Qual foi o principal objetivo do período de reconstrução após a guerra civil?

� � � � � � � � �Em janeiro de 1883, quando a Declara��o de Emancipa��o da escravid�o norte-americana completou 20 anos, um grupo de eminentes l�deres negros reuniu-se para um banquete na cidade de Washington. �O prop�sito do encontro era celebrar a data e honrar um de seus mais ilustres defensores, o ex-escravo Frederick Douglass. Douglass, nascido escravo em 1818, no estado de Maryland, fugiu para viver em liberdade no Norte, onde tornou-se abolicionista, escritor, editor e um dos mais aclamados l�deres da comunidade negra dos estados livres. Durante o banquete, brindes foram erguidos � �imprensa negra�, ao �autor negro�, aos �congressistas negros� e ao �Partido Republicano�. Douglass, ao que consta, encerrou a rodada brindando o �esp�rito dos jovens�, pelos quais estava cercado naquela ocasi�o festiva. Como ressaltou o historiador norte-americano David Blight, o �velho� abolicionista negro capturara a ess�ncia da ocasi�o: a maioria dos presentes era muito jovem na �poca da Guerra Civil; tratava-se ali, portanto, da necessidade de transmitir o legado e a mem�ria da emancipa��o para uma nova gera��o de l�deres negros. Para F. Douglass, a emancipa��o era uma refer�ncia central n�o apenas da vida dos negros, mas tamb�m da vida nacional norte-americana. As palavras do not�vel abolicionista soavam, possivelmente, como um apelo irresist�vel � hist�ria e � mem�ria: �O dia que n�s celebramos�, disse ele, �� um desses dias que valem por mil anos�.

��������������� A Guerra Civil americana terminou em 1865 com o saldo de� mais de 500.000 baixas, indicando o alto pre�o pago pela manuten��o do Norte e do Sul unidos em uma mesma na��o. Al�m da destrui��o de tantas vidas, o Sul ficou financeiramente falido e precisava lidar com a quest�o constitucional da reintegra��o � Uni�o, ap�s a derrota no conflito.� Afinal, qual seria o estatuto legal de estados que haviam se separado da Uni�o e eram obrigados a retornar? E mais: quais eram os anseios de cerca de 4 milh�es de negros libertos ao fim da guerra? Este �ltimo enfrentamento, presente tamb�m em outras �reas das Am�ricas, expressava um dos muitos desafios que as autoridades federais e estaduais tinham diante de si no momento de �Reconstru��o� da na��o.�� ���������

��������������� O partido pol�tico de maior express�o nacional naquele momento era o Partido Republicano, que apresentava divis�es internas quando se tratava da discuss�o sobre a� Reconstru��o nacional. Os conservadores defendiam uma a��o federal conciliat�ria e limitada nos estados sulistas, garantindo os direitos pol�ticos das unidades que estabelecessem um governo comprometido com os princ�pios da Uni�o. Aos libertos, na �tica dos conservadores, n�o se devia garantir muito mais que a pr�pria liberdade. Ap�s o assassinato do presidente Abraham Lincoln, em 1865, o governo dos Estados Unidos coube ao democrata sulista Andrew Johnson, um dos defensores desse projeto de Reconstru��o que revelava fr�gil compromisso com os direitos civis dos negros.

Exemplo desta tend�ncia pol�tica pode ser verificado numa s�rie de leis aprovadas pelas legislaturas sulistas a partir de 1865, no �mbito do programa de Reconstru��o de Andrew Johnson. Tais leis, que variavam de um estado a outro, ficaram conhecidas como�Black Codes�(C�digos Negros) e destinavam-se a regular a popula��o negra nas regi�es do Sul. Em geral, reconheciam o acesso dos negros aos tribunais e lhes garantiam direitos de possuir propriedades. Por outro lado, davam sinais claros de permanecerem ligados aos antigos c�digos negros do tempo da escravid�o ao estipularem multas e penas de pris�o para negros que fossem considerados vadios, que se reunissem de modo �il�cito�, ou que portassem armas e muni��o, entre outras proibi��es.

��������������� Os chamados republicanos radicais, por sua vez, entendiam que a readmiss�o dos estados sulistas � na��o exigia uma estreita vigil�ncia e interfer�ncia federal, inclusive com a presen�a de tropas nacionais garantindo o alistamento eleitoral dos negros nos estados sulistas. A partir de 1867, os projetos defendidos pelos republicanos radicais adquiriram maior apoio, embora esse grupo de pol�ticos fosse minorit�rio na delega��o do Partido no Congresso. Esse contexto, especialmente entre os anos de 1867 e 1876, ficou conhecido como per�odo da Reconstru��o Radical e foi marcado por uma s�rie de interven��es e iniciativas pol�ticas voltadas especialmente para a garantia dos direitos de cidadania negra na sociedade norte-americana.

��������������� Em 2 de mar�o de 1867 foi aprovada a primeira Lei de Reconstru��o, cujo texto previa o voto negro na elei��o dos delegados que redigiriam as novas constitui��es estaduais no sul dos Estados Unidos. Para restabelecer a autonomia pol�tica, tais estados deveriam estender o �privil�gio� do voto aos homens negros maiores de vinte e um anos. Se de fato naquele contexto o voto era pensado como um privil�gio, e n�o exatamente como um direito, o dado a ser observado era que tal privil�gio, pela primeira vez, era registrado em lei referente aos ex-estados escravistas, como um exerc�cio independente de ra�a, cor ou condi��o pr�via.

��������������� O clima pol�tico posterior � primeira Lei de Reconstru��o acirrou as discuss�es em torno dos direitos de cidadania dos negros. Em 1868, o Congresso ratificou a Emenda XIV, conduzindo de vez a quest�o da cidadania negra ao centro da discuss�o pol�tica nacional. A Emenda XIV � Constitui��o estabelecia a cidadania como atributo das pessoas nascidas em territ�rio norte-americano, ou ali naturalizadas, independendo, portanto, da origem ou da condi��o anterior do sujeito. Indicava-se, assim, que tanto os negros quanto os ex-escravos gozavam de direitos pol�ticos gerais na na��o e em seus estados de resid�ncia. Tais estados, ali�s, deveriam ser punidos com a diminui��o da representa��o no Congresso Federal caso n�o respeitassem o direito de voto dos negros.

��������������� Conforme adverte o historiador Eric Foner, poucos per�odos da hist�ria norte-americana foram tema de tantas reavalia��es recentes quanto o da Reconstru��o. Entre a emancipa��o e as primeiras d�cadas do s�culo XX, predominou na historiografia norte-americana a vis�o de que os anos posteriores � Guerra Civil formaram uma �era tr�gica�, povoada por republicanos radicais �vingativos�, �libertos ignorantes� e corrup��o generalizada (Foner,1982). Esta propaganda contr�ria � Reconstru��o originou-se entre os democratas sulistas por volta da d�cada de 1870 e disseminou-se entre os circuitos letrados norte-americanos at� os anos de 1920 e 1930. De acordo com John Franklin, a vis�o de que os radicais e os negros colocaram a pol�tica sulista no rumo do desgoverno e da corrup��o n�o se limitava aos debates historiogr�ficos, e teve impacto significativo sobre autores de manuais escolares, de hist�rias populares e de fic��o (Franklin, 1999, pp. 453-457).

��������������� Os historiadores negros lideraram o revisionismo que atingiu os estudos sobre a Reconstru��o nas primeiras d�cadas do s�culo XX, desafiando esta vis�o tradicional do per�odo como �era tr�gica�. Em 1935, o monumental estudo do ativista pol�tico e acad�mico negro W.E.B. Du Bois redirecionou o rumo das discuss�es sobre o per�odo ao ressaltar a import�ncia dos negros na reconstru��o da democracia americana. Em seu livro,�Black Reconstruction in America,�ele demonstrou o esfor�o para a forma��o de uma ordem pol�tica inter-racial e democr�tica a partir das cinzas da ordem escravista; e advertiu que os escritos sobre a ordem s�cio-econ�mica advinda da guerra haviam, at� aquele momento, ignorado o principal ator do drama da Reconstru��o: o negro emancipado. (Du Bois, 1992)

��������������� Du Bois iniciou sua pesquisa sobre a Reconstru��o mais de vinte e cinco anos antes de public�-la, quando ainda era professor das �reas de Hist�ria e Economia da Universidade de Atlanta. Escrevendo contra os argumentos da suposta supremacia branca, o autor ressaltava o papel do voto negro na restaura��o do sul � Uni�o, no estabelecimento de uma nova democracia � para brancos e negros �, e na institui��o de escolas p�blicas. A escrita de Du Bois registrou o papel do negro na preserva��o da Uni�o e da democracia norte-americana, ressaltando a import�ncia da radical experi�ncia vivida entre 1865 e 1876[1]. Reafirmava, com �nfase, as oportunidades de desenvolvimento abra�adas pelas comunidades negras no per�odo por ele estudado: o negro estava apto a tornar-se um trabalhador livre; o negro, predominantemente por iniciativa pr�pria, ampliara as chances de educar-se, e este era �um dos mais extraordin�rios desenvolvimentos dos dias modernos� (Du Bois, 1992, p. 589).

��������������� Nos anos de 1950 e 1960, quando a velha interpreta��o que atribu�a � Reconstru��o um papel tr�gico na hist�ria da na��o j� estava superada, ao menos em uma parte da historiografia, o papel da lei nos estados sulistas retornaria ao centro do debate. O curso dos acontecimentos que desencadearam uma revolu��o nas rela��es raciais, com o crescimento das lutas pelos direitos civis e pol�ticos da popula��o negra, j� indicava um renovado debate historiogr�fico sobre o tema da Reconstru��o. Nesse contexto, a publica��o de�The Strange carreer of Jim Crow, em 1955, marcou �poca. O l�der negro Martin Luther King considerava o livro, escrito pelo historiador sulista C. Vann Woodward, como a �b�blia hist�rica� do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. O trabalho de Woodward foi originalmente publicado um ano depois de a Corte Suprema julgar o caso Brown vs. Conselho de Educa��o, decidindo por unanimidade, ap�s longos debates, que a segrega��o de alunos em escolas p�blicas do pa�s era inconstitucional. A decis�o, de 1954, anulava a doutrina �separados, mas iguais� (Separate, but� equal), proferida pela Corte Suprema em 1896.�� De acordo com a doutrina de 1896, havia igualdade quando negros e brancos eram providos de instala��es substancialmente iguais, ainda que fisicamente separadas. Tal doutrina criava precedentes legais para pr�ticas discriminat�rias de manuten��o de escolas separadas para os negros, de locais separados nos transportes, nos restaurantes e em outros servi�os p�blicos. Atrav�s desta decis�o, a mais alta inst�ncia de justi�a do pa�s abria precedentes para a aprova��o de leis estaduais favor�veis �s pr�ticas de segrega��o racial que feriam os princ�pios constitucionais celebrados nos tempos da Reconstru��o radical. Iniciava-se a era Jim Crow com as leis de segrega��o racial adotadas ap�s o colapso da Reconstru��o radical no Sul.

� em meio ao debate nacional sobre a revoga��o da segrega��o racial nas escolas p�blicas que o impacto do livro de Vann Woodward sobre as chamadas leis Jim Crow pode ser mais bem avaliado. Para este autor, os n�veis de segrega��o e viol�ncia racial cresceram extraordinariamente nos estados sulistas a partir da d�cada de 1890, quando se teria de fato institu�do um padr�o de rela��es raciais pautado nas leis de tipo Jim Crow. Essa constata��o implica pensar que a heran�a da igualdade racial (conquistada no per�odo da Reconstru��o) foi golpeada em diferentes n�veis, envolvendo as c�rtes e as c�maras legislativas. (Woodward, 2002).

��������������� Eric Foner, certamente o historiador norte-americano mais conhecido no Brasil por trabalhos sobre o per�odo da Reconstru��o Radical (1867-1876), argumentava que a Reconstru��o havia sido moldada pelos negros, assim como o foi pelos brancos (Foner,1982). A an�lise comparativa das sociedades p�s-emancipa��o seria, para Foner, um dos caminhos para registrar o car�ter revolucion�rio da Reconstru��o americana. Nas palavras do autor, aquela foi uma �experi�ncia singular e dram�tica� na qual os negros, apenas recentemente emancipados, experimentaram uma real parcela de poder pol�tico. Assim, no Sul da Reconstru��o, o fato pol�tico realmente not�vel seria que brancos e negros sentavam-se juntos nos j�ris, nos conselhos municipais e nas legislaturas. Este dado singularizou a experi�ncia da Reconstru��o nos Estados Unidos e nas Am�ricas, tornando-a radicalmente diversa da escravid�o, evidentemente, e da segrega��o imposta pelos poderes p�blicos estaduais e locais ap�s os anos 1880.

��������������� Entre ganhos e perdas, o legado da Reconstru��o evidenciou o papel central das leis e do acesso � cidadania no delineamento das lutas pol�ticas no per�odo p�s-aboli��o. O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, no s�culo XX, demonstraria que a mobiliza��o permanente seria a garantia para o efetivo acesso das comunidades negras ao pleno direito de cidadania.

[1]�O ano de 1865 � um marco em decorr�ncia da vit�ria nortista na Guerra Civil e da aprova��o das primeiras leis em defesa dos direitos dos negros, ao passo que ano de 1876 marca os ecos finais da Reconstru��o radical no Sul. Os sinais de fragilidade pol�tica da Reconstru��o j� podiam ser apreendidos atrav�s da vit�ria dos democratas no Congresso Federal em 1874, quando, pela primeira vez desde a Guerra, ultrapassaram os republicanos em n�mero de representantes.� Nos n�veis estadual e local, desde o ano de 1873 as campanhas do Partido Democrata no Sul foram marcadas por crescente viol�ncia e intimida��o racial, que se traduziram, nos anos seguintes, em vit�rias dos partid�rios da supremacia branca no �mbito das legislaturas e da administra��o dos estados sulistas. No �mbito federal, o �Compromisso de 1877�, que garantiu a vit�ria do candidato republicano Rutherford B. Hayes � presid�ncia dos Estados Unidos, resultou no fim da interven��o militar nos estados sulistas e na queda dos �ltimos governos radicais na regi�o. Para assegurar a elei��o de Hayes, ap�s um impasse nacional quanto aos resultados do pleito de 1876, os l�deres republicanos negociaram com os democratas sulistas, que voltaram a controlar o poder pol�tico na regi�o Sul. Vale notar que a divis�o atual entre republicanos e democratas nos Estados Unidos tinha significados muito diferentes no s�culo XIX.

O que foi a era da reconstrução?

Esse contexto, especialmente entre os anos de 1867 e 1876, ficou conhecido como período da Reconstrução Radical e foi marcado por uma série de intervenções e iniciativas políticas voltadas especialmente para a garantia dos direitos de cidadania negra na sociedade norte-americana.

O que foi a reconstrução radical após a Guerra de Secessão?

O Período de Reconstrução Radical foi aquele que se seguiu imediatamente ao fim da Guerra de Secessão, que terminou com a vitória da União contra os Estados Confederados e, portanto, a abolição da escravidão e o triunfo do modelo sócio-econômico dos estados do norte, baseados no trabalho livre, produção de bens de ...

Qual foi o objetivo da Guerra Civil Americana?

A Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana, foi um conflito armado entre Norte e Sul dos Estados Unidos pela disputa relacionada ao uso de escravos no país.

Quais são as características mais importantes do período da reconstrução radical nos Estados Unidos?

Durante a era da Reconstrução, os Estados Unidos aboliram a escravidão e garantiram aos negros o direito de voto. Mas esse período ficou marcado por tragédias e lutas políticas internas — e terminou com desdobramentos desastrosos. Membros do primeiro poder legislativo da Carolina do Sul após a Guerra Civil.