1 INTRODUÇÃOÉ comum a afirmação de que a notícia deve constituir um relato imparcial, como é recomendado, por exemplo, no Manual da Redação (Folha de S.Paulo, 2001)FOLHA DE S.PAULO. Manual de estilo. São Paulo: FSP, 2001.. Certamente isto constitui menos regra do que aparenta, conforme evidenciam cotidianamente diferentes jornais. Esse fenômeno ocorre porque, simultaneamente à força estabilizadora do gênero, há o ato de realização efetivo do texto, que, nesta dimensão, submete-se a diferentes coerções, devido ao contrato de comunicação não ser sempre o mesmo, não ser idêntico. Show
A oposição entre jornais de referência e jornais populares (Amaral, 2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.), por exemplo, insere-se nesse contexto, no sentido de que o projeto de dizer no noticiário de cada tipo de jornal imputa-lhe certas características e adoção de estratégias específicas, como a seleção de fatos segundo valores-notícia distintos e emprego de linguagem projetada num certo perfil de leitor1 Conforme dados extraídos de <www.odiacomercial.com.br/pdf/perfil_leitrores_2012.pdf> (consulta em 28/4/2012), a maior parte do público leitor, 64%, pertence às classe C e D, e 28% moram na Baixada Fluminense. . Inclui-se, também, o tratamento dado ao fato: por um lado, nos jornais de referência, com maior inclinação política e organização argumentativa; por outro, nos jornais populares, atendendo a valores de entretenimento e proximidade e com organização predominantemente narrativa e expositiva. Neste trabalho, demonstraremos como uma notícia de jornal pode conter opinião e oferecer uma orientação argumentativa ao tema - pela forma como o recorta e pelo estabelecimento de relações intertextuais existentes já no título. Assim, o fulcro de nosso interesse recai sobre essa reflexão e, para tanto, analisaremos a construção do título "Papa pede pra sair", de notícia publicada no jornal popular carioca Meia Hora, em 12/02/2013. Nosso aporte teórico basilar pauta-se na noção de "contrato de comunicação", desenvolvida na Análise do discurso (Charaudeau, 1996______. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In. MARI, H, et alii. Análise do discurso: fundamentos e práticas Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso - FALE/UFMG, 2001, p. 23-37.; 2001); na caracterização dos "valores-notícia" (Amaral, 2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.); e no processo de "intertextualidade", tal como definido por Beaugrande e Dressler (1981BEAUGRANDE, R. de; DRESSLER, W. Einfȕhrung in die Textlinguistik. Tȕbingen: Niemeyer, 1981.). Adotaremos ainda considerações de Bakthin (2003) e Koch (2003KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.). Assim, na seção 2, discorreremos sobre o papel dos sujeitos e a produção de sentidos de acordo com a teoria semiolinguística. Na seção 3, trataremos dos principais valores-notícia para o jornalismo popular e, na seção 4, da noção de intertextualidade. Já a seção 5 comporta a análise da produção de sentidos por meio da intertextualidade, tal como produzida no título. 2 O QUADRO SOCIOLINGUAGEIROA Teoria Semiolinguística postula que a construção do sentido leva em conta simultaneamente duas dimensões: uma situacional e outra linguística da significação discursiva, que é construída, segundo Charaudeau (1996CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. Tradução de Agostinho Dias Carneiro. In: CARNEIRO, A. D. (Org). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. p. 5-43., p. 8), sobre uma dupla inter-relação, a saber: a) entre dois espaços de produção de sentido, sendo um externo, outro interno; b) entre dois espaços enunciativos: de produção (EU) e de interpretação (TU). Sendo assim, algumas hipóteses norteiam o quadro teórico exposto por Charaudeau (2001______. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In. MARI, H, et alii. Análise do discurso: fundamentos e práticas Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso - FALE/UFMG, 2001, p. 23-37., p. 28): A primeira é a de que o ato de linguagem decorre das instâncias do dizer e do fazer, sendo o fazer a instância situacional onde estão situados os responsáveis deste ato. O dizer, instância discursiva, corresponde ao espaço de produção do qual participam os seres da palavra. Por isso, as realidades do dizer e do fazer desdobram-se em dois circuitos interdependentes: um externo (fazer), outro interno (dizer). A segunda diz que o ato de linguagem é determinado pelas especificações situacionais. Sendo uma interação, é dotado de intencionalidade, o que implica dizer que a encenação discursiva é uma atividade estratégica. A terceira vincula o ato de linguagem às práticas e imaginários sociais de dada comunidade, sendo ele o produto da ação de sujeitos psicossociais. Essa relação contratual não se baseia nos estatutos sociais das pessoas nela implicadas, "depende do 'desafio' construído no e pelo ato de linguagem" (Charaudeau, 2006, p. 30)______. Identité sociale et identité discursive, le fondement de la compétence communicationnelle. Gragoatá, Niterói, n. 21, p. 339-354, jul./dez. 2006.. A abrangência do ato de linguagem, que se realiza em um duplo espaço de significância, o externo e o interno, determina, conforme Charaudeau (1996CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. Tradução de Agostinho Dias Carneiro. In: CARNEIRO, A. D. (Org). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. p. 5-43., p. 5), dois tipos de sujeitos da linguagem: os parceiros, que são os sujeitos do fazer social, seres reais, chamados de EUc (EU comunicante) e de TUi (TU interpretante); e os protagonistas, que são os sujeitos do dizer, seres hipotéticos, denominados de EUe (EU enunciador) e de TUd (TU destinatário). Ou seja, no circuito interno, encontram-se os seres da palavra (EUe, TUd) e no circuito externo os seres agentes (EUc,TUi). No processo de produção, o EUe corresponde ao papel discursivo que o EUc (produtor do ato de linguagem) constrói dele mesmo enquanto ser do discurso em cena. Tal papel é idealizado em função das intenções comunicacionais do sujeito situado no plano do fazer. Em se tratando de uma hipótese, o trabalho realizado pelo EUc pode (ou não) obter o resultado desejado, conforme sua hipótese seja avaliada pelo TUi. Este pode, por exemplo, aceitar a imagem dele feita por aquele. Mas pode, por outro lado, negá-la. Isto porque também faz de si próprio uma imagem discursiva, sendo esta o TUd. Além disso, pode questionar-se sobre o papel do comunicante. É o que ocorre em enunciados como Quem é x para falar assim comigo? Ou seja, o EUc obterá tanto mais êxito, quanto maior for a proximidade entre a hipótese criada por ele sobre o TUd e a referida imagem deste construída pelo TUi. Assim, os universos de discurso dos sujeitos que ancoram o ato de linguagem não são idênticos, visto que ambos, locutor e interlocutor, constroem para si imagens um do outro que podem não ser reais. Não sendo unidirecional, ele é, portanto, dialógico. O ato de linguagem corresponde, por isso, a um ato interenunciativo (Charaudeau, 2010a______. Linguagem e discurso: modos de organização. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010a., p. 45) entre quatro sujeitos, e não dois. Charaudeau pauta este quadro teórico, como foi dito antes, em uma recíproca relação de intencionalidade entre as instâncias externa e interna. Como se trata de um quadro que prevê objetos semiodiscursivos postos em troca, por decorrência (no discurso jornalístico, por exemplo) teremos três instâncias implicadas: as duas primeiras, a de produção e a de recepção; a terceira, o texto. Portanto:
O lugar das instâncias de produção do sentido subdivide-se em dois: é determinado por condições socioeconômicas (espaço externo) reguladas por práticas mais ou menos institucionalizadas (empresariais, por exemplo) com as quais os atores sociais estão comprometidos. Simultaneamente, tais atores devem engajar-se na produção de discursos, que correspondem a condições semiológicas (espaço externo-interno), de modo a atenderem às referidas especificidades comerciais, o que equivale a produzir discursos adequadamente sedutores ao público-alvo (Charaudeau, 2010b______. Discurso das mídias. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010b., p. 24). Assim, de acordo com esse segundo espaço, deve-se pensar o "como fazer" para atender tal ou qual intencionalidade. O lugar das condições de recepção também se estrutura em dois espaços: o interno-externo, onde se encontra o destinatário ideal, público idealizado pela instância de produção e que ela espera corresponder à construção da imagem dele feita. Já o espaço externo é o lugar do destinatário real, o público consumidor do produto midiático, em nosso caso, da notícia de jornal, que interpreta a informação segundo as condições que lhe são acessíveis (Charaudeau, 2010b______. Discurso das mídias. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010b., p. 26). Dito isto, a produção de discursos noticiosos, "sedutores", nos termos de Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.), que se vincula a necessidades mercadológicas através do projeto de dizer de conotação humorístico-satírica do jornal Meia Hora, passa pela seleção do que deve ou não ser noticiado e como o será. É o que abordaremos na seção seguinte. 3 OS VALORES-NOTÍCIA NO JORNALISMO POPULARPartindo do pressuposto de que "todos são feitos para o mercado", Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 51) discute as principais diferenças entre os jornais conhecidos como de "referência" e aqueles conhecidos como "populares". Além disso, trata das diversas necessidades de cada público-alvo e da influência delas na constituição do jornal. Assim, classificar um jornal como popular não envolve somente uma explicação com base na economia, mas inclui uma percepção cultural relevante para a compreensão adequada do fenômeno sob foco. É importante evidenciar a necessidade de adequação do jornal ao seu público (leitores, anunciantes), porque decorre daí o privilégio de um ou outro comportamento por parte do jornal. Como diz Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 52), alguns jornais se voltam para um público com hábito regular de leitura, interessado em "ler o que ocorre no mundo", já outros se dirigem a camadas mais amplas da população, oferecendo informações mais ligadas ao cotidiano popular, à prestação de serviços e ao entretenimento. Eles focalizam o "mundo do leitor". Segundo a autora (2006, p. 52, grifos seus),
Desta forma, como se tem enfatizado, os jornais populares seguem a tendência de destacar notícias que interferem no cotidiano dos leitores, que possuam uma característica dramática ou até mesmo humorística. Para se tornar notícia, um fato necessita de certos requisitos, os chamados valores-notícia, que correspondem a determinadas qualidades que podem alçá-lo à qualidade de notícia. Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 63) relaciona alguns valores-notícia fundamentais para os jornais de referência e para os jornais populares: A) Para a imprensa de referência, um acontecimento terá mais chance de ser noticiado quando:
B) Para a imprensa popular, esta chance será maior se:
Em qualquer dos segmentos, esses valores não precisam ocorrer simultaneamente, entretanto, quanto mais valores um fato comportar, tanto mais qualificado como notícia ele será. Em relação ao segmento popular, Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., grifos nossos) hierarquiza esses valores e destaca como sendo mais importantes "o entretenimento, a utilidade e a proximidade". O entretenimento, por vezes, decorre de o jornal avaliar o público como consumidor de distração e prazer, por isso este conceito está intimamente relacionado à sensação e à emoção. Cenas julgadas como escandalosas, ridículas ou insólitas são concebidas como passíveis de causar interesse no leitor. Conforme Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 64), são pelo menos quatro categorias que compõem a capacidade de entretenimento de uma notícia:
A utilidade compreende matérias que ofereçam algum tipo de informação assistencial ao leitor, referindo-se a questões de saúde, segurança, educação, economia, trabalho, etc. Este valor-notícia está ligado, na opinião de Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 69), à função que cada vez mais a mídia adota para ela de dizer aos indivíduos como devem viver, serem bons pais, amantes e profissionais. O jornal, nesse caso, torna-se imprescindível à vida das pessoas. Veja-se, pela observação do antetítulo e do título, o caso desta notícia:
O seu assunto trata de uma estratégia de hackers que enviam mensagens por e-mail prometendo imagens de Bin Laden morto. Esses e-mails, ao serem abertos, infectam o computador com um vírus e o deixa vulnerável à ação dos criminosos. A proximidade envolve uma retórica que busca autenticar o caráter popular do jornal. Sob essa ótica, o fato deve ser narrado de maneira que aproxime o leitor. Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.) classifica a proximidade em três categorias: ela pode se dar pelo conteúdo do fato, pelas personagens que envolve e pela linguagem utilizada. Com relação ao conteúdo, são de interesse das classes de menor prestígio econômico especialmente os temas relacionados a trabalho, segurança pública, televisão, futebol e matérias de interesse humano que apresentam dramas cotidianos do povo, além daquelas que privilegiam o espaço local, e não o nacional (amaral, 2006). São exemplos as seguintes manchetes, que se referem a comunidades cariocas: Terror na Vila Kennedy roda com trabucão (05/09/2011) Sem gás, CV quer 'explodir' Complexo (08/09/2011) Bonde cai, atinge um poste e deixa 5 mortos (27/08/2011) Quanto à proximidade pelos personagens, nela é ressaltada a vida do povo. Um fato pode melhor produzir impacto no leitor se for contado por uma pessoa do povo, quando há uma personalização dos problemas e/ou das soluções. Trata-se também de uma questão de representatividade. Esta característica é categorizada por Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006., p. 65) com o termo "personalização", que assim comenta:
Amaral (2006AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.) explica ainda que a adoção de tal estratégia, às vezes, gera uma extrema singularização da notícia, quando o fato diz respeito de modo muito individual a uma personagem, mas não possui um interesse coletivo, como nos seguintes títulos se pode obter uma prévia: Bilhete incrimina 'chifronésio' (29/07/2012) Doença faz mandiocão de agricultor crescer sem parar (07/04/2011) Por outro lado, as falas de testemunho ou opinião de personagens ou de autoridades no assunto tratado que fundamentam as fontes da notícia são constantemente empregadas para dar visibilidade às pessoas do povo e às suas histórias, o que garante popularidade para o jornal. Entretanto, a preferência por fontes populares, em detrimento de fontes oficiais, nem sempre garante o esclarecimento do tema. Em muitos casos, são utilizadas com função testemunhal de situações dramáticas, servindo ao sucesso da publicação. Assim, a proximidade pela linguagem se dá constantemente pelo uso do discurso direto, que, ao reproduzir a fala do povo e dos personagens diretamente envolvidos, confere credibilidade ao jornal por produzir um efeito de veracidade e seriedade da informação. O trecho que segue representa um desses casos: Fui absolvido nos dois casos. Se eu fosse bandido, estava num carro roubado", alegou Léo, que disse trabalhar como feirante e mototaxista há um ano e meio, e estava em Zafira que pertence ao cunhado. (Terror roda com trabucão na Vila Kennedy, Meia Hora, 05/09/2011.) O sentimento de proximidade pode ser obtido pelo jornal, ainda, ao introduzir o leitor no enunciado, como o subtítulo Tá com inveja? Pois saiba que ele quer ajuda do SUS para fazer cirurgia e acabar com o bonde do bilau sem freio (Doença faz mandiocão de agricultor crescer sem parar, Meia Hora, 07/04/2011), no qual outro recurso de linguagem é também aplicado: o uso de vocabulário já conhecido pelo leitor, como "bonde", na acepção de "grupo" ou, como foi apresentado há pouco, "trabucão", na acepção de "armamento pesado". Assim, muitas vezes, no jornal, algumas notícias são tratadas pelo filtro de mais de uma dessas categorias. Como se poderá observar, Papa pede pra sair comporta valores tanto de entretenimento (decorrente de um estranhamento pela associação de universos distintos) como de proximidade (pela associação do assunto noticiado a outro familiar ao universo do leitor). Nos dois casos, a intertextualidade exerce papel fundamental na produção dos sentidos pretendidos e a colocação em cena desse dispositivo pode, paralelamente, orientar a interpretação do texto. 4 INTERTEXTUALIDADE E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOSA noção de intertextualidade foi introduzida por Kristeva (1974KRISTEVA, J. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974[1969].[1969]) para discutir o procedimento de redistribuição de um texto em outros na literatura. Segundo ela, "Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de outro texto." (p. 60). Vários autores, em diversos quadros teóricos (estudos literários, pragmática, análise do discurso, linguística textual), trataram da interação estabelecida entre textos no processo de produção e de recepção. Em Análise do discurso, por exemplo, Charaudeau e Maingueneau (2004______; MAINGUENEAU, D. Intertextualidade. In: CHARAUDEAU. P; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. p. 288., p. 288, grifos dos autores) explicam que "o termo designa ao mesmo tempo uma propriedade constitutiva de qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou um grupo de textos determinado mantém com outros textos". Maingueneau (1984MAINGUENEAU, D. Genèses du discours. Liège: Mardaga, 1984., p. 83) reserva para o termo "intertexto" a porção textual citada, aludida, parafraseada etc. em outro texto. Já a "intertextualidade", para o autor, corresponde às regras de inserção desse intertexto, que podem tanto compreender o discurso em uma determinada formação discursiva, quanto o gênero discursivo. Em Linguística Textual, Beaugrande e Dressler (1981BEAUGRANDE, R. de; DRESSLER, W. Einfȕhrung in die Textlinguistik. Tȕbingen: Niemeyer, 1981.), citados por Koch (2003KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003., p. 59), apresentam sete critérios de textualidade (coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade), que são um conjunto de princípios constitutivos de todos os textos, dependentes, sobretudo, do conhecimento linguístico das pessoas. Desenvolvendo seus estudos no interior deste quadro, Koch (2003KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003., p. 59), voltando-se para a produção de sentidos na constituição dos textos, distingue intertextualidade em sentido amplo e em sentido restrito. Abarca, dessa forma, aquelas interpretações direcionadas ao estudo do discurso e outras que primam pelo estudo da textualidade. Trata em separado a noção de polifonia, fenômeno mais amplo que, até certo ponto, possui noção recíproca à de intertextualidade, mas incorpora casos fora do escopo desta última. Essa relação é considerada como restrita quando acontece entre textos efetivamente realizados. Nesse sentido, as citações, alusões a outro texto, bem como a retomada de estilos/escolas literárias constituem esse tipo de intertextualidade. Isto pode ocorrer de forma explícita, se há, por exemplo, citação do texto fonte ou de forma implícita; se não há, como em alguns tipos de paráfrase e ironia. A intertextualidade em sentido amplo corresponderia à ideia de "interdiscursividade", grosso modo, entrelaçamento de vários discursos, noção fundamental nos estudos em Análise do discurso, tal como preconizados em Pêcheux (1983)PÊCHEUX, M. A Análise de Discurso: Três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. Por uma Análise Automática do Discurso: Uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: EDUNICAMP, 1990. p. 311-319.. Também Authier-Revuz (1998)AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas - as não-coincidências do dizer. Campinas: EDUNICAMP, 1998. trabalhara com essa distinção ao discutir a heterogeneidade do sujeito, que foi subdividida pela autora em duas partes: a constitutiva, na qual postula que todo discurso resulta do entrelaçamento de diferentes discursos, e a mostrada, que se refere às formas marcadas desses entrelaçamentos (discurso direto, uso de aspas, etc.) Bakhtin (2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 292) nos explica que quando tomamos uma palavra e a enunciamos, não o fazemos tomando-a sempre do sistema da língua, em sua forma neutra. Fazemos isto a partir de outros enunciados e, antes de tudo, congêneres ao nosso (pelo tema, composição, estilo). Como diz o autor (2003, p. 293), "as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de enunciações individuais alheias, mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos dessas enunciações individuais". Esse contato com o enunciado do outro adquire novos matizes na situação concreta. Para Bakhtin (2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 294), pode-se dizer que qualquer enunciado existe para o falante em três aspectos: como unidade do sistema; como unidade alheia, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como unidade do próprio enunciador, que o incorpora como sua no momento da enunciação. Ele explica ainda que as experiências individuais de qualquer um se desenvolvem em interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros, que trazem em si seu tom valorativo e são assimilados, reelaborados e reacentuados. Por fim, Koch e Elias (2008KOCH, I.; ELIAS, V. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008., p. 78), acerca da interpretação, asseveram que, por outro lado, a produção do novo texto conterá ecos do texto-fonte, que se farão ouvir (ou não) dependendo dos conhecimentos do leitor. Quer dizer, a ativação do texto-fonte, o seu reconhecimento, é condição necessária para a construção de sentidos. 5 RELAÇÕES INTERTEXTUAIS NA ELABORAÇÃO DE TÍTULOS DO JORNAL MEIA HORA5.1 CONTEXTUALIZAÇÃOTerça-feira de Carnaval, dia 12/02/2013. Em todo o país, as atenções estão voltadas para a festividade popular. No Rio de Janeiro, os blocos e o desfile das escolas de samba recebem a maior parte da atenção das mídias. Em meio a esta efervescência pagã, a tudo o quanto noticiar, um acontecimento divide com o Carnaval as principais páginas dos jornais: o Papa Bento XVI anuncia a sua renúncia ao cargo mais alto da Igreja Católica. No mundo, alguns dos principais jornais transformam este acontecimento em notícia e a ele dedicam as suas capas: The New York Times: "Pope Benedict XVI will step down"2 Papa Bento XVI vai deixar o cargo ; El país: "El Papa renuncia"3 Papa renuncia ; Corriere Della Sera: "Il Papa si dimette dal Pontificado"4 Papa se demite do pontificado ; The Washington Post: "Pope Benedict to resign"5 Papa Bento se demite ; Le Figaro: "Le pape Benoît XVI annonce sa démission"6 Papa Bento XVI anuncia sua renúncia ; e Clarín.com: "Renuncia el Papa Benedicto XVI: dice que ya no tiene fuerzas"7 Papa Bento XVI renuncia: diz que já não tem forças No Brasil, onde não foi diferente, nos grandes jornais surgiram as seguintes manchetes: O Globo: O sagrado: "Trono vazio no Vaticano" O Estado de S.Paulo: "Fragilizado, Bento XVI surpreende e renuncia" Correio Brasiliense: "Renúncia do Papa expõe dilema da Igreja Católica" Estado de Minas: "11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes - Padroeira dos enfermos - Papa Bento XVI renuncia" Jornal do Commércio: "Papa renuncia" Zero Hora: "Já não tenho forças" No segmento popular, no Rio de Janeiro, o jornal Meia Hora, famoso por suas capas irreverentes, apresenta a manchete "O Papa que nos perdoe... mas é Carnaval!", complementada pelo subtítulo "No dia em que Sua Santidade deixou o cargo, um timaço de mulheres lindas cruzou a Sapucaí. Com todo respeito a Bento 16, o Meia Hora mostra as beldades da folia", dando, assim, relevo à cobertura da festa no Rio. A relevância dada ao Carnaval, sobretudo pelo recorte adotado no tema, reflete a projeção do público-alvo feita pelo jornal e reafirma a importância atribuída ao local em detrimento do global, bem como a temas mais próximos do mundo real do leitor, características do segmento popular (Amaral, 2006)AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006. e do contrato de comunicação (Charaudeau, 1996)CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. Tradução de Agostinho Dias Carneiro. In: CARNEIRO, A. D. (Org). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. p. 5-43. em que se inserem as instâncias de produção e de recepção. Dessa forma, já na página 24, ressalvada a ordem de importância operada na capa do jornal, o acontecimento é noticiado como segue:
5.2 UMA LEITURA INTERTEXTUAL DO TÍTULOComo se pode atestar diariamente, o jornal Meia Hora não se caracteriza por uma tendência de apresentar os fatos opinativamente como é mais comum nos jornais de referência. Suas notícias tendem a ser linguisticamente organizadas mais em construções narrativas e expositivas, e menos em argumentativas, característica, dentre outras, dos jornais ditos populares (Amaral, 2006)AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.. Entretanto, isto não significa que o jornal se ausente totalmente quanto a posicionar-se diante de um acontecimento. Se, por um lado, nesse jornal, o corpo do texto da notícia não apresenta comumente um recorte opinativo que conduza o leitor, por outro, é possível ser no título que isto "clandestinamente" ocorra, o que talvez configure, então, um estilo do jornal. Interessa-nos, sobremaneira, observar o recurso de construção de sentidos adotado no título, que a nosso ver, por hipótese, exemplificaria como, a partir da construção de um título, pode-se sugerir ao leitor um julgamento do fato sobre o qual seria comum o jornal titular apenas sobrepondo alguns efeitos estilísticos, como lhe é característico. Assim, no caso em tela, é o estabelecimento de uma relação intertextual a partir do título com o filme Tropa de Elite 8 O Filme de 2007, dirigido por José Padilha, alcançou enorme bilheteria e deu origem a Tropa de Elite II, a maior bilheteria da história do cinema nacional. que constrói uma orientação argumentativa direcionando o modo de o leitor interpretar a notícia. Verón (2004VERÓN, E. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004., p. 134) explica que a operação intertextual pode permanecer nos limites de um mesmo campo semântico, como o cinema, a política; ou pode envolver uma transferência entre campos semânticos heterogêneos, p. ex., do teatro à política, etc. Nessa transferência, o enunciado Papa Bento 16 pede pra sair evoca a situação discursiva do filme, traz consigo os ecos daquela enunciação (Bakhtin, 2003)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003., na qual a fala do Capitão Nascimento (interpretado pelo ator Wagner Moura) "Pede pra sair" é repetida várias vezes, ordenando que os recrutas designados por 01, 02...etc. (diga-se, anônimos, sem dignidade) desistam e renunciem ao curso de formação de soldados do BOPE (Batalhão de Operações Especiais). Comutativamente, "pede pra sair" pode ser substituído, em primeira instância, por "renuncia". No entanto, considerada uma leitura mais profunda e destacado o aspecto argumentativo do título, nele pode-se remontar ao sentido atribuído no filme, ou seja, "desiste", "acovarda-se" ou então, por último, "cede à pressão", que a enunciação efetiva, a realização do título, pode sugerir como imposição pela insatisfação por parte de alguma instância interior à Igreja ou exterior a ela, como a opinião pública, a dos fiéis. Assim, de forma similar, paradigmaticamente, "Papa Bento 16" poderia ser substituído por 01, 02..., etc. Quer dizer, num primeiro momento, aparentemente o título nos parece inocente, mas quando encarado por uma perspectiva intertextual, pode sugerir vinculações a outros discursos em voga na agenda política internacional que envolvem a Igreja Católica (por extensão, o seu dirigente) e que se circunscrevem em torno de assuntos como uso de preservativos e legalização do casamento entre homossexuais, entre outros, questionando o papel da Igreja no mundo atual. Ademais, não obstante os temas que se lhe apresentam como desafio, a Igreja enfrenta ainda problemas internos, como casos de pedofilia envolvendo seus membros e vazamento de documentos confidenciais, situações veiculadas nas várias mídias. Evidentemente, não podemos desconsiderar o fato de que o reconhecimento de uma relação intertextual na atividade de processamento do texto e de posterior atribuição de coerência a ele dependa do conhecimento de cada leitor, da ativação do texto-fonte na sua memória discursiva, o que, também por hipótese, pode não ocorrer. Embora isto seja possível, cabe refletirmos sobre a forte presença do intertexto com o qual se vincula a notícia, um filme assistido por uma enorme quantidade de pessoas e que aborda, entre outros temas, a violência na cidade do Rio de Janeiro, principalmente nas favelas, temática que não passa despercebida aos olhos do leitor, por se referir diretamente ao cotidiano de boa parte deste público consumidor do jornal em questão. Considerada a possibilidade de ativação do intertexto e os possíveis sentidos dela decorrentes, projetamos nossa reflexão sobre outros aspectos quanto ao recurso adotado. Conforme resultados de pesquisa desenvolvida (Costa, 2013)COSTA, W.A.S. Do título ao texto/ Do texto ao título: o processo de estabilização da referência em notícias do jornal Meia Hora. 2013. 212f. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem) - Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013., observamos em títulos do jornal Meia Hora o emprego de diversos recursos linguísticos (estilísticos ou não), com contornos humorísticos e satíricos, que, por vezes, desviam/distanciam o título do assunto a ser noticiado. Por esta razão, justificamos tal peculiaridade como um recurso de captação do leitorado. Identificamos, na notícia sob foco, na construção do seu título, também um movimento nesta mesma direção, com a diferença de que nela assunto e título estão em acordo. O título, paralelamente, seria o espaço reservado pelo jornal para, de forma atraente, sugerir alguma opinião (quando conveniente), em vez de desenvolvê-la de maneira longa no decorrer do texto, o que poderia infringir o contrato de comunicação entre jornal e leitor desse segmento. Dessa forma, via corpo do texto, o leitor poderia reunir informações acerca do fato, no entanto filtradas pela subjetividade do redator. Em razão disto, a intertextualidade seria estratégia cognitiva eficaz. Assim, o intertexto teria esta dupla função: atender a uma necessidade mercadológica de captação do leitor (pelo nível de linguagem, pela associação estabelecida) e carrear no título um conteúdo argumentativo não desenvolvido pelo corpo do texto da notícia - mais expositivo. 6 CONSIDERAÇÕES FINAISO uso do intertexto "pede pra sair" revela, assim, o ponto de vista pelo qual o fato foi enunciado e, antes, como foi apreendido pelo sujeito comunicante. Trata-se de um dizer implícito capaz de economicamente superpor ou perpassar um conteúdo valorativo à notícia, que pode ser "captado" pelo leitor como sentido, mas talvez não ser reconhecido como recurso na superfície (palpável) do texto. Na observação dessa ocorrência, ressalte-se que o uso de um intertexto, bem como o sentido a partir dele almejado, não pode prescindir da reflexão sobre a sua propriedade/impropriedade ao leitor, pois um cálculo mal realizado sobre as possibilidades de processamento pelo grupo a que se destina o texto pode fazer fracassar o ato de comunicação. Esta projeção que a instância de produção executa sobre o público-alvo precisa considerar a aludida possibilidade de atingir o leitor-efetivo para, então, obter os efeitos pretendidos. Assim, pautamo-nos na operação de intertextualidade tanto restrita (pela presença da fala da personagem Capitão Nascimento, que constitui o intertexto propriamente dito, mesmo sem o auxílio de aspas, o que demonstra a atualidade do texto-fonte na memória discursiva dos espectadores do filme, do redator e leitores do jornal) quanto ampla (pelo entrelaçamento de discursos outros, sobretudo no âmbito da política, da religião na edificação dos sentidos do texto). Cremos que a partir de então foi possível demonstrar que a ativação do intertexto pelo leitor pode implicar diversos sentidos dele decorrentes, tal como relacionar, por exemplo, a renúncia do Papa a uma suposta crise na sua gestão. Por fim, além disso, acerca de a estratégia ser localizada no título, concluímos que o intertexto é uma estratégia cognitiva eficaz mobilizada intencionalmente para evitar que ocorra no corpo do texto uma argumentação evidente e, talvez, longa, o que infringiria o contrato de comunicação entre jornal e leitor desse segmento. Por que foi feita essa distinção no título e no subtítulo?título é uma frase que resume o texto inteiro com poucas palavras para que se possa ter uma ideia do que se vai ler tendo um grande destaque. já o subtítulo acrescenta informações a mais, para o leitor se informar mais do que estará por vir, porém tendo menos destaque do que o título.
Qual é a relação entre o título é o subtítulo?A função do subtitulo é exatamente essa:complementar o sentido do titulo e deixa-lo mais elucidativo. E o titulo é o nome do texto,da fabula,etc.. Como se fosse um curriculum falando seu nome,e algumas coisas sobre você!
Qual é a função do título e do subtítulo no texto explique sua resposta?Título: chamada ou manchete para o conteúdo; precisa ser objetivo e trazer uma noção do conteúdo ao leitor. Subtítulo: em poucos caracteres, acrescenta informações complementares ao título. Lide (lead): o lide ou lead (em inglês), em termos jornalísticos, é a introdução e apresentação do conteúdo.
Que tempos verbais são utilizados no título e no subtítulo por que é feito esse uso?No título, é usado o presente do indicativo e, no subtítulo, são empregados verbos no pretérito perfeito do indicativo. É feito esse uso para provocar o efeito de atualidade ou de situação ocorrida há pouco tempo.
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