, no caso de inexistência, certificar o procedimento, permitindo, assim, que a informação passe a constar da matrícula do imóvel. Novos georreferenciamentos deverão ser feitos e certificados, naturalmente, sempre que o imóvel passar por desmembramento, parcelamento ou remembramento de áreas. Propriedade de imóvel rural pelo estrangeiroOutra importante característica associada ao imóvel rural é a restrição à sua propriedade por estrangeiros. Trata-se de política constitucional, alinhada a pactos internacionais e justificada, sobretudo, pela soberania nacional sobre o território brasileiro e pela proteção de recursos naturais estratégicos. Em seu artigo 190, a Constituição Federal relega à lei ordinária a regulação acerca da aquisição de imóveis rurais por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. Coube à Lei 5.709/71 e seu respectivo Decreto nº 74.965/74, ambos recepcionados pela Constituição, que lhes é posterior, o tratamento do tema. Já em 2018, o INCRA expediu a Instrução Normativa nº 94, ainda em vigor, para regular mais a fundo a matéria. Inicialmente, observe-se que apenas o estrangeiro residente no país ou a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil poderão adquirir imóvel rural. Logo, estrangeiros sem vínculo com o país, que residam no exterior, não podem ser proprietários de imóveis rurais localizados no Brasil, a não ser por direito de herança. Os estrangeiros habilitados, ou seja, (i) a pessoa natural estrangeira residente no País, a (ii) pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e (iii) a pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira, deverão preencher todos os requisitos constantes na já citada Instrução Normativa nº 94/2018. Dentre eles, destacamos como mais relevantes: 1) O imóvel deverá ter registro próprio em Cartório e cadastro no SNCR; 2) A pessoa física deverá ser inscrita no Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), na condição de permanente, com prazo de validade vigente ou indeterminado; 3) A pessoa jurídica deverá submeter à prévia aprovação do Ministério da Agricultura projeto de exploração agrícola, pecuário, florestal, turístico, industrial ou de colonização, vinculado aos seus objetivos sociais – isso evita ou pelo menos diminui a especulação imobiliária; 4) Se o imóvel estiver localizado em faixa de fronteira ou área considerada indispensável à segurança nacional, deverá ser apresentada anuência prévia da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional; e 5) A escritura pública será obrigatória, ainda que para imóveis com valor inferior a 30 (trinta) salários-mínimos. A pessoa física estrangeira poderá adquirir livremente, ou seja, sem prévia autorização do INCRA, imóveis rurais de até 3 (três) Módulos de Exploração Indefinida (MEI), mas a autorização será necessária caso a aquisição envolva mais de um imóvel rural, ainda que não seja superado o teto. O Módulo de Exploração Indefinida, por sua vez, é definido pelo INCRA, por município, e pode ser consultado aqui. Finalmente, em regra, nenhum estrangeiro poderá ser proprietário de imóveis rurais cuja área supere 50 (cinquenta) MEI´s, em área contínua ou descontínua, senão com autorização do Congresso Nacional. Os cadastros obrigatórios do imóvel ruralComo se já não fossem suficientes as obrigações relacionadas ao cumprimento da função social da propriedade do imóvel rural, ainda há uma infinidade de cadastros que devem ser realizados e mantidos atualizados pelo proprietário. Não pretendemos esgotar, aqui, as características de cada um desses cadastros, mas apenas trazer as informações básicas para ajudar o leitor a se manter “em dia” com suas obrigações. Vamos, então, a cada um deles. CCIR/SNCRO primeiro e mais elementar cadastro de qualquer imóvel rural é o feito no âmbito do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), criado pela já mencionada Lei nº 5.868/1972, regulamentada pelo Decreto nº 72.106/1973. Embora a obrigação de cadastro de imóveis rurais tenha sido prevista no artigo 46 do Estatuto da Terra, o SNCR só foi estruturado, efetivamente, com a publicação da referida Lei nº 5.868/1972. O SNCR compreende, além do cadastro dos imóveis rurais em si, (i) o cadastro de proprietários e detentores de imóveis rurais, (ii) o cadastro de arrendatários e parceiros rurais, (iii) o cadastro de terras públicas e (iv) o cadastro nacional de florestas públicas. Parece claro que a intenção do sistema é retratar com grande detalhamento a realidade rural do território brasileiro, monitorando não apenas os imóveis em si, mas todos aqueles que guardam alguma relação com eles, seja essa relação de propriedade ou posse, contratual ou real. Já em seu artigo 2º, a Lei nº 5.868/1972 obriga todos os titulares de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis rurais que sejam ou possam ser destinados à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial a prestar a declaração de cadastro, chamada de Declaração de Cadastro Rural (DCR). O não cumprimento da obrigação de cadastro, segundo o § 1º do mesmo artigo 2º, sujeita o proprietário ou possuidor ao lançamento de ofício de todos os tributos e contribuições devidas pela alíquota máxima, além de multa e demais cominações legais. Também se insere na gama de obrigações do proprietário rural a atualização do cadastro, sempre que houver qualquer alteração no imóvel rural ou em sua titularidade, ou, ainda que não haja modificação, a cada 5 anos (artigo 6º do Decreto nº 72.106/1973). Pela sua clareza na definição dos objetivos cadastrais, vale a transcrição do artigo 2º do Decreto nº 72.106/1973:
O SNCR é mantido pelo INCRA e, uma vez concluído o cadastro do imóvel rural, o documento emitido é o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), cuja apresentação, acompanhada da prova de quitação do ITR correspondente aos últimos 5 anos, é obrigatória para desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda imóveis rurais, além de ser condição à homologação de partilha por sucessão causa mortis (artigo 22, §§ 1º a 3º, Lei nº 4.947/1966). CAFIR/RFBO segundo cadastro obrigatório, embora relacionado ao primeiro, com ele não se confunde. Trata-se do CAFIR (Cadastro de Imóveis Rurais), mantido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil para fins de fiscalização, lançamento e cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Sobre o tributo, é importante observar que ele tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano(artigo 1º da Lei nº 9.393/1996). Logo, tanto o proprietário quanto o possuidor são contribuintes do imposto e, igualmente, responsáveis pelo CAFIR e sua atualização. Mesmo nas hipóteses de isenção ou imunidade do ITR, o CAFIR continuará sendo obrigatório, a teor do artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 2008/2021, que regula, atualmente, o cadastro. A inscrição no CAFIR gera o conhecido NIRF (Número do Imóvel na Receita Federal) – substituído pelo CIB (Cadastro Imobiliário Brasileiro) a partir de 2021 – e deve ser feita, assim como eventual atualização, por meio do Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR (DIAC) no prazo de até 60 (sessenta) dias contados da ocorrência de qualquer dos seguintes fatos (artigo 6º da Lei nº 9.393/1996):
O descumprimento do referido prazo sujeita o contribuinte ao pagamento de multa de 1% (um por cento) ao mês ou fração sobre o imposto devido, sem prejuízo da multa e juros de mora devidos sobre o ITR em atraso. Uma vez inscrito o imóvel no CAFIR, o contribuinte deverá prestar anualmente o Documento de Informação e Apuração do ITR (DITR, também chamado de DIAT pela Lei nº 9.393/1996), declarando, na ocasião, o valor da terra nua do imóvel para fins de lançamento do imposto. Maiores informações sobre o CAFIR podem ser obtidas no site da Receita Federal. ConclusãoO imóvel rural conta com características bastante peculiares e demanda de seu proprietário um cuidado consideravelmente superior quando comparado ao bem urbano. Seja no que se refere à sua função social, intimamente relacionada a graus de utilização e eficiência, além de ser moldada por aspectos ambientais e laborais, seja pelos infindáveis cadastros obrigatórios, manter um imóvel rural não é tarefa simples. Já é hora de olharmos com mais atenção para o imóvel rural para redescobri-lo e reinventá-lo. Não se pode negar a ele uma função precípua e extremamente relevante no abastecimento das cidades, na produção de commodities, seja para consumo interno, seja para exportação, e, principalmente, na conservação do meio ambiente, mas, por outro lado, tampouco se pode ignorar a realidade do Brasil, país de dimensões continentais que possui um elevado número de imóveis rurais que já não apresentam nenhuma vocação agrária, seja por sua localização muito próximo à sede urbana, seja por características regionais de desenvolvimento. Parece-nos fazer mais sentido, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico (notadamente no que se refere à mecanização e automação da produção rural) e social (com a população predominantemente concentrada na cidade), rever alguns conceitos tradicionais para se permitir, ainda que de forma restrita e controlada, a migração de algumas atividades consideradas urbanas (como moradia e lazer) para o meio rural. Se você gostou deste artigo, deixe seu comentário logo abaixo e inscreva-se para receber em primeira mão as próximas publicações do escritório. Você também poderá nos avaliar no Google. *Imagem de Getty Images, no Canva Pro. [1] Resumidamente, quando um recurso é julgado sob o rito de “recurso repetitivo”, a decisão nele proferida será válida para todos os outros processos em curso no país que tratem do mesmo tema, contando, portanto, com um efeito vinculante. Se algum tribunal estadual ou regional, em decisão futura, julgar o mesmo tema de forma distinta à orientação do tribunal superior (que pode ser o STJ, em matéria infraconstitucional, ou o STF, em matéria constitucional), tal julgamento será, inevitavelmente, reformado. Qual o critério de distinção entre imóvel urbano e rural?Na verdade, a diferença se dá pela destinação do local. Os imóveis urbanos são considerados benfeitorias, ou seja, construções destinadas para alguma função social, como moradia por exemplo. Já os imóveis rurais são tidos como construções para utilização das terras.
O que é um terreno urbano?Os terrenos urbanos são DENTRO do perímetro urbano, ou seja, está compreendido no perímetro de construção estipulado pelo PDM (Plano Director Municipal). Estes terrenos são os mais indicados á construção. No entanto, existem terrenos rústicos com partes urbanas e existem terrenos urbanos sem casas.
O que é o imóvel urbano?Imóvel urbano é aquele situado em zona urbana, de acordo com norma municipal.
O que é urbano e rural?uma consulta ao Aurélio informa que rural (do latim ruralis) é um adjetivo do que pertence ou é relativo ao campo; e o urbano (do latim urbanus) é um adjetivo do que é relativo à cidade, ou o que tem caráter de cidade.
|