Como é um relacionamento aberto como funciona?

(ilustração por Beatriz Leite | contato: )

Há algum tempo, mais ou menos desde que publiquei aqui no Medium o texto Relacionamento aberto for dummies: dez dicas do que é e do que não é, recebo algumas mensagens me pedindo conselhos, dicas infalíveis e me perguntando quais devem ser as regras para que uma relação assim funcione. (Para quem se interessa pelo assunto, já publiquei aqui também o texto (Poli)Amor, monogamia e outros: desaprendendo as relações amorosas, sobre de que maneira as relações livres diferem das monogâmicas tradicionais e o texto Feminismo, relações livres e relações monogâmicas: algumas problematizações, sobre de que maneira as relações livres podem ser libertadoras e empoderadoras para mulheres.) É claro que não existe uma fórmula ou um pacote pronto para cada um se encaixar, mas, conversando com outras pessoas que mantêm um relacionamento aberto ou relações poliamorosas, tenho observado que algumas regras (e variações delas) são bastante comuns.

Pois é, gente, até onde eu sei, todo relacionamento aberto, seja do tipo que for, tem regras. Vocês aí que acham que poliamor é bagunça, saibam que: requer sérias habilidades de organização, disciplina e planejamento. É um estereótipo comum. Muita gente acredita que ter uma relação livre é uma forma de ter um relacionamento sem abrir mão da vida de solteiro, o que significaria também que esse relacionamento não é lá muito sério. Acho que pessoas que pensam que é assim que funciona são aquelas que não conseguiriam manter esse tipo de relação. Relacionamento aberto dá trabalho e tem muita, muita, muita DR. Costumo dizer que o relacionamento em si é uma DR constante, com breves pausas entre um encontro e outro do casal. A relação está sempre sendo tematizada. Não é bagunça, não é terra de ninguém, não é oba-oba.

Aí você pode me perguntar: mas não é chato ter que viver seguindo um monte de regras? Não era pra ser uma relação livre?

Respeito à individualidade não significa perder o respeito ao próximo.

Vamos dosar e não confundir as coisas? (Recomendo um boa lida no texto Responsabilidade emocional, da Gio Sacche.)

Outro dia me disseram que, com regras demais, fica parecendo as restrições quanto ao fumo: poder fumar cigarro, até pode, mas tem tanto não-pode hoje em dia, que fumar chega a perder a graça e você perde a vontade de fazer. Em outras palavras, seguindo a analogia, se tiver regra demais no seu relacionamento, você ou a pessoa podem acabar se sentindo controlados/as e a coisa perder o propósito. Enfim, o segredo está em um equilíbrio entre o que deixa todo mundo à vontade e o que ainda não é uma zona de conforto, mas está todo mundo disposto a desconstruir.

(ilustração por Beatriz Leite | contato: )

Vamos organizar as regrinhas mais comuns que encontrei, então? Vamos lá.

1. Contar ou não contar

Essa me parece ser a questão mais recorrente entre quem decide tentar um relacionamento aberto: quero ou não saber quando meu/minha namorado/a sair com outra pessoa? Alguns casais optam por contar tudo sempre e, dentro dessa regra, também decidem se preferem saber antes ou depois. Algumas pessoas preferem saber depois, porque sabendo antes, ficam tensas e aflitas pensando no que está acontecendo do tipo “enquanto eu como pizza vendo Netflix, ele/a está transando com outra pessoa”. Outras preferem saber antes, assim podem se planejar para fazer outra coisa no dia e não ficar nessa possível aflição. E, aí, há aqueles que preferem não saber de nada nunca; preferem fingir que nada está acontecendo, porque, sabendo do que acontece, começam a imaginar coisas e a surtar.

Quando comecei meu relacionamento aberto, era uma experiência nova para nós dois, e nós não sabíamos se gostaríamos de saber ou não. Combinamos, então, de testarmos e vermos como nos sentiríamos. Acredito que o grande lance das relações livres é manter a individualidade em uma relação e, considerando que a sexualidade faz parte dessa individualidade, acho que perde o sentido se a outra pessoa for obrigada a contar tudo, pois parece que está pedindo permissão. Não gosto desse princípio de obrigação. Ao mesmo tempo, não poder contar nada me faz pensar que, um dia, eu perguntaria “o que você fez ontem?” e ele teria que mentir, já que não contar faz partes das regras. Além do mais, somos muito íntimos e conversamos sobre tudo. Seria muito estranho não ter abertura para conversar sobre isso também. Ou seja, pra mim, não poder contar também perde o sentido, já que a relação livre deve ser baseada principalmente em honestidade — consigo mesmo/a e com a outra pessoa. Concluímos, no fim das contas, que podemos conversar sobre isso, se quisermos — não é nada escondido — , mas que nunca haveria uma obrigação de contar. Desse modo, na prática, às vezes sabemos e às vezes não sabemos. Depende de termos ou não perguntado, ou de termos ou não tido vontade de contar.

Se saber que seu/sua namorada/o sai com outras pessoas te deixa muito surtada/o, é importante se questionar se você está mesmo a fim de manter um relacionamento aberto. Esse ciúme pode ser algo que você queira trabalhar e desconstruir e, por isso, quer continuar tentando, ou ser algo que você sabe que não vai ultrapassar. Nesse caso, não há nada de errado em não querer passar por isso.

2. Dormir junto

Tenho uma amiga que diz que dormir junto é muito mais íntimo do que transar. Por esse motivo, no relacionamento dela, que não tem exclusividade sexual, mas tem “exclusividade emocional”, não é permitido dormir com a outra pessoa. Outra amiga me diz que não faz sentido, pra ela, transar com uma pessoa e não passar a noite. Isso nunca nem foi uma questão em seu relacionamento.

Conforme todas as outras regras, isso deve ser discutido com seu/sua namorada/o. Concordo que algumas coisas devem ser só do casal, mas é preciso ter claro para si mesmo/a quais coisas são importantes pra você nesse sentido. É legal também pensar em algumas flexibilidades e se você estaria de acordo com elas. Por exemplo, para mim, seria maluquice sair sozinha de madrugada da casa de quem quer que fosse, assim como acharia estranho fazer com que meu namorado expulsasse da casa dele uma menina sozinha de madrugada. Há de se considerar se isso de dormir junto é importante o suficiente pra que não seja permitido nunca — isto é, se esse for o único jeito de sair com alguém, não vai poder sair — , se é algo que pode ser adaptado de maneira pragmática — isto é, pode dormir, se for uma situação complicada de não dormir — ou se é algo que não faz diferença.

3. Exclusividade emocional

Esse é um tema complicado, porque pode se confundir com a ideia de que podemos controlar nossos sentimentos. No meu relacionamento, não temos exclusividade sexual, mas faz parte de nossas regras não ter outros relacionamentos, ou seja, quando saímos com outras pessoas, é algo casual. É isso que chamamos de “exclusividade emocional”. Não quer dizer que você não possa gostar da pessoa — aliás, acho difícil sair várias vezes, ainda que casualmente, com alguém e não desenvolver uma amizade, um carinho e, na real, se você faz sexo regularmente com uma pessoa sem ter uma relação de amizade, afeto e carinho com ela, fuja, né. O que não pode é manter dois relacionamentos. É claro que não dá pra controlar se vamos ou não nos apaixonar por outra pessoa, mas não está nas intenções e, caso isso venha a acontecer, é algo a ser conversado.

4. Frequência

Conheço um casal que tem uma regra de frequência. Isso nunca tinha passado pela minha cabeça, pois não é mesmo uma preocupação pra mim (digo, não estou nem aí se meu namorado sai com cinco ou nenhuma por semana). Não sei exatamente qual é a frequência permitida entre esse casal, mas, de maneira geral, existe um limite de quantas vezes cada um pode sair com outras pessoas (a mesma ou não). Por exemplo, só uma vez por mês. Minha amiga desse casal diz que é muito competitiva e que, se seu marido saísse com muitas mulheres, ela iria querer sair com várias pessoas também e ultrapassá-lo de alguma forma. Sendo assim, a abertura do relacionamento dos dois existe, mas é controlada nesse sentido.

5. Ex

Uma amiga minha saía com uma menina que tinha um relacionamento aberto com o namorado. A menina contou a ela que uma das regras deles era não sair com ex. Também não tinha pensado nessa antes (e nem acho que ela seja relevante na minha vida), mas achei interessante. Em teoria, ex-namoradas/os são pessoas com quem se teve envolvimento emocional; há uma história. Talvez, sair com ex possa despertar algo não-finalizado que acabe prejudicando a relação que se tem. De maneira geral, acho que depende muito de quem é o/a ex, de como terminou etc. E considero muito importante também confiar em seu/sua companheiro/a para fazer esse julgamento. Sem confiança, não dá pra ter relacionamento aberto, então, partindo desse pressuposto de confiança, acho legal deixar a pessoa avaliar se aquele/a ex específico/a deve ser evitado/a ou não. Mas, é claro, se algum(a) ex específico te incomoda, não vejo problema em pedir para que seu/sua namorado/a não saia com ele/a.

6. Regularidade

Ouvi falar de um casal, amigo de outro casal que conheço, que tem uma regra de regularidade: não pode sair mais de uma vez com a mesma pessoa. Os encontros que eles têm são fortuitos, daqueles que surgem em baladas ou a partir de aplicativos e nunca mais. O objetivo, me parece ser evitar um envolvimento emocional, a fim de manter a tal da exclusividade emocional. Talvez funcione, mas eu, pessoalmente, acho muito restritivo.

7. Com amigos/as

Essa foi a primeira regra que propus quando decidimos começar um relacionamento aberto: ninguém que eu conheça, ninguém do nosso local de trabalho. Amigas, então, seria outro nível de impedimento. Tem gente que não se importa, acha até legal apresentar amigos/as pro/a namorado/a. Para mim, é algo que não funciona. Conheço um casal que, quando decidiu abrir a relação, acordou como regra que não poderiam sair com nenhuma pessoa que já fizesse parte do círculo de amizade dos dois. E foi assim que ambos foram parar no Tinder.

8. Quando se está brigado

Essa regra, criei para mim mesma: se eu estiver chateada, brigada ou insatisfeita de alguma maneira com meu namorado, não saio com ninguém. Acho muito importante que o relacionamento seja algo separado das relações com outras pessoas e tenho a impressão de que, quando estamos passando por alguma crise em nosso relacionamento, ficamos mais propensos a misturar e confundir as coisas. Não acho saudável. Poucas pessoas comentaram essa regra comigo, mas, quando contei que é uma regra que sigo, todos concordaram com a importância dela. Uma amiga inclusive me deu uma extensão dessa regra: não falar sobre os problemas do seu relacionamento com as pessoas com quem você sai. Acho as duas posturas bem éticas e emocionalmente responsáveis.

9. Na presença da outra pessoa

Uma vez vi uma conhecida ficar com outra menina na mesma festa em que o namorado dela estava e fiquei em choque. Depois descobri que, embora isso seja algo que não funciona pra mim, às vezes é exatamente a regra do casal: só na presença do outro. Um casal de amigos tem a regra de, se chegaram juntos, têm que ir embora juntos, mas não precisam passar a festa juntos, podem ficar com outras pessoas lá. E há também os casais que fazem as coisas a três. Como todo o resto, vai muito do que te incomoda ou não. Para mim, na presença um do outro, de jeito nenhum.

10. Comportamento em público

O mesmo casal que comentei no item anterior tem uma regra de comportamento em público. Em festas, conforme comentei, se os dois estão presentes, está liberado. Quando é um encontro, do tipo sair de casa para ir encontrar uma pessoa específica e ficar com ela etc., eles combinaram de serem discretos, isto é, pode beijar, mas não pode ficar com muita pegação. Essa me parece uma regra muito útil para evitar mal entendidos envolvendo outras pessoas (aqueles conhecidos ou amigos não tão próximos que não sabem que seu relacionamento é aberto e vão passar no bar em que seu/sua namorado/a está com outra pessoa e vão ficar totalmente desconsertados por estarem testemunhando essa suposta traição). Evita dores de cabeça e explicações que nem sempre estamos a fim de dar.

11. Nudes

Alguns casais restringem a troca de nudes. Não pode trocar nudes; pode enviar, mas não pode receber; pode receber, mas não pode enviar. Não sei explicar por que — e nem precisamos saber o porquê de tudo — mas essa de receber mas não enviar é uma que me agrada.

12. E a família?

Talvez essa seja a mais complicada. Às vezes recebo mensagens de pessoas que têm um relacionamento aberto ou mantêm mais de um relacionamento sério e me perguntam como contar para a família. Tenho uma opinião polêmica sobre isso: não conte. A não ser que sua família vá aceitar de boas, não conte. Conheço casais que não falam disso nem com amigos/as, família muito menos. Outras pessoas já me disseram que se sentiriam escondidas e “não-assumidas” pelo/a companheiro/a se ele/a não contasse para a família. Mas acho que isso diz mais respeito à sua relação com a sua família do que à sua relação amorosa. Muitas famílias não entendem, vão te julgar, te perturbar, fazer comentários maldosos, te xingar, tentar atrapalhar sua vida… Tem tudo pra dar dor de cabeça em algo que até então era leve e agradável. Por esse motivo, acho que é o caso de ser pragmática/o e tomar a decisão mais produtiva. Se a família vai ficar ok, conte, compartilhe, seja feliz — tenho um amigo que tem um marido e um namorado e a mãe acha tudo muito diverto — ; mas se a família não vai apoiar, que não atrapalhe, então, não conte.

No fim das contas, entendo que o mais importante em qualquer relacionamento é termos autoconhecimento o suficiente para sabermos o que nos agrada ou não, o que é e não é importante para nós e, a partir disso, combinar os termos da relação com quem estivermos nos relacionando. Isso serve para qualquer tipo de relação, mas funciona especialmente nessa de tentar criar regras para um relacionamento aberto. Do mais, nunca é demais lembrar que você jamais deve se sentir forçado/a a estar em uma relação assim. A monogamia compulsória é um sistema que criou a todos nós, portanto, é difícil mesmo se desvencilhar dela. Ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a querer se desvencilhar dela. Cada um sabe o que é melhor pra si e com o que tem ou não tem condições de lidar.

E você, também tem um relacionamento aberto? Quais são suas regras? E quem não tem um relacionamento aberto, mas gostaria de tentar, quais regras seriam mais importantes pra você? Comenta aqui comigo!

(ilustração por Beatriz Leite | contato: )

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O que é estar em um relacionamento aberto?

Em um relacionamento aberto, não há sentido de exclusividade, e as duas pessoas concordam que podem se relacionar com outras pessoas sem isso ser considerado como uma traição ou infidelidade.

Quais são os tipos de relacionamento aberto?

Tipos de relacionamentos abertos Estes incluem: Relações com múltiplos parceiros, quando um relacionamento sexual não ocorre entre todas as partes envolvidas. Relacionamentos híbridos, quando um parceiro não é monogâmico e o outro é. Swinging.

Por que relacionamento aberto não dá certo?

a falta de comprometimento: a relação aberta, em muitos casos, pressupōe falta de compromisso (nem sempre). Mas quando isso ocorre, é normal que os envolvidos sintam-se um pouco incomodados; falta de intimidade: em um relacionamento aberto, nem sempre se pode contar com a outra pessoa nas horas difíceis.

Como iniciar uma conversa sobre relacionamento aberto?

“É preciso entender todos os acordos e possibilidades que vem junto com um relacionamento aberto antes de levantar a conversa”, pontua a psicóloga. Para ela, uma forma de dar início ao assunto é ir aos poucos – citando uma reportagem, perguntando a opinião da outra pessoa e citando alguns casos já conhecidos.