Na primeira estrofe, a repetição do verso Já raiou a liberdade demonstra

Literatura - 1o ano

A Arte Literária

Segundo o pintor espanhol Pablo Picasso, “a arte é a mentira que revela a verdade.”
Já para o poeta e crítico de arte brasileiro, Ferreira Gullar, “a arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa, nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das idéias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo.”
A literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, uma ficção; é a realidade recriada através da visão de mundo do artista.
Através das obras literárias tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades das mesma condição humana.

TEXTO 1 – Autopsicografia – Fernando Pessoa (poeta português)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

TEXTO 2 – Poética – Cassiano Ricardo (poeta brasileiro)

I
Que é poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.

II
Que é poeta?
um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.

TEXTO 3 – Sem Título – Isac Machado de Moura

A poesia é como um pássaro que voa,
que corre: foge e se aproxima
com ou sem rima
em versos corridos:
brancos ou coloridos;
que ama e critica
em rima pobre ou rica.
O poeta é qual viveiro convidativo
onde o pássaro poesia repousa
e ousa inspirar.
O poeta inspirado faz sonhar...
refletir,
chorar ou sorrir
sob a magia do verso
“avesso do avesso”
enfrentando um preço
que ninguém quer pagar:
o preço da cultura
clássica ou popular.

Exercícios

1. Com base no texto de Cassiano Ricardo (parte I), podemos afirmar que:
a) A criação poética exige isolamento e trabalho.
b) A criação poética não exige esforço; é fruto exclusivo da inspiração.
c) Só o convívio com outras pessoas possibilita a criação poética.
d) A beleza da arte nada tem de comum com a realidade.

2. Ainda baseado no mesmo texto, assinale a alternativa que melhor se relaciona com ele:
a) A criação poética exige esforço.
b) A forma poética deve traduzir o esforço exigido na sua elaboração.
c) O texto poético exige sobriedade.
d) O texto poético é o oposto da simplicidade.

3. Pode-se depreender do texto I, de Fernando Pessoa:
a) A divinização do poeta.
b) A dessacralização do poeta.
c) A desvalorização do poeta.
d) A ultravalorização do poeta.

4. Ainda de acordo com o texto I:
a) A poesia é feita de sofrimento.
b) A poesia exige isolamento.
c) A poesia se faz com palavras.
d) A poesia é privilégio de poucos.

5. A palavra ilha, empregada no texto de Cassiano Ricardo (parte I):
a) Está usada no sentido próprio.
b) Está usada em sentido figurado.
c) significa isolamento.
d) d) é sinônimo de poeta.

6. De acordo com o texto 2 (parte I), a criação poética:
a) É fruto exclusivo da inspiração.
b) Se faz de acontecimentos.
c) Se faz exclusivamente de emoções.
d) Exige elaboração técnica.

7. A repetição da palavra homem, na segunda estrofe do texto 2:
a) Não traz qualquer efeito expressivo.
b) Contribui para a expressividade.
c) É apenas ocasional.
d) É exigida pela rima.

8. O título da composição de Cassiano Ricardo:
a) É perfeitamente dispensável no texto.
b) Importa para a compreensão plena do texto.
c) Não se relaciona com o tema do texto.
d) Só se refere a primeira parte do poema.

9. Assinale a única afirmação absurda:
a) Língua, cultura e literatura mantêm estreitas relações.
b) Língua, cultura e literatura não têm nenhuma relação.
c) A língua é a linguagem de uma comunidade.
d) Só existe literatura onde há um povo que pensa, sente, age e se expressa através de uma língua.

10. Considerando o texto 3, de Isac M. Moura, marque C para certo ou E para errado.
a) ( ) O poeta é uma pessoa capaz de sentir emoções (chorar, sorrir).
b) ( ) O mais importante na poesia é o conteúdo e não a forma.
c) ( ) O mais importante na poesia é a forma e não o conteúdo.
d) ( ) A rima é fundamental.
e) ( ) O poeta pode enfrentar problemas financeiros quanto a aceitação da sua arte.
f) ( ) O poeta é um ser sobrenatural.
g) ( ) O poeta é humano.

11. Com relação ao texto de Fernando Pessoa, responda as questões a seguir:
a) Na primeira estrofe do poema, o autor trabalha com um jogo de palavras. Quais são essas palavras?

b) Explique a relação estabelecida na última estrofe entre coração e razão.

Texto literário e texto não-literário

Por que será que alguns textos são chamados de literários e outros não? Será que um texto literário precisa ter versos e palavras bonitas? Precisa ter rimas e metáforas?
Não é bem assim. O texto, para ser literário, precisa ter uma linguagem literária, ou seja, uma linguagem que saia do comum, da mera função referencial.

TEXTO 01

“Diariamente, duas horas antes da chegada do caminhão da prefeitura, a gerência (de uma das filiais do Mc Donald’s) deposita na calçada dezenas de sacos plásticos recheados de papelão, isopor, restos de sanduíches. Isso acaba propiciando um lamentável banquete de mendigos. Dezenas deles vão ali revirar o material e acabam deixando os restos espalhados pelo calçadão.” (Veja SP, 23-29/12/92)

TEXTO 02 - O Bicho – Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Exercícios

1. Linguagem literária ou não-literária (referencial)?

a) “O homem velho deixa vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais.”

b) “Para o mundo quando era quinhentos anos mais novo, os contornos de todas as coisas pareciam mais nitidamente traçados do que nos nossos dias. O contraste entre o sofrimento e a alegria, entre a adversidade e a felicidade parecia mais forte.”

c) “A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor.”

d) “Autoridades culturais italianas estão tentando levantar fundos (com participação internacional) para desenterrar e recuperar os tesouros arqueológicos da cidade de Herculano, destruída com Pompéia pelo vulcão Vesúvio (sul de Nápoles).

PROSA E VERSO

PROSA – organização natural da linguagem humana, fala cotidiana; é a forma típica da linguagem não-literária, o que não significa que não haja prosa literária. A prosa está para a nossa vida diária como caminhar e falar.

VERSO – forma artificial da linguagem; não constitui nossa maneira usual de falar ou escrever; o texto escrito em verso apresenta ritmo especial, musicalidade, rima; linguagem literária. O verso está para a nossa vida diária como dançar e cantar.

TEXTO 01 – PROSA LITERÁRIA – Cecília Meireles

“A quinhentos metros, os vossos belos olhos desaparecem; e essa claridade do vosso rosto; e a fascinação da vossa palavra. É uma pena (eu também acho que é uma pena!), mas, a quinhentos metros, tudo se torna muito reduzido: sois uma pequena figura sem pormenores; vossas amáveis singularidades fundem-se numa sombra neutra e vulgar. Ao longe, caminhais como qualquer pessoa – e até como certas aves: é o que resta de vós: esse ritmo, na imensa estrada que também se vai projetando, estreita e indistinta, sobre o horizonte.”

TEXTO 02 – VERSO – Carlos Drummond de Andrade

João amava tereza que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento.
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história.

REESCRITURA: Reescreva o texto 1 em verso e o 2 em prosa.

FUNÇÕES DA LITERATURA ENQUANTO ARTE

LÚDICA: Tem por objetivo divertir, proporcionar prazer. Para os gregos a arte tinha uma função hedonística, ou seja, devia causar prazer, retratando o belo. Para eles, o belo, na arte, ocorria na medida em que a obra era verossímil, isto é, semelhante à verdade ou à natureza.

“De repente do riso fez-se pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.”
(Vinícius de Morais)

PARADIGMÁTICA: Tem por objetivo convencer, ensinar, denunciar. Como toda arte, a literatura está vinculada à sociedade em que se origina. Não há artistas indiferentes à realidade, pois, de alguma forma, todos participam dos problemas vividos pela sociedade, apesar das diferenças de interesses e de classe social. Por vezes, a literatura assume formas de denúncia social, de crítica à realidade; trata-se de uma literatura engajada, que serve a uma causa político-religiosa ou a uma luta social.

“Provisoriamente não cantaremos o amor
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro...”
(Carlos Drummond de Andrade)

SINTONIZADORA: Tem por objetivo estabelecer ligação entre os homens de diferentes épocas. Sendo a literatura a arte da palavra e esta, a unidade básica da língua, podemos dizer que a literatura, assim como a língua que utiliza, é um instrumento de comunicação e por isso, cumpre também o papel social de transmitir os conhecimentos e a cultura de uma comunidade. Apesar de estar ligada a uma língua, que lhe serve de suporte, a literatura não está presa a ela, usando-a livremente, chegando a subverter suas regras e o sentido de suas palavras.

“Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio teria despido / o português.” (Osvald de Andrade)

COGNITIVA: Como transcrição da realidade, a literatura não precisa, necessariamente, estar presa a ela. Tanto o escritor quanto o leitor fazem uso de sua imaginação: o artista recria livremente a realidade, assim como o leitor recria livremente o texto literário que lê. O leitor em vez de ser considerado um elemento passivo, alguém que simplesmente recebe o texto, deve ser visto como participante, uma vez que também usa sua imaginação para ler a obra e recriá-la.

Ex.: Autopsicografia, de Fernando Pessoa, já transcrito nesta apostila.

CATÁRTICA: Tem por objetivo liberar as pressões e as emoções; é uma espécie de desabafo.
“Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você
Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua,
Olhos nos olhos, quero ver o que
Você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz.

(Chico Buarque de Holanda)

LIBERADORA DO EU: Confunde-se com a função catártica; reflete uma fuga da realidade por desajuste ou discordância.
“Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija.”

(Augusto dos Anjos)

Exercícios

1. Confronte as duas informações a seguir:
a) “Se a literatura de uma nação entra em declínio, a nação se atrofia e decai.”
b) “O Brasil é um país de milhões de analfabetos e mesmo os alfabetizados lêem pouco. Os livros novos dos melhores escritores brasileiros raramente alcançam uma tiragem superior a dez mil exemplares.”

2. Marque V ou F.

a) ( ) A obra literária é a repetição do real.
b) ( ) O artista tem compromisso apenas consigo mesmo.
c) ( ) A obra literária é uma espécie de evasão.
d) ( ) A noção de belo pode ser representada por uma série de conceitos, de acordo com a noção de cultura de cada um.
e) ( ) A função catártica da literatura tem a ver com o conceito de belo.
f) ( ) A função lúdica da literatura tem a ver com deleite e diversão.
g) ( ) Pode-se afirmar que tudo aquilo que se escreve é literatura.

3. Relacione as funções da literatura com seus objetivos.

A – lúdica
B – paradigmática
C – sintonizadora
D – cognitiva
E – catártica
F – liberadora do eu

( ) comunicação
( ) desabafo
( ) evasão
( ) deleite
( ) convencer, esninar
( ) imaginação

4. Fale sobre a função social da literatura.

FORMA E CONTEÚDO

Todo texto literário apresenta dois planos essenciais: o plano da forma (construção do texto: vocabulário, sintaxe, sonoridade, imagens, disposição das palavras no papel) e o do conteúdo (as idéias). Ambos atuam juntos no texto, de forma que uma alteração num dos planos implica alteração no outro.

ESTILO INDIVIDUAL e ESTILO DE ÉPOCA

ESTILO INDIVIDUAL: são determinadas características de expressão que identificam cada escritor.

ESTILO DE ÉPOCA: conjunto de características específicas e semelhantes que se refletem na arte, na ciência, na religião e nos costumes em geral de determinada época. Os estilos de época, em geral, consideram:
· gêneros preferidos dos autores e do público;
· padrões de linguagem dominantes nas obras;
· processo de criação específico de cada autor;
· valores estéticos, morais, religiosos, políticos, sociais, ou seja, a temática vigente.

Visão geral dos estilos de época da literatura brasileira:

QUINHENTISMO: 1500 – 1601
- Exaltação e descrição da nova terra;
- Religiosidade;
- Egocentrismo;
- Grandes descobertas;

BARROCO: 1601 – 1768
- Conflito, contraste;
- Pessimismo;
- Cultismo e Conceptismo;
- Reforma e Contra-Reforma;

ARCADISMO/NEOCLASSICISMO: 1768 – 1808
- Busca do natural;
- Reação ao Barroco;
- Volta aos moldes clássicos da Grécia;
- Revolução Francesa e Iluminismo;

ROMANTISMO: 1836 – 1881
- Nacionalismo, indianismo;
- Subjetivismo, sentimentalismo;
- Volta à Idade Média; vinda da Família Real para o Brasil;

REALISMO/NATURALISMO/PARNASIANISMO: 1881 – 1893
- Reação ao Romantismo;
- Objetivismo, cientificismo, racionalismo;
- Industrialização;
- Poesia parnasiana: o culto da forma;

SIMBOLISMO: 1893 – 1903
- Subjetivismo;
- Busca do inconsciente, metafísica;
- Primeira Guerra Mundial;

PRÉ-MODERNISMO: 1903 – 1922
- Engajamento político;
- Movimentos de Vanguarda Européia;
- Denúncia da realidade brasileira;

MODERNISMO: 1922....
- 1a geração(1922 – 1930): destrutivismo, radicalismo;
- 2a geração(1930 – 1945): estabilização, equilíbrio;
- 3a geração(1945 – 1960): regionalismo, universalidade temática;
- Pós-modernismo: atual

Origem da Literatura em Portugal

Antes das primeira manifestações literárias no Brasil, registramos, em Portugal, três estilos de época: Trovadorismo, Humanismo e Classicismo. O primeiro, em plena Idade Média; o segundo, na transição da Idade Média para o Renascimento e o terceiro, já no Renascimento.

O TROVADORISMO PORTUGUÊS: 1189 – 1418

Utilizando o dialeto galego-português, os trovadores nos legaram dois tipos de cantigas:

LÍRICO-AMOROSA: cantiga de amor e cantiga de amigo;

SATÍRICA: cantiga de escárnio e cantiga de maldizer.

Cantiga de Amor

· O trovador assume o eu-lírico masculino: é o homem quem fala;
· A mulher é um ser superior, pertence a uma categoria social mais elevada que a do trovador;
· Expressa a coita(dor, sofrimento) amorosa do trovador, por amar uma mulher inacessível, que não lhe corresponde e a quem rende vassalagem amorosa

TEXTO 01 – da época – DOM DINIS

Você me proibiu, senhora,
de que lhe dissesse qualquer coisa
sobre o quanto morro por sua causa.
Mas então me diga,
Por Deus, Senhora: a quem falarei
o quanto sofro e já sofri por você
senão a você mesma?

Ou a quem direi o meu amor
Se eu não o disser a você?
Calar-me não é o que quero
Mas dizê-lo também não adianta.
Sofro tanto de amor por você.
Se eu não lhe falar sobre isso
Como saberá o que sinto?

Ou a quem direi o sofrimento/ que me faz sofrer,
se eu não for dizê-lo a você? / Diga-me: o que faço?
E, assim, se Deus lhe perdoa, / coita do meu coração,
a quem direi o meu amor?


TEXTO 02 – atual, com características de cantiga de amor - Roberto Carlos

Eu tenho tanto pra te falar,
mas com palavras não sei dizer
como é grande o meu amor por você.
E não há nada pra comparar
para poder lhe explicar
como é grande o meu amor por você.
Nem mesmo o céu, nem as estrelas,
nem mesmo o mar e o infinito,
Não é maior que o meu amor,
Nem mais bonito.
Eu desespero a procurar
Alguma forma de lhe falar
Como é grande o meu amor por você.
Nunca se esqueça nenhum segundo
Que eu tenho o amor maior do mundo,
Como é grande o meu amor por você.

Cantiga de Amigo

· O trovador assume o eu-lírico feminino: é a donzela quem fala;
· A mulher campesina ou urbana é de nível social baixo;
· Expressa o sentimento de quem sofre por sentir saudade do amigo (namorado) que foi combater os mouros invasores.

TEXTO 01 – da época – MARTIN CODAX

Tenho notícias
de que hoje chega o meu namorado
e irei, mãe, a Vigo.

Tenho notícias
de que hoje chega o meu amado
e irei, mãe, a Vigo.

Hoje chega o meu namorado
e está são e vivo
e irei mãe, a Vigo.

Hoje chega o meu amado
E está vivo e são

E irei, mãe, a Vigo.

Está são e vivo
E amigo do rei
E irei, mãe, a Vigo.

Está vivo e são
E é da confiança do rei
E irei, mãe, a Vigo.

TEXTO 02 – atual, com características de cantiga de amigo – Chico Buarque

Oh pedaço de mim
Oh metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh pedaço de mim
Oh metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor... Adeus.

Exercícios

1. O texto de D. Dinis é uma cantiga de amor e o texto de Martin Codax, uma cantiga de amigo. Comparando os 2 textos, responda:

a) Quem é o eu-lírico, ou seja, o emissor da mensagem de cada um dos textos?

b) Com quem fala e de que fala o eu-lírico de cada texto?

c) Qual dos textos apresenta maior complexidade de idéias e maior profundidade de sentimentos?

d) Como é tratado o sentimento amoroso em cada um dos textos?

2. O texto de Roberto Carlos apresenta características de uma cantiga de amor, já o de Chico Buarque apresenta características de uma cantiga de amigo. O que há de diferente ou de semelhante entre eles quanto ao sentimento amoroso?

3. Nas cantigas de amigo é comum a presença de uma confidente (a mãe ou uma amiga) a quem a jovem namorada segreda os seus sofrimentos amorosos. Contudo, em razão da ausência do homem, que ia lutar contra os mouros, algumas vezes a mãe aparece com autoridade para vigiar e controlar os namoros da filha.

a) No texto de Martin Codax, com que objetivo a jovem informa a mãe que vai a Vigo, ao encontro do namorado?

b) No mesmo texto, que versos da cantiga poderiam despertar na mãe o interesse em que a filha fosse a esse encontro? Justifique sua resposta.

4. A relação amorosa observada no texto de D.Dinis pode ser associada às relações de vassalagem existentes na sociedade medieval.

a) A quem corresponde a figura do suserano, no caso do texto?

b) A quem corresponde a figura do vassalo?

Cantiga de Escárnio

· Cantiga de caráter satírico em que o ataque acontece indiretamente por intermédio da ironia e do sarcasmo;
· Tem por objetivo criticar pessoas, costumes e acontecimentos sem revelar o nome da “vítima”;

TEXTO 01 – da época - Joan Airas de Santiago

Uma dona, não vou dizer qual,
teve um forte agouro,
pelas oitavas de Natal:
saía de casa para ir à missa,
mas ouviu um corvo carniceiro
e não quis mais sair de casa.

A dona, de um coração muito bom,
ia à missa
para ouvir seu sermão,
mas veja o que a impediu:
ouviu um corvo sobre si
e não quis mais sair de casa.
A dona disse: - E agora?
O padre já está pronto
e irá maldizer-me
se não me vir na igreja.
E disse o corvo: - Quá a cá
e ela não quis mais sair de casa.

Nunca vi tais agouros,
desde o dia em que nasci,
como o que ocorreu neste ano por aqui:
ela quis tentar partir,
mas ouviu um corvo sobre si
e não quis mais sair de casa.

TEXTO 02 – atual, com características da cantiga de escárnio – Chico Buarque

A GALINHA

Todo ovo
Que eu choco
Me toco
De novo
Todo ovo
É a cara
É a clara
Do vovô
Mas fiquei bloqueada
E agora
De noite
Só sonho
Gemada
A escassa produção
Alarma o patrão
As galinhas sérias
Jamais tiram férias
“Estás velha, te perdôo
Tu ficas na granja
Em forma de canja”
Ah!!!
É esse o meu troco
Por anos de choco
Dei-lhe uma bicada
e Fugi, chocada
Quero cantar
Na ronda
Na crista
Da onda
Pois um bico a mais
Só faz mais feliz
A grande gaiola
Do meu país.

Cantiga de Maldizer

· Cantiga de caráter satírico em que o ataque acontece de maneira direta;
· Tem por objetivo criticar pessoas, costumes ou acontecimentos citando o nome do elemento envolvido.

TEXTO 01 – da época – Pero da Ponte

Quem a sua filha quiser dar
uma profissão com que
possa prosperar
há de ir a Maria Dominga,
que lhe saberá muito bem mostrar;
e vos direi o que lhe fará:
antes de um mês lhe ensinará
como rebolar as ancas.

E já lhe vejo a ensinar e sustentar
uma filha sua;
e quem observar bem suas artes
pode afirmar isto:
que de Paris até aqui
não há mulher
que rebole melhor.

E quem deseja enriquecer
não ponha sua filha a fazer
trabalhos manuais;
enquanto esta mestra aqui estiver
ela lhe ensinará a profissão certa
para que seja uma mulher rica,
a não ser que lhe faltem homens.
como rebolar as ancas.

Deve-se saber disso,
para aprender essas artes;
além disso, pode-se aprimorar
cada vez mais na profissão;
e depois que aprender tudo muito bem,
irá sustentar-se como puder;
Sustentar-se com seu próprio trabalho.

TEXTO 02 – atual, com características de cantiga de maldizer – Chico Buarque

GENI E O ZEPELIM

De tudo que é nego torto,
do mangue e do cais do porto,
ela já foi namorada.
O seu corpo é dos errantes,
dos cegos, dos retirantes,
é de quem não tem mais nada.
Dá-se assim desde menina
na garagem, na cantina,
atrás do tanque, no mato.
É rainha dos detentos,
das loucas, dos lazarentos,
dos moleques do internato
e também vai amiúde
com os velhinhos sem saúde
e as viúvas sem covil.
Ela é um poço de bondade
e é por isso que a cidade
vive sempre a repetir:
Joga pedra na Geni,
ela é feita pra apanhar,
ela é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um,
maldita Geni.

Um dia surgiu brilhante
entre as nuvens flutuantes
um enorme zepelim;
pairou sobre os edifícios,
abriu dois mil orifícios
com dois mil canhões assim.
A cidade apavorada
se quedou paralisada
pronta pra virar geléia,
mas do zepelim gigante
desceu o seu comandante
dizendo: mudei de idéia;
quando vi nesta cidade
tanto horror, iniquidade,
resolvi tudo explodir,
mas posso evitar o drama
se aquela formosa dama
esta noite me servir.
Essa dama era Geni,
mas não pode ser Geni,
ela é feita pra apanhar,
ela é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um...
maldita Geni.
Mas de fato logo ela,
tão coitada, tão singela
cativar o forasteiro!
Um guerreiro tão vistoso,
tão temido e poderoso
era dela prisioneiro.
Acontece que a donzela,
isso era segredo dela,
também tinha seus caprichos:
a deitar com homem tão nobre,
tão cheiroso, a brilhar cobre,
preferia amar com os bichos.
Ao ouvir tal heresia
a cidade em romaria
foi beijar a sua mão:
o prefeito de joelhos,
o bispo de olhos vermelhos
e o banqueiro com um milhão.

Vai com ele, vai Geni,
você pode nos salvar,
você vai nos redimir,
você dá pra qualquer um...
bendita Geni.
Foram tantos os pedidos
tão sinceros, tão sentidos,
que ela dominou seu asco,

nessa noite lancinante
entregou-se a tal amante
como quem nasceu carrasco.
E ele fez tanta sujeira,
lambuzou-se a noite inteira
até ficar saciado
e nem bem amanhecia
partiu numa nuvem fria

com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
ela se virou de lado
e tentou até sorrir,
mas logo raiou o dia
e a cidade em cantoria
não deixou ela dormir.
Joga pedra na Geni,
joga bosta na Geni,
ela é feita pra apanhar,
ela é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um...
maldita Geni.

Exercícios

1. Os textos de Joan Airas de Santiago e de Pero da Ponte fazem uma crítica moral a determinada senhora da sociedade portuguesa da época. O que se critica nessas mulheres em cada uma das cantigas?

2. Embora haja semelhança quanto ao assunto, os textos citados na questão anterior diferem entre si pela forma como fazem a crítica.

a) Qual dos textos emprega uma linguagem mais direta e vulgar?

b) Qual deles faz uso de uma linguagem cheia de ambiguidades, trocadilhos e insinuações?

c) Em qual dos textos predomina a ironia leve e sutil? E a zombaria?

d) Em qual deles o nome da pessoa satirizada é identificado.

3. Coube ao século XIX, a descoberta surpreendente da nossa primeira época lírica. Em 1904, com a edição crítica e comentada do Cancioneiro da Ajuda, feita por Carolina Michaelis de Vasconcelos, tivemos a primeira grande visão de conjunto do valiosíssimo espólio descoberto.

a) Qual é essa “primeira época lírica” portuguesa?

b) Que tipos de composição poética se cultivaram nessa época?

4. No texto GENI E O ZEPELIM, de Chico Buarque, observamos que Geni é uma mulher de carne e osso. Como era a mulher observada nas cantigas de amor?

5. O que você entendeu do texto GENI E O ZEPELIM? Faça um resumo das idéias principais.

A PROSA TROVADORESCA

Em Portugal, a prosa começou a surgir entre o século XIV e o início do século XV, na forma de hagiografias, nobiliários, cronicões e novelas de cavalaria.
As novelas de cavalaria resultam da transformação em prosa das canções de gestas, poemas que narravam heróicas aventuras de cavaleiros andantes. Seus temas são as aventuras fantásticas de cavaleiros lendários e destemidos, que liquidavam monstros e malvados em batalhas sangrentas, por Deus e pelo amor de uma donzela.

HUMANISMO: 1418 - 1527

A produção literária portuguesa da segunda época medieval representa um momento de transição entre a literatura trovadoresca e o Renascimento, do século XVI. Como em toda transição, o velho e o novo conviviam. Dessa forma, ao mesmo tempo que se mantinham alguns aspectos das cantigas (a idealização amorosa, por exemplo), aspectos novos surgiram, preparando a literatura renascentista, como, por exemplo, a poesia amorosa de fundo sensual.
A produção humanista portuguesa pode ser organizada da seguinte forma:
PROSA: as crônicas históricas de Fernão Lopes;
POESIA: a poesia palaciana;
TEATRO: a dramaturgia de Gil vicente.

O prestígio que teve a prosa, em Portugal, no século XV, deve-se, principalmente, aos méritos de Fernão Lopes, o primeiro cronista e historiador português.
Diferente das cantigas trovadorescas, que eram cantadas e dançadas, a poesia palaciana distanciou-se do acompanhamento musical, do canto e da dança, passando a ser lida ou declamada.
Quanto ao conteúdo, embora a poesia palaciana tenha retomado os temas do Trovadorismo, acrescentou-lhes aspectos novos inspirados na atmosfera do Renascimento emergente.
Observe a concepção de amor existente nos dois textos a seguir:

TEXTO 01: da época – Aires Teles TEXTO 02: da época – Conde de Vimioso

Meu amor, tanto vos quero,
que deseja o coração
mil coisas contra a razão.

Porque se não vos quisesse,
como poderia ter
desejo que me viesse
do que nunca pode ser.
Mas com tanto desespero,
tenho em mim tanta afeição
que deseja o coração.

Meu amor, tanto vos amo,
que meu desejo não ousa
desejar nenhuma cousa.

Porque, se a desejasse,
logo a esperaria,
e se eu a esperasse,
sei que vós anojaria;
mil vezes a morte chamo
e meu desejo não ousa
desejar-me outra cousa.

O primeiro texto defende que todo amor deve ser acompanhado de desejo, sem o qual o verdadeiro amor não existe. Já o segundo, compreende que o ponto alto do amor está em nada desejar, porque o desejo conduz à realização e ao prazer, que destrói o amor.

Exercícios

CANTIGA, PARTINDO-SE – João Roiz de Castelo Branco

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
Tam doentes da partida
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d’esperar bem,

que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

1. Releia os quatro versos iniciais da Segunda estrofe. Qual é a palavra responsável pela marcação rítmica do texto?

2. No verso “tam doentes da partida”, observamos o emprego da aliteração. Retire do texto outro verso em que tal recurso esteja presente.

3. Na primeira estrofe do poema é empregada uma sinédoque. Identifique-a.

4. No poema lido, podem ser encontrados vestígios tanto das cantigas de amigo quanto das cantigas de amor. Isso demonstra que a poesia palaciana ainda não tinha se desligado plenamente da herança trovadoresca, dela fazendo uso.

a) No poema em estudo, está presente o mesmo tema: a partida do namorado. Entretanto, há uma diferença fundamental quanto ao eu-lírico. Quem fala no poema?

b) Tal qual nas cantigas de amor, o poeta se dirige à senhora, falando-lhe de seu sofrimento amoroso. Há, entretanto, uma mudança quanto à sua postura perante a mulher amada, como se verifica nesses versos: “Senhora, partem tam tristes / meus olhos por vós, meu bem.” Que nova postura assume o eu-lírico perante a mulher amada? Destaque a expressão que justifica sua resposta.

5. Por que o Humanismo é considerado um período de transição?

6. Quanto à poesia, qual foi a grande novidade da época humanista?

7. Relacione: T – Trovadorismo e H – Humanismo.
a) ( ) Gil Vicente
b) ( ) Transição entre teocentrismo e antropocentrismo.
c) ( ) Prosa didática
d) ( ) Poesia palaciana
e) ( ) Novela de Cavalaria
f) ( ) Vassalagem amorosa
g) ( ) Separação entre poesia e música
h) ( ) O português ainda não está consolidado como língua literária independente.
i) ( ) Teatro vicentino

8. Estabeleça a diferença básica entre teocentrismo e antropocentrismo.

9. A Idade Média também é conhecida como “Idade das Trevas”. Por quê?

10. Comente a expressão “o homem é a medida de todas as coisas”, indicando a que estilo de época está relacionada.

11. “Nunca atacava instituições: atacava, sim, os homens que nela prevaricavam. Na sátira ao clero, cuja soltura de costumes vinha-se se agravando a partir dos fins da Idade Média, não fazia mais do que colaborar com a própria Igreja no trabalho de preservação dos inocentes e de recuperação dos religiosos transviados.”

A que escritor se refere o texto de Segismundo Spina? Situe-o, historicamente, na literatura portuguesa.

12. Aponte a alternativa correta quanto a Gil vicente.
a) ( ) Compôs peças de caráter sacro e satírico.
b) ( ) Introduziu a lírica trovadoresca em Portugal.
c) ( ) Representa o melhor do teatro clássico português.

13. Caracteriza o teatro de Gil vicente:
a) ( ) a revolta contra o Cristianismo.
b) ( ) a preocupação com o homem e com a religião.
c) ( ) a busca de conceitos universais.
d) ( ) a obra escrita em prosa.

CLASSICISMO: 1527 – 1580

A literatura renascentista caracteriza-se por imitar as obras de escritores da Antiguidade Clássica greco-latina; por isso é chamada de Classicismo.
Assim, o Classicismo do século XVI é a expressão literária de um movimento mais amplo, o Renascimento, que envolveu as artes, a ciência e a cultura em geral.
Luiz Vaz de Camões é o poeta que melhor traduziu os anseios do homem português renascentista; é autor de Os Lusíadas, epopéia que narra os feitos heróicos dos portugueses (lusos), que, liderados por Vasco da Gama, lançaram-se ao mar numa época em que ainda se acreditava em monstros marinhos e abismos.
As epopéias greco-latinas apresentam um herói, cuja força e coragem aproximam-no dos deuses. Esse herói centraliza completamente as ações da narrativa, cujo objetivo é, unicamente, destacar suas qualidades. No caso de Os Lusíadas o herói é todo o povo português, representado, na viagem, por Vasco da Gama.

A linguagem clássico-renascentista apresenta duas grandes novidades: o racionalismo, que valoriza mais os conceitos e a razão que os sentimentos e o universalismo, que valoriza os temas universais e não mais as experiências individuais.

Ao lado da épica, a lírica de Camões vem a ser um dos pontos altos da poesia do século XVI e uma das maiores expressões literárias em nossa língua.

TEXTO 01: Luiz Vaz de Camões – o texto apresenta uma experiência pessoal vivida pelo poeta.

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

TEXTO 02: Luiz Vaz de Camões – aqui, o autor trata do sentimento amoroso como uma entidade superior, universal e não como uma experiência pessoal.

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


TEXTO 03: Luiz Vaz de Camões

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

TEXTO 04: MONTE CASTELO – Renato Russo

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece.
Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem,
Todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face.
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse a língua
Dos homens e falasse a língua
dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

O QUINHENTISMO NO BRASIL: 1500 – 1601

“Nem crônicas, nem memórias, pois não resultavam de nenhuma intenção literária: os registros dos cronistas e viajantes eram uma tentativa de descrever e catalogar a terra e o povo recém-descobertos. Entretanto, permeava-os a fantasia de seus autores, exploradores europeus que filtravam fatos e dados, acrescentando-lhes elementos mágicos e características muitas vezes fantásticas.”
O primeiro texto escrito no Brasil, em 1500, a conhecida carta de Pero Vaz de Caminha, registra, com detalhes, as impressões do “descobrimento” da terra brasileira. Esta carta abre um período de três séculos, chamado de Era Colonial, no qual nossa literatura busca uma identidade própria.
É difícil precisar o momento exato em que surgiu uma literatura brasileira, uma vez que a vida cultural no período colonial estava diretamente ligada à cultura portuguesa. Além disso não estavam solidificadas as condições necessárias para a literatura florescer e se expandir, tais como existência de um público leitor ativo e influente, grupo de escritores atuantes, vida cultural rica e abundante, sentimento de nacionalidade, imprensa, gráficas e liberdade de expressão. Até mesmo a impressão de livros era proibida.
Assim, a produção literária do Brasil-Colônia costuma ser chamada de “manifestações literárias” ou “ecos da literatura no Brasil.” A consolidação de uma literatura brasileira deu-se no século XIX, após a independência política(1822), com o Romantismo.

CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO
· Conquista e colonização(1530);
· Destruição da cultura indígena;
· Economia portuguesa predatória: extração do pau-brasil e exploração do índio;
· Chegada dos primeiros escravos africanos(1548);
· Governo Geral e chegada dos jesuítas:1549;

LITERATURA DOS JESUÍTAS
A produção literária dos jesuítas tinha como objetivos a conquista espiritual, a catequese e a devoção. Para isso utilizaram-se da poesia, do teatro e da transmissão de alguns conhecimentos básicos, como ler, escrever e contar.
A cultura indígena foi suplantada pela visão de mundo dos jesuítas, marcada pela religiosidade medieval.
A dança e a música dos dominados(negros e índios) foram as únicas manifestações artísticas que deixaram sua marca no processo de transplantação cultural.
O principal escritor jesuíta dessa fase foi o padre José de Anchieta.

TEXTO 01: Caminha relata a recepção dada por Cabral a dois indígenas:

“... Mostraram-lhes um papagaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes uma galinha: quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou com elas e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria a conta e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de encobrir suas vergonhas(...). O capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins, e o da cabeleira esforçava-se por a não quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.”

TEXTO 02: A Carta de Pero Vaz – Murilo Mendes(escritor modernista):

A terra é mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço,
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.
Tem goiabas, melancias,
Banana que nem chuchu.
Quanto aos bichos, tem-nos muitos,
De plumagens mui vistosas.

Tem macaco até demais
Diamantes tem à vontade
Esmeralda é para os trouxas.
Reforçai, Senhor, a arca,
Cruzados não faltarão,
Vossa perna encanareis,
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui.

TEXTO 03: Gândavo descreve as frutas existentes:

“... Uma planta se dá também nesta Província, que foi da Ilha de São Tomé, com a fruita da qual se ajudam muitas pessoas a sustentar na terra. Esta planta é mui tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas folhas que serão seis ou sete palmos de comprimento. A fruita dela se chama banana. Parecem-se na feição com pepinos e criam-se em cachos (...). Esta fruita é mui saborosa, e das boas que há na terra: tem uma pele como de figo(ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano à saúde e causa fevre a quem se desmanda nela.”

TEXTO 04: Erro de Português – Oswald de Andrade (poeta modernista)

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Exercícios

1. O século XVI marca, na Europa, o Renascimento; na literatura portuguesa, esse período é conhecido como Classicismo, pois é todo voltado para a cultura clássica da Grécia e de Roma. A partir do contexto estudado, responda:

a) Podemos falar em Renascimento no Brasil do século XVI? Justifique.

b) Comente o fragmento a seguir, de autoria do poeta Oswald de Andrade, autor do Manifesto da Poesia Pau-Brasil: “... Contra a fatalidade do primeiro branco aportado e dominando diplomaticamente as selvas selvagens, citando Virgílio para tupiniquins.”

2. Analise a letra da música Jóia, de Caetano Veloso. Ela nos apresenta duas imagens. Comente-as.

“beira de mar beira de mar
beira de maré na américa do sul
um selvagem levanta o braço
abre a mão e tira um caju
um momento de grande amor
de grande amor
copacabana copacabana
louca total e completamente louca
a menina muito contente
toca a coca-cola na boca
um momento de puro amor
de puro amor.”

O BARROCO

Convivendo com o sensualismo e os prazeres materiais trazidos pelo Renascimento, os valores espirituais – tão fortes na Idade Média e desprezados pela concepção renascentista – voltaram a exercer forte influência sobre a mentalidade da época. Uma nova onda de religiosidade foi trazida pela Contra-Reforma e pela fundação da Companhia de Jesus. O que decorreu daí foram, naturalmente, sentimentos contraditórios, já que o homem estava dividido entre valores opostos. A arte barroca, que exprime essa contradição, igualmente oscila entre o clássico pagão e o medieval cristão, apresentando-se, então, como uma arte indisciplinada.

O BARROCO NO BRASIL: 1601 – 1768

Os primeiros textos literários escritos por brasileiros no Brasil-Colônia surgem num momento em que o Barroco europeu se desenvolve e se expande. As condições da colônia, no entanto, diferem bastante das cortes européias luxuosas e, por isso, o Barroco adquire, entre nós, características específicas, tendo como marco inicial a obra Prosopopéia(1601), de Bento Teixeira, uma espécie de cópias de Os Lusíadas.
Aqueles que escreviam encontraram na literatura um instrumento para criticar e combater a mentalidade de egoísmo e ganância que prevalecia na colônia, para moralizar a população com os princípios da religião católica ou ainda para dar vazão aos seus sentimentos pessoais mais profundos. Gregório de Matos, por exemplo, o maior nome do Barroco brasileiro, divide suas atenções entre os modelos do Barroco europeu e a crítica e a sátira da realidade baiana na qual viveu, chocando os valores e a falsa moral da sociedade, utilizando, inclusive, em algumas obras, um vocabulário de baixo calão, ignorando o poder das autoridades políticas e religiosas.

PRINCIPAIS TEMAS BARROCOS:

· O sobrenatural;
· A morte como expressão máxima da efemeridade das coisas;
· Fugacidade da vida e das coisas;
· Castigo;
· O tempo visto como agente da morte e da dissolução das coisas;
· Erotismo; Misticismo; Arrependimento;
· Cenas trágicas; Apelo à religião.

QUADRO COMPARATIVO

CLASSICISMO / BARROCO


Equilíbrio e harmonia / Desequilíbrio e exuberância
Euforia / Depressão
Perenidade / Perecimento
Exaltação do humano / Pessimismo em relação ao ser humano
Glória e fama / Desencanto
Antiguidade Clássica / Idade Média

CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM BARROCA

Requinte formal: construções sintáticas elaboradas, vocabulário de alto nível, a fim de agradar ao seu público consumidor, a aristocracia.

Figuração: em vez de dizer as coisas de maneira direta e objetiva, o texto barroco prefere o uso de figuras: metáforas, comparações, símbolos, alegorias, etc..;

Conflito espiritual: o homem barroco sente-se dilacerado e angustiado diante da alteração dos valores, dividindo-se entre o mundo material e o espiritual. Para exprimir esta confusão, o escritor barroco utiliza a antítese e o paradoxo, figuras de linguagem que indicam contradição ou oposição.

Temas contraditórios: gosto pela confrontação violenta de temas opostos: amor/dor; vida/morte; juventude/velhice; pecado/perdão.

Efemeridade do tempo e carpe diem: o homem barroco tem consciência de que a vida terrena é efêmera, passageira, e, por isso, é preciso pensar na salvação espiritual. Por outro lado, já que a vida é passageira, sente, ao mesmo tempo, desejo de curti-la antes que acabe, o que resulta num sentimento contraditório, já que curtir a vida implica pecar, e, se há pecado, não há salvação.

Cultismo: é o rebuscamento formal, caracterizado pelo jogo de palavras e pelo excessivo emprego de figuras de linguagem, explorando efeitos sensoriais, como cor, tom, forma, volume, sonoridade, imagens violentas e fantasiosas, enfim, recursos que sugerem a superação dos limites da realidade.

Conceptismo: jogo de idéias constituído pelas sutilezas do raciocínio e do pensamento lógico, por analogias, etc..

PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM EXPLORADAS PELO BARROCO

Metáfora: é uma comparação abreviada; através dela o poeta revela semelhanças profundas que descobre na realidade: “As aves, que eram no bosque, / Clarins de plumas animadas.”

Antítese: reflete a contradição, o dualismo e a luta de forças opostas, típicas do barroco: “O prazer com a pena se embaraça.”

Paradoxo: duas idéias contrárias num único pensamento: “Rio de neve em fogo convertido.”

Hipérbole: traduz a grandiosidade e o exagero do estilo barroco: “... Outro mar mais copioso / Largando dos meus olhos a corrente...”

Prosopopéia: personificação de seres inanimados: “Agora que se cala o surdo vento.”

TEXTO 01: Buscando a Cristo – Gregório de Matos

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, pra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

TEXTO 02: Neste fragmento do Padre Antônio vieira, ele procura persuadir seus ouvintes a não se envolverem com idéias de reforma religiosa (o Protestantismo).

“A uns mártires penduravam pelos cabelos, ou por um pé, ou por ambos, ou pelos dedos polegares, e assim, no ar, despidos, batiam e martelavam com tal força e continuação, os cruéis e robustos algozes, que ao princípio açoitavam os corpos, depois desfiavam as mesmas chagas, ou uma só chaga até que não tinha já que açoitar nem ferir. A outros estirados e desconjuntados no ecúleo, ou estendidos na catasta aravam ou cardavam os membros com pentes e garfos de ferro, a que propriamente chamavam escorpiões, ou metidos debaixo de grandes pedras de moinho, lhes espremiam como em lagar o sangue, e lhes moíam e imprensavam os ossos, até ficarem uma pasta confusa, sem figura, sem semelhança do que dantes eram. A outros cobriam todos de pez, resina e enxofre, e ateando-lhes o fogo, os faziam arder em pé como tochas ou luminárias, nas festas dos ídolos, esforçando-os para este suplício como lhes dar a beber chumbo derretido.”

TEXTO 03: Neste fragmento de Gregório de Matos, ele apresenta uma violenta crítica a sociedade de sua época, em especial ao governador da Bahia (seu desafeto) e ao clero.

Que falta nesta cidade? ... Verdade
Que mais por sua desonra...Honra
Falta mais que se lhe ponha... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Que vai pela clerezia?... Simonia
E pelos membros da Igreja?... Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha...Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica é
Simonia, Inveja, Unha.

TEXTO 04: PARADOXO – Isac Machado de Moura

Jamais esquecerei o teu rostinho triste
daquele triste momento de angústia.
O desespero estampado em teu rostinho
tão alegre,
teu sorriso ausente,
tua alma magoada.
Triste momento aquele,
jamais esquecerei.
Tentaste sorrir ao me veres
e tudo que conseguiste foi chorar.
Jamais esquecerei aquelas lágrimas,
nem teu abraço choroso,
nem teu beijo entre soluços.
Jamais esquecerei...

A imagem daquele triste episódio
marcou-me para sempre:
um corpo inerte,
velas acesas,
lágrimas,
lamentações,
o fim de uma vida.
A morte em absoluto silêncio,
a vida chorando diante da morte,
que ganhara mais uma batalha.
Lá estava um pedaço de ti,
tomado pela “inimiga das gentes.”

Teu rostinho alegre,
jamais esquecerei:
jamais esquecerei o teu sorriso,
jamais esquecerei a alegria
daquele momento,
nem teu abraço alegre,
nem teu beijo carinhoso
entre sorrisos...
Jamais esquecerei.

A vida naquele dia visitara os vivos
e dera-lhes um presente:
uma nova vida,
que desabrochara como uma flor
no jardim da existência.
Sorrisos, felicitações, abraços,
muita felicidade, o início de uma vida.
Tua felicidade me inundara
E juntos comemoramos.

Vida,
morte;
luz, veio à luz;
escuridão, velas acesas.
Alegria, .
tristeza;
sorrisos,
lágrimas;
todos falam,
absoluto silêncio;
surge uma nova vida,
dissipa-se uma vida.
Teu sorriso jamais esquecerei,
e jamais esquecerei o teu rostinho triste.
Sempre te amarei
no paradoxo da existência.

Exercícios

Considerando os textos 01 e 02, responda:

1. Os dois textos apresentam semelhança quanto ao tema, evidenciando uma preocupação tipicamente barroca. Explique essa semelhança.

2. Observe a postura do cristão em cada um dos textos.

a) Como pode ser interpretado no texto 01, o desejo do eu-lírico de unir-se ao corpo torturado de Cristo?

b) Que semelhança há entre a postura do cristão nos dois textos?

3. A linguagem barroca normalmente busca transmitir estados de conflito espiritual. Por isso faz uso de certas figuras de linguagem, tais como a hipérbole, a antítese, as inversões, as metáforas, além de alegorias, de imagens violentas e de sugestões de som e cor que traduzem o sentido trágico da vida.

a) Destaque do texto 01 um exemplo de antítese e outro de inversão.

b) Destaque do texto 02 exemplos de sugestões sonoras e de imagens violentas.

4. O Barroco apresenta certa atração pelo mórbido como forma de exprimir a fragilidade e o grotesco da condição humana. Explique de que forma se manifesta essa atitude em cada um dos textos lidos.