Quais as conquistas que os trabalhadores conseguiram com suas lutas por melhorias trabalhistas?

[...] a cidadania não é apenas algo a ser concedido pelas autoridades: é algo a ser conquistado por si mesmo. Uma medida da autonomia moral é essa capacidade de argumentar, insistir e, para alguns, lutar (HUNT, 2009, p.174).

O Direito é um instrumento dupla facie, pois permite resguardar garantias, potencializar questionamentos, indignação e revoltas, mas também constitui um mecanismo de controle social capaz de legitimar a ordem e a manutenção do status quo. A concepção dialética pressupõe que o Direito é luta social constante; não é fixo, estanque e eterno, “mas um processo de libertação permanente. [...] o Direito não ‘é’; ele ‘vem a ser’” (LYRA FILHO, 2003, p. 82-83). Corresponde a frutos dos embates travados historicamente na coletividade e vincula-se a princípios básicos de justiça social, porém, segundo Roberto Lyra Filho (2003, p.10), a lei é “um simples acidente no processo jurídico, que pode ou não transportar as melhores conquistas”.

Especificamente no tocante à regulação trabalhista no Brasil, as principais características foram construídas ao longo da história republicana. Por consequência, o entendimento das reivindicações dos trabalhadores na Primeira República é de suma importância para compreensão de como foram criados os primeiros direitos sob o capitalismo. Nesse sentido, objetivamos produzir uma interpretação sobre a plutocracia e suas governanças no histórico da regulação trabalhista brasileira, no início do século XX. Inicialmente, descreveremos a conjuntura do período analisado, a fim de melhor situar o debate. A seguir, comentaremos aspectos específicos das lutas trabalhistas, com a consequente oposição dos governantes da época. E, ao final, resgataremos as principais considerações, consolidando a análise qualitativa. Comecemos.

Contextualização

No plano internacional, na passagem do século XIX para o XX, figurou uma relação bastante antagônica entre governantes e governados, sem direitos regulamentados para os últimos, sob vigência do liberalismo. Pari passu, as ideias socialistas e anarquistas fervilhavam no crescente movimento operário reivindicativo e combativo em muitos países da Europa, por um lado, impulsionadas pela AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores), fundada por Marx, Proudhon e outros, na segunda metade do século XIX. Por outro lado, destacavam-se as más condições de salário, trabalho e vida dos trabalhadores.

Havia, internacionalmente, uma crescente preocupação com a ameaça operária, devido ao fim da Primeira Guerra, ao advento da Revolução Russa e às tentativas revolucionárias na Alemanha e na Hungria (HOBSBAWM, 1998), bem como devido à assinatura do Tratado de Versalhes (1919), do qual o Brasil foi signatário. Esse Tratado recomendou a instituição de um novo tipo de direito – o do trabalho –, capaz de representar a nova sociedade do pós-guerra. Um Direito, portanto, que nasceu com sanção internacional, o que se formalizou pela OIT – Organização Internacional do Trabalho.

Neste período no Brasil, começou um movimento de industrialização e o trabalho escravo foi paulatinamente substituído pelo assalariado. Deve-se chamar a atenção para o fato de que o capitalismo não se implantou no país de uma só vez. Ao longo do século XX, configurou-se uma difusão progressiva e regionalmente desigual do trabalho assalariado, como consequência da industrialização, da integração – pela via da mecanização – da agricultura à órbita do capitalismo e do desenvolvimento dos serviços urbanos (SAES, 2001, p. 62).

Para a literatura acadêmica, os governados estavam divididos em trabalhadores rurais (maioria) e trabalhadores urbanos. Os trabalhadores do campo não conseguiram instituir um grupo de pressão forte a ponto de pressionar as governanças políticas e os latifundiários por direitos. Já os trabalhadores urbanos, muito influenciados por teorias anarquistas, comunistas e/ou por uma ideia de justiça social, conseguiram instrumentalizar uma agenda de exigências e impô-las ao Estado e ao capital. Seus meios foram os mais diversos, como greves e até mesmo as dinamites (SAMIS et al., 2004; RODRIGUES, 2004; FARINHA NETO, 2007).

Simultaneamente, os governantes da economia preferiram empregar trabalhadores imigrantes brancos nas nascentes indústrias, destinando os negros e indígenas para os piores empregos. Instaurava-se no Brasil um capitalismo racista. Ervin (2015) descreve como aconteceu processo equivalente nos EUA, quando a classe dominante criou a ideia da raça branca, oferecendo um status superior aos trabalhadores brancos, superexplorando e relegando aos negros os piores empregos.

Por outro lado, os governantes da economia tinham a fração agroexportadora como hegemônica no interior das governanças. Os industriais só tiveram seus interesses atendidos, prioritariamente, pela governança política, a partir de 1930. Sem embargo, em 1904, foi criada a primeira instituição de classe dos industriais – o Centro Industrial do Brasil (CIB). Assim, o empresariado teve as associações de classe como principais organizadoras de seus interesses, viabilizando a comunicação com o Estado, quer no âmbito federal, quer no regional. A gênese desta característica pode explicar-se pelo fato de na República Velha o empresariado ter que “furar” o espaço viciado da política partidária, tomado pelas plutocracias rurais.

É mister destacar que desde o cercamento dos campos e os primeiros passos da economia capitalista, as leis penais caminharam passo a passo com as reivindicações trabalhistas. Marx (1871/1984), no capítulo XXIV do Capital, descreveu o caráter das leis “sanguinárias”, cujos objetivos eram forçar o trabalhador a vender sua força de trabalho para um proprietário, produzindo riqueza para este. No Brasil (1989), não foi diferente. No código criminal de 1890 (BRASIL, 1890) estavam previstos, em dois artigos, os seguintes termos:

Art. 205: seduzir ou aliciar operários ou trabalhadores para deixarem os estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa de recompensa ou ameaça de algum mal, penas: prisão celular de um a três meses e multa de 200$ a 500$00;

Art. 206 – causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário, pena: prisão celular de um mês a três meses.

Com o crescimento do movimento operário de orientação anarquista, foi criada a lei de deportação, em 1907, com vistas a combater seus militantes estrangeiros. Essa lei foi reeditada em 1913 e 1921. Em 1922, o então presidente Arthur Bernardes criou a Quarta Delegacia Auxiliar, com o objetivo de controle social e político de desafetos do regime. Nos anos de 1924 e 1926, muitos anarquistas foram deportados para Clevelândia, que fica no extremo norte do país, junto ao rio Oiapoque. Para lá foram enviados, pelos governantes penais, mais de mil pessoas, dentre elas operários, trabalhadores desempregados, meninos de rua, presos comuns e soldados rebeldes (SAMIS et al., 2004; RODRIGUES, 2004). Tratava-se de prisão com trabalhos forçados, criada no contexto de estado de sítio, decretado pelo governo político, mas garantido pela governança penal.

Portanto, tivemos, na passagem do século XIX para o XX, uma conjuntura bastante nova e efervescente. No plano da governança jurídica, vigorou uma Constituição declaradamente liberal – sem qualquer regulação do mercado de trabalho, concomitante a um processo de criminalização dos negros e do movimento operário (NEDER, 1995; RODRIGUES, 2004; SAMIS et al., 2004). O Código Criminal foi o mais usado nesse período. Ademais, no campo, os indígenas continuaram sendo exterminados para liberação das terras para os latifundiários. No âmbito político, o voto não era universal e tivemos o domínio de plutocracias rurais, que governavam baseadas no clientelismo e no coronelismo. No mundo do trabalho, estava em curso a criação de sindicatos – sem a tutela do Estado –, alguns bastante combativos e com orientação anarquista. Para os negros recém-libertos, número bastante relevante na sociedade, não existia qualquer política de reparação de danos, nem políticas públicas de inclusão; situação equivalente, sofreram os povos indígenas. As mulheres continuaram sob domínio do patriarcado, sendo proibidas/desencorajadas a participar da vida além do interior da sua própria casa, ainda assim, sob a tutela do pai ou do marido. Somente as religiões católicas eram permitidas, juntamente com a cultura heterossexual do dominador. As universidades eram para filhos dos governantes, e a labuta para os pobres. Os não-proprietários incapazes para o trabalho manual eram descartáveis. Os estrangeiros pobres eram vistos como possíveis portadores da ideologia anticapitalista e antiautoritária, uma ameaça. Por outro lado, todas as formas de repressão estatal estavam voltadas para manter o controle sobre os povos não-brancos, os anarquistas/rebeldes e pobres. Em resumo, o Estado racista, machista, católico e capitalista, instituía e garantia opressões sociais. Essa era a ordem, segundo os governantes, pautada no progresso.

Tratava-se, portanto, de um barril de pólvora, baseado num distanciamento muito grande entre os governantes e os governados, incrementado pela inexistência de direitos trabalhistas, regulamentação da jornada de trabalho e qualquer política reparatória ou distributiva, mostrando a face racista e liberal do capitalismo brasileiro.

Não obstante, como se explica a contemplação de determinados grupos de governados com direitos? A maioria deles não votava, nem tinha representantes políticos na defesa de seus interesses. A criação de garantias trabalhistas ia de encontro às teses liberais, bem como aos interesses dos governantes da economia, fossem eles, agroexportadores, industriais, banqueiros e/ou comerciantes. Como se justifica a criação de leis do trabalho? A partir dessas assertivas temos três possibilidades de resposta: 1) foram criadas pela generosidade dos governantes econômicos, que resolveram abrir mão de seus lucros em prol de seus governados, pois sofriam com a miséria alheia; 2) foram criadas pela pactuação entre os governantes políticos com os trabalhadores, que acordaram um contrato social democraticamente; 3) foram criadas em função das lutas, greves, passeatas, dinamites e transtornos causados nos governantes em geral pelos trabalhadores. Como há uma incompatibilidade entre ações empresariais e generosidade ou negociação financeira com os pobres, tal como, em regra, não existe governante caridoso com os miseráveis; tencionamos acreditar que só a ação direta foi capaz de constituir direitos para os não-proprietários. Estudemo-las.

A luta dos governados e reações dos governantes

Segundo Samis et al. (2004), as primeiras greves no Brasil datam de janeiro de 1858. Entretanto, diz o autor, foi no início da República que as reivindicações operárias ganharam uma expressão nunca verificada. Em 1890, o Rio de Janeiro contava com 522 mil habitantes, número que cresceu, em 1906, para 811.443. Neste ano, estavam concentrados na indústria 83.243 trabalhadores, em contraste com 66.062 postos ocupados no comércio e 14.214 nos transportes.

Nesse período, a jornada de trabalho diária oscilava entre 10 e 16 horas e, aos domingos, ia até ao meio-dia. Os filhos dos operários, de cinco a oito anos, trabalhavam nas fábricas para ajudar no sustento da família (RODRIGUES, 2004, p. 29).

Em 1907, encontravam-se no Rio de Janeiro cerca de 30% das indústrias de todo o país, enquanto São Paulo ficava com a proporção de 16% das empresas (SAMIS et al., 2004, p. 133). Em fins do século XIX, foram criadas entidades organizativas dos trabalhadores, como o Centro Operário Radical, de orientação anarquista, e o Centro das Classes Operárias, de orientação reformista. Em 1903, surgiu a Federação das Associações de Classe no Estado do Rio de Janeiro, seguindo o modelo da CGT francesa. Em São Paulo, em 1905, os sapateiros, padeiros, marceneiros e chapeleiros fundaram a Federação Operária de São Paulo (FOSP) e, no primeiro ano do Congresso Operário, foi criada a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ) (SAMIS et al., 2004, p. 134). Em abril de 1906, o movimento operário revolucionário – capitaneado pelos anarquistas – organizou o Congresso Operário Regional Brasileiro. Estiveram presentes ao encontro 43 delegados de várias partes do Brasil, representando 28 associações, a maioria ligada a ramos industriais; e outras, como estivadores e ferroviários. O Congresso aprovou as seguintes teses: o federalismo, a descentralização, o antimilitarismo, o antinacionalismo, a ação direta, a greve geral e a organização dos sindicatos por ofício, por indústria ou, em último caso, por ofícios vários (SAMIS et al., 2004, p. 135). Neste momento, o sindicalismo revolucionário tinha se tornado hegemônico no movimento operário (FARINHA NETO, 2007, p. 13).

A partir destas posições, podemos perceber que a luta de classes no Brasil se acirraria. Em suma, as greves e reivindicações eram muitas. Na primeira década do século XX, foram, por todo o país, deflagrados 111 movimentos grevistas, na sua maioria por questões salariais. Durante a conjuntura dos anos de 1917-1919, somente no eixo Rio- São Paulo, outras mais de duzentas podem ser acrescidas ao número verificado até 1910. As reivindicações eram das mais diversas. De acordo com Rodrigues (2004, p. 30), os trabalhadores impunham a seguinte pauta – é importante lê-la para saber, não só as más condições em que viviam os trabalhadores, quanto os abusos dos patrões:

[...] exigiram a redução da jornada de trabalho até alcançar as oito horas com descanso semanal aos domingos; o seguro obrigatório de acidentes de trabalho; um tratamento mais humano e mais justo da parte dos patrões e das autoridades; pleitearam melhores condições de higiene; bateram-se pela obrigatoriedade do pagamento dos salários em dia certo e em dinheiro (grande parte dos patrões pagavam com vales para ser trocados por alimentos em seus armazéns, a preços mais caros do que nas outras lojas); reivindicavam o direito e a liberdade de reunião e associação, tantas vezes burlados pelas autoridades; lutaram por um lugar digno dentro da sociedade; combateram publicamente os aumentos do custo de vida, dos aluguéis; as guerras, e o serviço militar obrigatório.

A greve geral de 1917, por exemplo, resultou em algumas conquistas para a classe operária paulistana, como a implantação, em determinadas fábricas, da jornada de 8 horas e aumentos salariais (SAMIS et al., 2004, p. 142). As greves de 1919 referenciaram os sovietes russos e as revoluções em curso na Hungria e na Alemanha. Na Capital Federal, a aglomeração presente ao evento contou com cerca de 60 mil pessoas que, além de saudarem as referidas revoluções, organizaram paralisações para pressionar os patrões. A solidariedade entre os governados, ou ajuda mútua, para usar um termo anarquista, era outra marca desta época. Rodrigues (2004, p. 31) lembra da ajuda dos sapateiros aos tecelões em greve. Para vencer a resistência dos patrões, cada sapateiro assumiu o compromisso de tomar conta de um filho de um tecelão e sustentá-lo em sua casa até a vitória. Outra característica foi a grande quantidade de jornais combativos: A Plebe, Voz do Povo, Vanguarda Operária, A Hora Social, La Bataglia, O Amigo do Povo, A Terra Livre, A Voz do Trabalhador e outros. As supracitadas greves arrancaram dos governantes da economia a jornada de oito horas, a semana de seis dias de trabalho e a igualdade de salários entre homens e mulheres (SAMIS et al., 2004, p. 145). Assim, em maio de 1919, a União dos Operários em Construção Civil (UOCC) garantiu pela primeira vez para toda a categoria, o direito definitivo da jornada de 8 horas (SAMIS et al., 2004, p. 146).

Com efeito, as greves gerais de 1917/18/19 foram responsáveis pela mudança de postura do patronato, fazendo-o deixar de se opor, por princípio, à intervenção do Estado, no que diz respeito à implementação da legislação social no país (VIANNA, 1976/1999; MORAES, 2018; GOMES, 1979, p.158). Gomes (1979, p. 36) atenta para o fato de os benefícios da implementação das políticas sociais atingirem primeiramente o operariado urbano, pois este setor constituía uma ameaça política maior à ordem, e a decisão de a quem se deveria incluir ou excluir levava em conta justamente este tipo de consideração.

Neste aspecto, a mudança de posição dos governantes da economia impunha-se não no sentido de reconhecer a necessidade de se atentar para a justiça social per se, mas com o objetivo de prevenir e/ou impedir “perturbações” da ordem pública e, principalmente, prejuízos e/ou diminuição de seus lucros.

Para ilustrar nossa análise, comentamos a seguir três reportagens publicadas em jornais de época sobre a relação governantes-governados, que explicam mais que muitas teorias.

A matéria jornalística que segue desmitifica a tese, segundo a qual o controle sobre os governados fora exclusivo do período varguista. O jornal O Estado de São Paulo (21 dez. 1923) descreveu um caso de controle sobre o operariado. Vejamos este valioso documento, publicado em Carone (1977, p. 386-389).

A história das indústrias da cidade de Sorocaba está intimamente ligada ao nome do delegado da polícia da região – sr. Bráulio de Mendonça Filho. [...] A população operária da cidade é, naturalmente, avultada e como as fábricas sorocabanas aumentam sem cessar, essa população cresce continuamente. [As perfeitas condições da cidade] atraíram operários de todos os outros centros fabris de São Paulo, e Sorocaba recebeu no seu seio bons e maus elementos. Como sempre acontece, os maus elementos passaram logo a ter ascendência acentuada sobre os bons [...] e a plácida vida de Sorocaba passou a ser seguidamente perturbada com greves. As primeiras greves foram coroadas de êxito: o patrão sorocabano estava no período difícil da organização e da experiência e, pouco afeito à vida industrial, entrou para o terreno das capitulações. Foi um instante de fraqueza lastimável e o operariado sorocabano, açulou por propagadores de ideias avançadas, começou a tornar a situação das indústrias da cidade absolutamente insustentável. Os patrões conheceram e era amarga das imposições arrogantes, das reivindicações odiosas, dos atentados acintosos à disciplina, das depredações criminosas e estiveram a pique de serem vendidos na luta aberta pelo operariado.

Esta passagem, por si só, revela várias informações e desmitifica outras da relação governantes-governados antes de 1930. A primeira constatação consiste na ratificação de que os operários se organizaram e reivindicaram, colocando os patrões contra a parede. Depois, as diversas formas de reivindicações, como as greves, depredações etc., demonstravam um operário nada pacato e ordeiro.

A bibliografia sobre o período mostra o quadro de conflito entre governantes e governados na Primeira República. Renato Boschi, Eli Diniz, Edgar Carone, Boris Fausto, Gizlene Neder, Werneck Vianna e Angela de Castro Gomes, só para citar alguns, são unânimes ao perceber e problematizar a importância das greves dos trabalhadores, principalmente nas grandes metrópoles, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, que foram palco de grandes lutas por salários, redução da jornada de trabalho, direito às férias etc., coordenadas por anarquistas, nas duas primeiras décadas do século XX. Segundo a filosofia anarquista, o movimento não esperaria nada que viesse do Estado e, portanto, só através da ação direta conseguiriam algumas concessões. Contudo, as reivindicações não se resumiam às greves, inclusive, gerais, pois outras ações, como comícios, passeatas, organização de Congressos dos governados, sabotagem na empresa, fundação de clubes, bibliotecas etc., caracterizavam uma situação de grande efervescência social. É neste quadro que se insere a importância do Estado, solicitado urgentemente pelos governantes da economia de então para mediar a relação com os governados. A solução foi a intervenção em todos os sentidos, inclusive com a criação das leis trabalhistas.

Por fim, a descrição do jornal não foi feita por nenhum saudoso anarquista ou comunista das lutas operárias do passado, mas pela imprensa, visivelmente defensora incondicional dos interesses dos industriais. Vejamos na continuação da reportagem acima referida a posição dos governantes socioculturais (grande imprensa) já naquela época.

O delegado regional teve uma feliz inspiração: entrou em entendimento com os patrões, venceu a indiferença de uns e a tibieza de outros e, resolutamente, aplicou ao operariado o sistema de identificação em uso na polícia de São Paulo.

Contra a medida rebelou-se todo o operariado da cidade e as fábricas cerraram suas portas por tempo indeterminado. Passado o primeiro tempo de exaltação, veio a reflexão e a parte sã do operariado procurou o terreno amplo das negociações. Foi repelido: as fábricas ficariam fechadas e só seriam reabertas com pessoal identificado na polícia. O operário sem reserva de dinheiro, com o crédito cortado pelo fornecedor, malvisto, pelas autoridades da cidade, deu de fechar os ouvidos à grita dos agitadores e, em pequenos grupos, demandou a delegacia de polícia. Medroso e humilhado passou pelo gabinete de identificação: a cordura dos funcionários policiais, a simplicidade das operações, a palavra persuasiva do delegado regional foram vencendo as últimas resistências e as fábricas foram reabertas com todo o seu pessoal identificado.

Os maus elementos, que passaram pela identificação depuradora, foram postos à margem pelas fábricas e, baldos de recursos, vendo todas as portas impiedosamente fechadas, foram pregar em outras regiões industriais de Estado o seu sinistro evangelho.

Sorocaba não conheceu mais greves gerais e os patrões sorocabanos ficaram a salvo das antigas imposições humilhantes (CARONE, 1977, p. 387).

A transcrição acima revela o quanto a luta operária era tratada como um caso de polícia pelos governantes penais e referendada pelos governantes socioculturais. Podemos ver também, que o controle e a identificação do operário não foram exclusivos do período Vargas. A seguir destacamos, ainda, da mesma matéria do jornal, o que poderíamos apontar como a gênese da carteira de trabalho.

Cada operário sorocabano receberá a sua caderneta operária, completa; essas cadernetas têm, devidamente registrados, todos os fatos capitais da sua vida e valem por um passaporte preciso, em toda a parte.

A ação do ilustre delegado regional de Sorocaba apresentou frutos imediatos: não existem em Sorocaba senão bons operários, cuja vida vai sendo cuidadosamente acompanhada pelos encarregados das 20.000 fichas da polícia local e, em Taubaté, o delegado regional adotou a identificação operária, exatamente nos moldes da existente em Sorocaba, sendo de esperar-se que outras delegacias de carreira também lancem mão da salvadora medida (CARONE, 1977, p. 388).

Em 1932, enfim, a obrigatoriedade da carteira profissional alcança nível nacional para governados urbanos – os mesmos da fábrica de Sorocaba. Tratava-se, portanto, de um mecanismo de controle sobre o trabalhador, um instrumento reivindicado pela governança econômica, posto em prática pelos governantes jurídicos e penais antes de 1930 e ovacionado pelos governantes socioculturais. A partir do exemplo de Sorocaba, podemos perceber o real objetivo da carteira de trabalho: controlar e facilitar a repressão sobre o trabalhador, e não aquele benevolente, como muitas vezes descrito.

Reportagem do Jornal do Commercio, de 27 de outubro de 1925 (CARONE, 1977), nos dá o tom do grau de mobilização dos governados que, por um lado, fortemente organizados, tratavam os governantes em igualdade de condições e, por outro, da repressão que lhes acompanhou, reiterando que a organização sindical era discutida no âmbito do direito criminal, como um caso de polícia, um assunto para os governantes penais. Ao final, a reportagem assevera sobre o medo das classes proprietárias das reivindicações operárias.

A maior parte do operariado carioca está arregimentada. Há lá, por exemplo, a União dos Estivadores que é quase uma potência, a Aliança dos Operários em Fábricas de Calçados, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos, etc, etc.

Em São Paulo, o geral do proletariado não tem associação de classes. A polícia paulista apurou que essas associações são ninhos de agitadores, não operários, que vivem largamente à custa da crendice dos verdadeiros operários, e fecha-as sistematicamente, a bem da ordem pública.

O operariado carioca é quase todo ele nacional ou profundamente nacionalizado [...] por vezes trata os poderes públicos de igual para igual.

Em São Paulo [...] a nossa polícia lhe faz caçada sistemática e impiedosa, segregando-o nas prisões, deportando-o, tirando-lhe o sabor de novas aventuras nesta parte do país, onde a paloragem não encontra eco.

Enquanto perdurar no espírito crédulo do operário a esperança da apregoada diminuição do custo de vida, ele se manterá calmo; mas a esperança cederá o passo às mais amargas desilusões, e, então, as almas, que um sonho iluminava, estarão cheias de trevas – trevas onde virá luzir o velho e inextinguível clarão de ódio contra o patrão, que é a fonte do eterno mal (CARONE, 1977, p. 389).

Em 1917, o chefe de polícia do Rio de Janeiro organizara uma conferência com o objetivo de controle social sobre os trabalhadores reivindicativos (SAMIS et al., 2004). Matéria do Jornal do Commercio de 7 de setembro de 1918 exemplifica bem, o quanto o operariado conseguiu se impor em relação às associações dos patrões. A reportagem diz por si.

Efetuou-se ontem, no Centro Industrial do Brasil, uma grande reunião, convocada para ser dado aos industriais de tecidos o necessário conhecimento do acordo assinado pelas comissões de industriais e operários, escolhidas para resolver sobre solicitações feitas pela União dos Operários em Fábricas de Tecidos.

Compareceram os srs.: [lista com mais de 40 nomes de industriais].

As comissões de industriais e de operários, abaixo firmadas e resultantes da reunião de 20 de agosto deste ano, efetuada na sede do Centro Industrial do Brasil, acordaram, unanimemente, no seguinte:

1. – O Centro Industrial do Brasil, legítimo representante das fábricas brasileiras de tecidos, reconhece na União dos operários das Fábricas de Tecidos o órgão diretor e representativo da respectiva classe, cabendo, portanto, a esta União o direito de pleitear junto à Diretoria de qualquer fábrica de tecidos todas as coisas que digam respeito aos interesses dos seus associados. [...]

2. Qualquer que seja o adicional em vigor, sobre os salários atuais, ficará ele modificado para 30% (trinta por cento), sendo extensivo às fábricas filiadas ao Centro Industrial do Brasil, nas quais, por ventura, atualmente não exista esse adicional. Esse adicional vigorará enquanto perdurar a presente carestia de vida.

3. As fábricas filiadas ao Centro Industrial do Brasil, onde ainda não se observa o horário semanal de cinquenta e seis horas, ficam por este acordo obrigadas a adotá-lo desde já.

Por assim, haverem combinados assinam o presente documento.

Rio de janeiro, 31 de agosto de 1918. [...] [lista com os nomes dos signatários] (CARONE, 1977, p. 388).

Pode-se inferir, a partir deste contrato de 1918 entre o Centro Industrial do Brasil e da União dos Operários em Fábricas de Tecidos, que os trabalhadores estavam bastante fortes e organizados, conquistando direitos históricos: como redução da jornada de trabalho; aumento salarial; e reconhecimento de seu sindicato como legítimo representante dos operários.

Cabe ressaltar que estas conquistas aconteceram sob as greves gerais de 1917, 1918 e 1919, que, na maior parte das vezes, são absolutamente ignoradas pela literatura da História e das Ciências Sociais no Brasil. A explicação para isso está nas opções teóricas-metodológicas liberais, marxistas e sociais-democratas. Os primeiros preferem ignorar as lutas trabalhistas. Os segundos não abordam as conquistas anarquistas em função da disputa com essa escola. Os terceiros jogam luz apenas para conquistas que resultam do Estado.

A partir do entendimento desse período histórico, podemos crer que para a diminuição da jornada de trabalho no Brasil não foi preciso a intervenção do Estado, mas, sim, a luta, a ação direta e organização dos governados.

Existe uma contenda na literatura acerca da intervenção estatal na regulação trabalhista. Para uns, foi bom para o proletariado, sendo uma exigência deste; para outros, foi resultado da característica autoritária da governança política, que queria ganhar o apoio dos trabalhadores; para uns terceiros, foi bom para as associações dos empresários. A carta do presidente do Centro Industrial do Brasil, Jorge Street, em 1919, publicada em 13 de junho do mesmo ano, no Jornal do Commercio é reveladora. A epístola é longa, mas imprescindível para melhor entender o período.

Alguém, em um artigo publicado no Jornal do Comércio a respeito da greve dos tecelões, disse não poderem os industriais reconhecer as associações de classe, como os operários desejam por motivos de ordem e disciplina interna das fábricas. Relata então o articulista a ingerência dos delegados da União, que intervinham no interior das fábricas, e de um modo inconveniente e inadmissível, perturbavam aí todo o serviço e termina afirmando que foi ‘para fugir a essa situação que alguns industriais se afastaram do Centro Industrial, que a tolera, apesar de não ser esse o compromisso assinado com a União’.

O grande industrialismo e o capitalismo moderno criaram para o trabalho e para os trabalhadores condições novas e especiais, que tornaram inevitáveis graves divergências e antagonismos entre os trabalhadores e o patronato. Estas divergências foram agravadas pela absoluta dependência em que ficou o operariado em relação ao patronato, que detinha e detém em suas mãos uma grande parte senão a totalidade dos meios econômicos, sem os quais a outra parte dos operários não podem trabalhar e, portanto, ganhar o seu pão.

De fato, o machinismo que produz e transporta, assim como o dinheiro necessário para as compras das matérias-primas e para a movimentação comercial da produção, estão absolutamente nas mãos do patronato.

Daí resulta que os possuidores desses elementos regularam a sua vontade e de acordo com as suas vantagens e necessidades, todo o movimento da produção mundial.

A duração do dia de trabalho estava nas mãos, assim como a taxa do salário era por ele regulada e marcada, segundo suas ideias e interesses. Se havia grande procura nos mercados, portanto, possibilidade de boas vendas, com bons lucros, era logo ordenado o dia 10, 11, 12 horas; se não chegava ainda, e a procura continuava, formavam-se turnos suplementares e o trabalho noturno era instituído. Isto durava enquanto as conveniências comerciais assim o exigiam. Se vinha a parada nos mercados, a cena mudava bruscamente. As turmas noturnas eram despedidas em bloco, as horas do trabalho diurno eram diminuídas e, se não bastava, eram reduzidos ainda os dias de trabalho.

As necessidades mesmo vitais do operariado não eram consultadas. [...]

É um fato que a produção não tem sido regulada no mundo, sob o ponto de vista de garantir o maior benefício possível à coletividade humana, mas sim em vista dos maiores benefícios do capital, que detinha o poder de regular essas coisas.

É certo também que a tendência natural do capital é impor o máximo de trabalho com o mínimo de salário.

Naturalmente, esse estado de coisas provocava e provoca o protesto do operariado.

Mas, como se opor a estas condições, como obter a melhoria da sua situação, e forçar o capital a concedê-las? Naturalmente, tratando e pedindo. Mas, o operário, tratando sozinho e desamparado do apoio de seus companheiros de classe, fica em situação absolutamente inferior à do patrão. O medo de perder o seu ganha pão tira-lhe a coragem de protestar ou pedir. [...]

Desta situação nasceu a necessidade das associações que se multiplicaram em toda a parte e cresceram com incrível rapidez, em número e poder.

A associação, nós bem sabemos, dá ao operariado coesão e meios de pedir, e de exigir, se necessário for, resistindo por longo tempo, pois a associação solidariza os operários da mesma indústria.

Assim, nós patrões, perdemos a vantagem de tratar só com os nossos operários isolados e fracos, e vamos ser obrigados a trabalhar com a associação, pelo menos tão forte como nós.

Assim, o contrato individual, com o nosso operário isolado, tem de ser substituído pelo contrato coletivo com essas associações.

É desagradável, eu concordo, mas é inevitável e, afinal, é justo.

O direito e a justiça da organização das classes operárias são, pois, indiscutíveis e os resultados obtidos por essas associações em todo o mundo são extraordinários.

[...] naturalmente estas associações procuram inspirar ao operariado o sentimento de classe e solidariedade, que vai até o sacrifício, sob a fórmula de um por todos e todos por um.

Quando essas classes então assim bem constituídas, elas procuram, em primeiro lugar, continuar e só depois vão ao extremo da greve, que então exige. [...]

A própria legislação deve intervir para regular os direitos e deveres dessas associações, assim como os das nossas, instituindo os necessários tribunais de arbitragem que, bem organizados, facilitaram muito a solução das questões que não puderem ser solvidas por conciliação direta.

O velho mundo já passou pelas fases de resistência e teve de ceder.

Nós devemos nos conformar com o inevitável e queimar as etapas que os outros já venceram. Isto me parece de boa e sã política para nós.

Eis porque eu entendo e comigo um bom número de industriais brasileiros que as associações de classe dos nossos operários, quando legalmente constituídas e quando representem realmente em grande número de operários da sua classe, como é o caso da União dos Operários de Tecidos – devem ser lealmente reconhecidas por nós, que com elas devemos tratar e resolver as questões do trabalho que nos interessam.

Penso assim porque estou convencido de que hoje, no estado de alma mundial do operariado consciente de sua força e de seus direitos, as associações de classe, nas condições a que nos referimos, longe de continuarem a ser fatores de perturbação de ordem, virão, pelo contrário, com o tempo, constituir elementos de ordem e grandes fatores de apaziguamento que facilitarão a solução de problemas graves oriundos da inevitável evolução econômico-social que se desenvolve por todo o mundo.

O novo Centro algodoeiro é forte e poderoso; é possível, pois, que ele consiga forçar seus operários à volta ao trabalho, mantendo os seus pontos de vista.

Terão obtido uma vitória de Pirro: terão, fiquem certos, operários com ódio no coração e o desejo de vingança na alma. Mas eu penso que isso não se dará; os meus colegas já têm abandonado muitos dos seus primitivos intentos e é provável que em breve tratem com a União, o que aliás, parece já estarem fazendo particularmente muitos que, quando reunidos, declaram solenemente ser um sacrilégio fazê-lo.

O tempo mostrará de que lado está a razão.

São Paulo, 9 de junho de 1919 (CARONE, 1977, p. 389, grifo nosso).

Podemos extrair desta carta muitas questões sobre a conjuntura de 1919 no Brasil, e, particularmente, das especificidades da relação governantes-governados. Primeiro, quem escreve a carta é o presidente da principal associação das indústrias do Brasil, mostrando não ser uma posição individual, mas, inclusive, majoritária dentre os industriais organizados no país, embora não seja unanimidade, pois diferentes posições dos empresários ali coexistiam. Tal postura em favor do reconhecimento dos sindicatos dos trabalhadores resultou em grande polêmica na organização patronal, inclusive, com a saída de descontentes e a organização do Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão do Rio de Janeiro, em 1919 (CARONE, 1977).

O industrial acima mencionado demonstra um largo conhecimento das condições objetivas do capitalismo e a absoluta dependência dos trabalhadores com relação aos proprietários, peculiar desse sistema. Ele reconhece o irrestrito poder do patronato sobre o trabalhador e que suas condições de vida não são levadas em conta, como o total controle da jornada de trabalho pelo governante da economia que, de acordo com seus interesses comerciais, aumenta ou diminui a produção, afetando, consequentemente, o emprego. O que é por muitos teóricos ignorado, o empresário afirma com todas as letras: “a tendência natural do capital é impor o máximo de trabalho com o mínimo de salário”. Uma das constatações incide na ideia segundo a qual existem diferentes posições dos empresários, principalmente com relação ao reconhecimento dos sindicatos dos trabalhadores. Reconhece, também, o momento internacional de avanço do poder dos sindicatos. E, por fim, o mais revelador: defende que o Estado deva intervir na relação trabalhista com vistas a regular deveres e direitos de todas as associações, tanto dos trabalhadores, quanto dos empregadores, devendo, ainda, criar tribunais de arbitragem para solucionar os conflitos que não forem solucionados diretamente. Tratava-se, portanto, de um clamor dos industriais ao Estado para intervir na relação governantes-governados, regulando-a, já em 1919.

Com efeito, as teses de Vianna (1976/1999) e Gomes (1979), segundo as quais os empresários eram contra a regulamentação do trabalho em função de seu compromisso com o liberalismo, na medida em que buscavam o fortalecimento de seu poder na sociedade para um posterior controle do Estado, não se confirmam.

Segundo Vianna (1976/1999, p. 95), diante da implementação dos direitos dos trabalhadores, no curto espaço de uma década, houve duas grandes variações na posição da burguesia industrial:

Nos anos pré-30, se caracterizará por extremado liberalismo, de tipo fordista, hostilizando as tentativas de formulação e/ou aplicação de leis sociais. Essa etapa se prolongará até os dois primeiros anos do Governo provisório, mantendo nos industriais acesa a polêmica com o Estado, embora tenham abandonado a essa altura seu antigo discurso liberal. A segunda, modulação entre duas posições extremadas, será a da incorporação consentida da legislação por parte dos empresários. A alteração no seu comportamento não importará, contudo, em eliminação dos conflitos com o Estado, que persistem em questões de aplicação da lei e identificação com o chamado direito social, quando a estrutura corporativa sindical se constitui no projeto consensual das elites e classes dominantes.

Tampouco se confirma a tese de Delgado (2001), segundo a qual é a garantia do mercado fechado que faz com que o empresariado aceite a concessão de direitos para os trabalhadores. A indústria brasileira, exceto no período compreendido até Vargas, tinha pouco de nacional. Mesmo assim, essa indústria “oligopolizada” garantia um mercado fechado com relação a outros capitais “estrangeiros”. A tese de Delgado se confirma, se olharmos apenas para depois de 1930, quando a criação de direitos trabalhistas quase coincide com a oligopolização da indústria, processo em relação ao qual havia toda uma legislação que a protegia da concorrência externa (DELGADO, 2001). Porém, se voltamos nosso olhar para antes de 1930, percebemos que coexistem com o mercado aberto, não só as primeiras leis trabalhistas, bem como um discurso do empresariado que não associa uma coisa à outra. Efetivamente, a tese de Delgado também parte do princípio da benevolência do Estado na criação de direitos para os trabalhadores, como se governantes da política e governantes da economia estivessem em campos opostos sobre o tema de direito do trabalho.

O mais importante é que parcela dos governantes da economia, em fins da década de 1910, como vimos no depoimento do presidente da CIB, já clamava pela intervenção do Estado, no sentido de controlar melhor os governados, garantindo a acumulação capitalista. É claro que a elaboração de uma legislação social significava para o empresariado, antes de mais nada, uma limitação das condições objetivas de realização do lucro livre de amarras. Portanto, possuía efeitos práticos e imediatos sobre a organização do trabalho e da lucratividade da empresa.

Como ratificação desta premissa, lembramos que os governantes da economia ocuparam, ou possuíam forte influência em todos os conselhos/comissões para discussão e implementação de uma legislação trabalhista, enquanto os governados foram excluídos de qualquer participação. O trabalhador: 1) não participou dos conselhos/comissões para elaboração de leis trabalhistas; 2) não tinha um corpo de representantes ocupando cargos eletivos na burocracia estatal. A partir destes dados, concluímos que só restara aos governados: a) aceitar a alta jornada de trabalho, salários baixíssimos, sem direitos trabalhistas; ou b) pressionar, reivindicando direitos e melhorias das mais diversas por meio da ação direta.

Por conseguinte, inferimos muito facilmente que a legislação do trabalho foi corolário das sugestões dos governantes da economia, em absoluta consonância com as palavras do presidente da CIB, e dos governantes da política. Foram exemplos: 1) o projeto de Código do Trabalho que procurou coordenar e pôr em prática as leis e os projetos de leis já existentes sobre o assunto, desde o debate na Câmara Federal em 1917 (VIANNA, 1976/1999; GOMES, 1979); 2) o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), encarregado, de 1924 a 1929, da discussão e elaboração do anteprojeto para reforma de leis e também de regulamentos, que permitissem a entrada em vigor da nova legislação (GOMES, 1979).

De acordo com Vianna, a Câmara passou a legislar aceleradamente em matéria trabalhista em 1919 – logo após as greves gerais de 1917 e 1919, em São Paulo, e, de 1918, no Rio, além de outros movimentos grevistas em outros estados da federação. Em 1926, boa parte das condições de trabalho estava coberta pela lei, como acidentes de trabalho, férias e o Código de Menores. Portanto, quatro anos antes de Vargas chegar à governança política.

Em suma, sob pressão dos governados, os governantes jurídicos e da política previam leis em prol daqueles. Todavia, usavam de todas as artimanhas para postergar a sua aplicação, alimentando o distanciamento entre a norma e sua eficácia. Um exemplo é o da lei de férias. Santos (1998, p. 85-86) descrevia que um decreto legislativo de dezembro de 1925 previa 15 dias de férias anuais aos trabalhadores. O Conselho Nacional do Trabalho, em 1926, asseverou que a lei não podia entrar em vigor antes de ser regulamentada. O regulamento surgiu em outubro de 1926, todavia só poderia ser implementado após aprovação do Congresso Nacional, o que não ocorreu. Após a Revolução de 1930 e no mês seguinte à criação do Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria, em março de 1931, decidiu-se suspender a execução da lei para deliberação posterior. Enfim, de maneira efetiva e fiscalizada, o direito a férias só foi regulado em setembro de 1933 para os trabalhadores do comércio e dos bancos e, em janeiro de 1934, para os da indústria.

Reflexões finais

Para efeito de sistematização da participação dos governantes da economia e dos governados na elaboração de políticas sociais no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, podemos elencar os seguintes resultados: 1) a existência de extrema desigualdade de influência e representação junto ao Estado entre o empresariado e os trabalhadores, sendo aberta àquele e fechada a estes; 2) os interesses dos governantes da economia têm força dentro dos órgãos governamentais desde antes de 1930; 3) a implementação de uma legislação social tinha por objetivo básico conter as lutas sociais implementadas pelos governados; 4) a principal alternativa adotada pelos trabalhadores para impor na pauta a implementação de direitos sociais foi a ação direta; 5) a imigração dos trabalhadores europeus, para ser explorada no Brasil, atribuiu um status superior a esse com relação às outras raças, fortalecendo as opressões sociais: racial, oficialista e econômica. As mulheres e os outros oprimidos sociais permaneceram excluídos de qualquer participação no Estado.

Assim, as etnias não brancas desde os primeiros passos do pós-abolição foram incorporadas aos status de trabalhadores “livres”, mas ocupando os piores empregos, quando os conseguia.

A regulação trabalhista foi posta em prática em função do fato de que os governantes da economia só aceitaram abandonar sua postura liberal – contrária à criação de direitos trabalhistas – em função da constante ameaça de seus lucros e de seu patrimônio por parte das greves, reivindicações, passeatas e ações diretas dos trabalhadores. Da perspectiva dos governados, percebemos que a luta intransigente e a organização solidária conseguiram garantir-lhes direitos. Tudo isso, evidentemente, associado a uma conjuntura internacional de luta revolucionária e de conquista de benefícios por parte dos governados em outras partes do mundo. Por isso, é importante incluirmos o contexto internacional como objeto de análise, mesmo que nosso foco seja no plano doméstico.

Em resumo, a situação para os governados no período analisado era a pior possível. As governanças sociais e institucionais funcionaram a todo vapor, isto é, as opressões racial, patriarcal, sexual, religiosa e econômica formavam a atmosfera da sociedade, e eram aplicadas, diretamente, ou não, pelas governanças institucionais. Em poucas palavras, os governados tinham liberdade bastante limitada e com poucos direitos trabalhistas, sendo estes amplamente desrespeitados. Em contrário a esta situação, os sindicatos, muito influenciados por militantes anarquistas, tiveram forte atuação e conseguiram arrancar da governança política, apesar da forte repressão que sofreram, algumas regulamentações trabalhistas. Em função das primeiras greves dos trabalhadores, os governantes da economia organizaram suas primeiras associações coletivas e conseguiram demandar que o Estado exercesse o seu papel histórico: reprimir e controlar os trabalhadores combativos, garantindo-lhes melhores condições de extração de mais-valor e de acumulação. Para conformação desse papel estatal, as governanças penal, política, jurídica e sociocultural foram fundamentais, atuando em conjunto. Por fim, buscamos mostrar a centralidade da ação direta dos trabalhadores para conquista de seus direitos, em meio a um ambiente institucional hostil às suas demandas.

Quais foram as maiores conquistas da luta dos trabalhadores?

Elencamos algumas das conquistas históricas e que ainda vigoram:.
Carteira de Trabalho. ... .
Direito à greve e organização sindical. ... .
Salário mínimo. ... .
Justiça do Trabalho..

Quais foram as conquistas dos direitos trabalhistas?

Muitas conquistas recentes dos trabalhadores foram adquiridas na Constituição Federal de 1988, como o salário mínimo unificado no país inteiro, a licença maternidade de 120 dias, os 5 dias de licença paternidade, a estabilidade no emprego para servidores públicos, o direito irrestrito de greve, o adicional de um terço ...

Quais algumas das conquistas que os trabalhadores através dos sindicatos conseguiram para melhorar sua vida?

Em diferentes períodos da história, os trabalhadores e trabalhadoras se organizaram para conquistar direitos básicos e se, hoje, podemos usufruir de férias remuneradas, salário mínimo, 13º salário, aposentadoria, entre outros, é graças à luta organizada pelo movimento sindical.

O que foi conquistado nos movimentos trabalhistas?

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é fruto da luta dos sindicatos. Os trabalhadores conquistaram em 1943 esse escudo contra abusos, assédios e injustiças. Antes, os patrões desrespeitavam funcionários sem sofrer punições e havia menos regras protetivas.