Qual o perigo de uma história única sobre um certo povo ou cultura?

O que sabemos sobre outras pessoas? Como criamos a imagem que temos de cada povo? Nosso conhecimento é construído pelas histórias que escutamos, e quanto maior for o número de narrativas diversas, mais completa será nossa compreensão sobre determinado assunto.

É propondo essa ideia, de diversificarmos as fontes do conhecimento e sermos cautelosos ao ouvir somente uma versão da história, que Chimamanda Ngozi Adichie constrói a palestra que foi adaptada para livro. O perigo de uma história única é uma versão da primeira fala feita por Chimamanda no programa TED Talk, em 2009. Dez anos depois, o vídeo é um dos mais acessados da plataforma, com cerca de 18 milhões de visualizações.

Responsável por encantar o mundo com suas narrativas ficcionais, Chimamanda também se mostra uma excelente pensadora do mundo contemporâneo, construindo pontes para um entendimento mais profundo entre culturas.

Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana, traz esse tema em seu Ted Talks (ciclo de palestras que ocorre ao redor do mundo). Ela nos alerta para a única versão de uma história. Sobre tudo o que tu conhece a respeito de determinada situação, apenas por uma fonte de informação.

Por essa lógica, o que você sabe sobre o período colonial no Brasil?

O que você sabe sobre a escravização no Brasil que durou mais de 300 anos?

“Como criar uma história única: mostre para as pessoas uma coisa, como única, repetidas vezes e é isso que eles se tornarão” (tradução minha), diz Chimamanda em seu discurso para o Ted Talks, ela segue “é impossível falar sobre história única sem falar sobre poder”. Ela nos alerta que esse poder da história única, em que se repete diversas vezes a mesma versão, acaba se tornando a única versão daquela pessoa. Contar uma história por um viés que não seja, a versão do “conquistador” (ela menciona os colonizadores) muda toda a forma de percepção sobre aquela população, sobre aquele povo, sobre aquele lugar. A palestra dela se refere ao continente africano e a “história única” que é contada sobre aquele continente. Aqui eu me refiro ao Brasil, e as versões que não são contadas.

Eu resumo, a construção do país se deu da seguinte forma: o Brasil foi construído na base do trabalho escravizados negros e indígenas. O país se construiu na base de sangue negro, indígena, assim como o estupro de mulheres negras e indígenas. Isso não significa que não houve resistência, que não houve luta. Ocorreu sim, diversas estratégias para se manter vivo. Pois o que queriam, é que não houvessem negros no país. Que fossem exterminados, de uma forma ou de outra. Se você reparar no número de mortes de jovens no país, vai ver que eles têm cor, em sua maioria são jovens negros.

Se você olhar para as prisões, para o sistema carcerário, são os negros e negras que compõe a sua maior população

Se você olhar para as mulheres vítimas de feminicídio, elas também têm cor.

Na sua palestra, Chimamanda nos alerta sobre esse perigo de saber (ou em alguns casos não saber, porque há interesses para que a história não seja conhecida) sobre acontecimento apenas de uma única fonte.

Um exemplo: homens cisgêneros falando sobre a gravidez ou sobre menstruação.

Acredito que os corpos que menstruam e/ou e gravidam, podem falar com propriedade sobre a questão. Porque estão falando a respeito do seu corpo, daquilo que passam. Isso não quer dizer que homens não possam falar a respeito desses assuntos (há diversos médicos ginecologistas que falam sobre isso). O ponto não é esse. Podem, mas tendo a noção de que não são os seus corpos que estão em pauta e que tenham informação a respeito da questão, não apenas falar o que “acha” ou deixa de “achar” a respeito do corpo alheio.

Há perigo em conhecer algo apenas por uma fonte única. Porque há situações que podem ser ocultadas, que não seja dada devida atenção, necessitando outros ângulos de observação.

Há diversas pessoas que tratam da questão negra: mulheres e homens negros que alertam sobre diversos aspectos que vão além do tema raça, inclusive. Da filosofia à medicina.

Mas em 2020 ainda é necessário falar sobre racismo, pois é algo que não deixou de existir e isso interfere na vida de muita gente.

De onde você sabe as informações sobre a sua história?

Você sabe sobre a sua história?

Como diria Emicida, na sua música Ismália: “Primeiro, sequestra eles, rouba eles, mente sobre eles

Nega o Deus deles, ofende, separa eles

Se algum sonho ousa correr, cê para ele

E manda eles debater com a bala de vara eles”

A história dos negros no país ainda tenta ser mascarada. Uma história que se tenta não contar. Mas há mais dos nossos, pesquisando sobre o nosso passado, as nossas histórias de vitórias, nossa união, nossa bela cultura, nossos idiomas, nosso conhecimento, nossa ciência.

O que foi apagado e negado o acesso durante tanto tempo, hoje se faz presente. A “história única” se desfaz de suas amarras. A nossa luta está se fazendo reconhecida. A história dos ditos “derrotados” está sendo contada.

Temos muitas coisas a serem ditas. Já passamos muito tempo no silêncio. Nossas vozes ecoaram pelo universo, cada vez mais. Há diversas tentativas de nos manter calados, mas não nos calaremos mais.

Tudo aquilo que o silêncio guardou, virá à tona, ganhará força, forma, cor, texto, voz.

Não irão nos calar outra vez, não mais.

Chimamanda conclui a sua palestra com o seguinte alerta: “As consequências de uma história única são: elas roubam a dignidade das pessoas, faz o reconhecimento da nossa humanidade compartilhada difícil, enfatiza que somos diferentes ao invés de mostrar como somos similares.”

Esse é o perigo da história única, nós somos seres plurais.

Pesquise no Youtube, “Os perigos de uma história única” há opção de legenda em português e em outros idiomas também, o discurso original é em inglês. Assista completo essa palestra inspiradora da Chimamanda Ngozi Adichie, assim como os seus livros, as suas belas histórias.

Recomendo também a leitura de outros livros: A experiência Africana, de Vicent B. Khapoya e da coleção da Unesco, História Geral da África.

Procure ir além daquela única versão que lhe foi contada, o continente africano é muito além de fome e miséria que é contado e reproduzido em filmes, séries. Rompa a barreira da história única sobre a África, sobre o Brasil. Saiba a respeito da história do nosso país, sobre como ele foi construído, como foi se constituindo. Há muita coisa que não é contada, principalmente sobre o período de escravização de negros e indígenas e o sangue que foi derramado para muitos brancos terem o que tem hoje. Enquanto muitos negros lidam diariamente com o racismo, velado, descarado, explícito que é o Brasil. Um país que não viveu e não vive uma “democracia racial”, como muitos insistiam em dizer.

História, Filosofia, Sociologia, Geografia são disciplinas essenciais para o desenvolvimento do pensamento crítico que se tenta há tempos dissolver junto com a educação como um todo. Defender o ensino, valorizar os professores que não recebem seus salários, que tem seus pagamentos parcelados, que acabam não tendo nem o que comer é de uma crueldade sem tamanho. Destruir a educação não é “ao acaso”, é um projeto.

Devemos estar mais atentos para as versões que nos são contadas, se aquilo que a gente acha ou pensa que é, realmente é da forma que pensamos.

Que rompamos o silêncio e as versões únicas repetidas sobre as populações negras pelo mundo e por aqui no Brasil.

Que estejamos ao lado da educação, ao lado dos educadores, que tenhamos mais de uma versão sobre as coisas. Não sejamos uma história única.

Em busca do Afeto retorna daqui a 15 dias (se tudo der certo rs), com novas reflexões, novos tensionamentos e questionamentos. Me acompanhe nas redes sociais: Instagram @embuscadoafeto; Facebook: Em busca do Afeto e no Medium: @ps.jadson

Foto: Margareta Bloom Sandebäck, do Facebook oficial da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie

Quais os perigos de se contar uma história única sobre determinada cultura?

A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes.

Quais as consequências de uma história única?

A consequência da história única é a seguinte: rouba-se a dignidade das pessoas. Dificulta o reconhecimento da nossa humanidade compartilhada. Enfatiza o quão diferentes somos em detrimento de quão iguais somos.

O que significa o perigo da história única?

Pegar toda a complexidade de uma pessoa e de seu contexto e reduzi-los a um só aspecto é o que Chimamanda chama de o perigo da história única. Como uma estudante nigeriana em uma universidade nos Estados Unidos, ela vivenciou com frequência isso.

Qual o perigo de uma história única na psicologia?

A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história.