Por que alguns países como os Estados Unidos se negam a assumir compromissos para a redução de seus poluentes?

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Na Exposição Universal de Paris, em 1900, a cidade também esteve no centro do mundo, como em 2015. Reprodução/Reprodução

A decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris pode até não ter sido tão surpreendente assim, mas envergonhou o país diante da comunidade global, já que, com isso, o segundo maior poluidor do mundo desonra um compromisso assinado um ano e meio atrás. Os Estados Unidos, assim, tornaram-se o quarto país a não abraçar o combinado na COP-21. Isso pode acabar isolando mais Trump do que os próprios EUA: governadores, prefeitos e empresários americanos anunciaram que querem manter o compromisso de reduzir as emissões de carbono.

Entre as 195 assinaturas, estão lá todos os maiores poluidores do mundo: China (incluindo Hong Kong e Macau), Rússia, Índia, Japão, Alemanha, Brasil, Canadá, Coreia do Sul e México. Agora, na parte de cima da lista, somente os EUA, responsáveis por 17,9% das emissões no globo, ficaram de fora.  

Dos países mergulhados em guerra ou com conflitos regionais pesados em curso, Afeganistão, Iraque, Turquia, Somália, Quênia, Nigéria, Sudão, Camarões, Níger, Chade, Líbia, Iêmen, Arábia Saudita, Egito, Sudão do Sul e Etiópia, além do México (como vimos), não ficaram de fora. A triste exceção é a Síria, nação inviabilizada pela guerra civil. Questão de conflito (literal) e de conflito de agenda. Em 13 de dezembro de 2015, um dia após o acordo ser firmado na França, Bashar al-Assad estava ocupado com seus aviões, que bombardearam um prédio nos arredores de Damasco, matando mais de 40 civis e ativistas de direitos humanos desarmados. Com as sanções impostas à Síria, representantes do governo nem poderiam viajar para países que não fossem os poucos aliados que lhe restaram. Ela se tornou um pária e talvez nem exista mais da mesma forma quando a guerra acabar. Então ficou de fora de um documento que até a quase alienígena Coreia do Norte tomou parte.

O Vaticano também não assinou, mas por um motivo burocrático. A Santa Sé ainda não faz parte da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Outros microestados, como Nauru, Tuvalu, Palau, Mônaco, San Marino e Liechtenstein, que somados não chegam a 150 mil humanos (população da Freguesia do Ó), deixaram seu rabisco no documento.

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NICARÁGUA, A QUE ACHA QUE É POUCO

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Reprodução/Reprodução

Por fim, depois do império desgovernado, da ditadura moribunda e da cidade-Estado que é sustentável “desde antes de ser modinha”, temos o rebelde do clube, a Nicarágua. “Não nos submeteremos ao acordo porque responsabilidade voluntária é o caminho para o fracasso”, declarou à época Paul Oquist, representante do país centroamericano na convenção, em referência à premissa de que cada país deverá estabelecer a meta de redução de emissões. Para Oquist, o Acordo de Paris não é o suficiente para evitar uma catástrofe global no futuro. Ele ainda disse que os países ricos devem pagar mais pelas mudanças climáticas, já que a responsabilidade deles é historicamente muito maior. “Os 100 países mais pobres respondem por 3% das emissões”, resumiu. “Acreditamos que devemos focar onde o problema pode ser resolvido: os 10 países com 72% das emissões.” Na verdade, os 10 países, listados acima, respondem por 63,9% dos gases de efeito estufa no planeta. Mas Oquist deu o recado e endossou um argumento antigo e relativamente popular em países em desenvolvimento. Segundo país mais pobre das Américas, a Nicarágua responde por 0,03% das emissões. Ao mesmo tempo, é o quarto país que mais sofreu com desastres causados pelas mudanças climáticas nos últimos 20 anos, atrás somente de Honduras, Mianmar e Haiti. Ou seja, as estatísticas comprovam que países pobres sofrem mais perdas humanas e econômicas com secas, enchentes, furacões e outros desastres climáticos cada vez mais manjados.

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Reprodução/Reprodução

Mas a Nicarágua não é do tipo que reclama e acusa os poderosos sem fazer nada. Em 2015, 52% da energia renovável do país veio de fontes renováveis. Os efeitos da guerra civil dos anos 80 abalam a economia até hoje, mas a Nicarágua encontrou meios de mudar a matriz energética. Há poucos anos, ela era quase totalmente dependente de combustíveis fósseis importados. Agora, ela caminha para ser uma potência verde, segundo especialistas. Ainda falta muito para igualar a vizinha Costa Rica (98,1% em fontes renováveis), mas a geografia nicaraguense ajuda na missão. O país tem uma vasta cadeia vulcânica, grande exposição ao Sol e ao vento e um vistoso leque de fontes de água.

O presidente Daniel Ortega planeja investir quase US$ 3 bilhões até 2020 na mudança da matriz energética. Só que antes de tascar-lhe a coroa do Lorde Protetor da Natureza, Nascido dos Bons Ventos, Ungido Pela Luz Solar e Limpa e Flagelo do Petróleo e do Carvão, calma lá. Ortega manda no país há 10 anos na base do decreto, manipula instituições, fechou fronteiras a imigrantes e é bem próximo de Vladimir Putin, ou seja, tirando o tempo de governo, ele não é muito diferente de Trump.

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Com muito sol, vento e vulcão, a Nicarágua, além de linda, tem vastos recursos geotérmicos, e pode se tornar uma potência verde Bernal Saborio/Creative Commons

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Ortega também quer rasgar o país ao meio, literalmente, com um projeto que promete ser o maior deslocamento de terra da história. O Grande Canal da Nicarágua, desenvolvido por um enigmático empresário chinês das telecomunicações chamado Wang Jing, custará US$ 40 bilhões em cinco anos de obras (mas a sabedoria brasileira já avisa que os números serão bem maiores). Com 90 m de profundidade e largura máxima de 520 m, o canal abrirá caminho entre o Mar do Caribe e o Pacífico para os maiores cargueiros do mundo, que são capazes de levar 18 mil contêineres por vez, mas não passam pelo Canal do Panamá. A obra é polêmica, pois o canal (e sua infraestrutura de estradas, usinas e gasodutos) destruirá 4 mil km quadrados de florestas e manguezais, além de cruzar o Lago Nicarágua, um ícone do país e reservatório de boa parte da água potável dos habitantes.

Fora o detalhe de que a rota que os navios tomarão para usar o novo canal fica no meio de uma zona de furacões.

As obras do canal ainda não começaram. Talvez a fonte tenha secado, pois Wang eikeou de vez e perdeu 85% de sua fortuna. Outro problema internacional que afeta os planos do governo foi a suspensão da construção de uma hidrelétrica de US$ 1,2 bilhão. Motivo: a obra seria tocada pela Eletrobras e a Queiroz Galvão, que, como bem sabemos, é investigada na Lava Jato.

A Nicarágua pode tentar se isolar do mundo, mas, no fim, “tamo junto”.

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Os possíveis efeitos do canal. Mapa: otromundoesposible.net Reprodução/Reprodução

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