Como é possível caracterizar um personagem descreva os elementos que podem ser utilizados?

Descrição pormenorizada dos traços distintivos de personagens que integram a acção de uma peça literária de carácter narrativo ou dramático. A caracterização não se confunde com a mera identificação de uma dada personagem na história narrada, embora possa contribuir para tal. A caracterização age sobretudo para determinar o perfil físico ou psicológico das personagens enquanto partes vivas de uma história. Há, contudo, casos de execpção em que a identificação de uma personagem, através da primeira informação que dela nos dá o autor, invariavelmente o nome próprio, pode ser desde logo decisiva para a sua caracterização. Um nome pode ser desde logo um indício de uma tragédia futura, como em Os Maias, de Eça de Queirós: “Maria Eduarda, Carlos Eduardo… Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!” (cap. XI).

A caracterização das personagens pode advir de duas fontes: do próprio criador das personagens ou do leitor, que correspondem a duas diferentes perspectivas não necessariamente exclusivas. À primeira chamaremos caracterização autoral e à segunda, caracterização crítica. Assim, o seguinte retrato de Joaninha, em Viagens na Minha Terra (1846), de Almeida Garrett, pode ilustrar o primeiro caso: “Joaninha não era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo que a palavra tem em português, mas era o tipo da gentileza, o ideal da espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezasseis anos, havia, por dom natural e por uma admirável simetria de proporções, toda a elegância nobre, todo o desembaraço modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conversação da corte e da mais escolhida companhia vêm a dar a algumas raras e privilegiadas criaturas no mundo.” (Cap. XII). O seguinte texto servirá de ilustração para o caso da caracterização crítica: “Joaninha, a figura do indivíduo primitivo e bom, não corrompido pela Civilização (Rousseau), tão bom que está acima da agressividade das duas forças antagonistas em presença (passado/presente)” (Alberto Carvalho, apresentação crítica a Viagens na Minha Terra, 4ªed., Ed. Comunicação, Lisboa, 1991, p.61). A caracterização crítica pode agir directamente sobre a própria caracterização autoral, destacando os traços particulares do discurso caracterizador, ou pode agir de forma autónoma, assumindo então o carácter de uma análise, comentário ou interpretação textual.

A caracterização autoral é a que está directamente inscrita no texto literário. As teorias da narrativa apresentam geralmente duas modalidades gerais de caracterização autoral: a caracterização directa e a caracterização indirecta. A relação entre ambas não é de prevalência: um autor não recorre necessariamente a uma em desfavor da outra nem exclui premeditadamente uma modalidade só para inaugurar um estilo. As duas modalidades podem combinar-se entre si. O que as distingue é o processo de descrição dos traços distintivos das personagens: faz-se directamente, se o autor, por intermédio do narrador ou de qualquer personagem, nos apresentar de forma localizada e estática esses traços, como neste exemplo de Machado de Assis: “D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dois anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da acção do tempo. Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xaile preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito por um camafeu.” (Dom Casmurro, cap.VII, 1899); faz-se indirectamente, se tais traços estiverem disseminados por toda a obra, obrigando o leitor a deduzir os atributos das personagens a partir das suas acções, dos seus apartes, do discurso dos seus interlocutores, das simulações inscritas no texto, dos gestos e trejeitos singulares, das ideias defendidas, etc. Por exemplo, regra geral, só é possível distinguir uma personagem como alter ego do seu próprio criador por meio deste tipo subtil de caracterização: o Carlos da supracitada obra-prima de Garrett, Viagens na Minha Terra, que não resiste a tornar-se barão, decepcionado com o falhanço do ideal de revolução política que perseguia; ou o dandy e diletante João da Ega, em Os Maias, de Eça de Queirós. No drama, este processo de caracterização indirecta é naturalmente mais relevante, porque é deixado ao olhar e ao ouvido do espectador a definição do carácter das personagens que desfilam no placo.

Chama-se autocaracterização ao processo de descrição realizado pela própria personagem, que se apresenta especularmente segundo o seu ponto de vista único, como no discurso autobiográfico (autobiografia); se a caracterização directa se realizar por qualquer outro modo (pelo narrador ou por outra personagem), chama-se heterocaracterização, como nos exemplos atrás apresentados para as personagens Joaninha e D. Glória, da responsabilidade dos narradores das respectivas obras.

O romance dos séculos XVIII e XIX utilizou sobretudo a técnica do retrato para caracterizar directa e indirectamente as suas personagens. Nas grandes narrativas, o retrato pode incluir a fisionomia, o vestuário, o nome própria e a sua história genealógica, o temperamento, etc., mas também a relação com os espaços habitados e a integração numa dada época histórica. Sobretudo a partir dos romances de Dostoievsky, esta tendência para o retrato minucioso das personagens, segundo um padrão mais ou menos pré-determinado, dá lugar a um maior dinamismo na composição das personagens. A indeterminação do retrato permite ao escritor não se prender com os problemas da psicologia das personagens, para as quais existia sempre um quadro clínico previsível e de terapêutica pré-estudada. O romance do século XX vai explorar esta indeterminação do retrato das personagens, fazendo suceder ao herói tipificado o anti-herói desfigurado e sem identidade própria.

Os elaborados processos de caracterização das personagens, associados à criação de grandes tipos, que marcou a ficção do século XIX, segundo fórmulas mais ou menos fixas, têm dado lugar a técnicas de construção narrativa que pressupõem precisamente o apagamento de qualquer caracterização directa ou a fixação de qualquer tipo facilmente identificável. Sobretudo no anti-romance, no anti-teatro, no nouveau roman e, de forma geral, no romance pós-moderno, existe uma tendência especial para desafiar o leitor a descobrir nos simulacros da história narrada os principais atributos das personagens (quando estas existam). Tendencialmente, este processo renovado de caracterização simulada das personagens tem avançado muitas vezes para o campos da paródia e da sátira, com sentido destruidor e sem deixar que qualquer lição moral possa ser retirada dessa caracterização. Os complexos processos narrativos pós-modernos não raro utilizam também uma técnica de auto-destruição das caracterizações directas, para iludir o leitor, para o trazer em expectativa permanente. Por exemplo, Carlos de Oliveira abre o seu romance Uma Abelha na Chuva (1953) com um retrato incógnito: “Pelas cinco horas duma tarde invernosa de Outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé, depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia de Montouro, por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão; samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem escanhoada…”. Só no capítulo seguinte a identidade desta personagem é revelada. Tal técnica é também comum ao romance policial, que vive do suspense, do simulacro e das aparências que iludem. O nome das personagens não obedece mais a simbologias trágicas ou a fatalidades genealógicas, preferindo-se o enigmático e o estranho, como nos célebres H.C.E. de Finnegans Wake, de James Joyce e a personagem enigmática K., de O Processo, de Kafka. O que resulta no imediato dos novos processos de caracterização hoje experimentados é um maior compromisso do leitor na definição do perfil das personagens, o que lhe permite dialogar com (ou refutar) a ideologia e a afectividade investidas pelos autores na criação das suas personagens.

bibliografia

J. Garvey: “Characterization in Narrative”, Poetics, 7 (1978); R. Bourneuf & R. Ouellet: O Universo do Romance (1976); T. Docherty: Reading (Absent) Characters: Towards a Theory of Characterization in Fiction (1983).

Quais são os elementos que podem caracterizar uma personagem?

Muita coisa faz parte da caracterização de um personagem, sua etnia, sua idade, seu porte físico, sua altura, como se veste, como fala, como pensa, como age. Mas sem dúvida, o caráter mais importante da caracterização é revelar a personalidade e o psicológico de um personagem.

Como fazer caracterização de personagens?

5 dicas para arrasar na criação de personagem para o roteiro.
Desenvolva as características, personalidade e identidade. ... .
Evite estereótipos. ... .
Crie identificação com o público. ... .
Considere o contexto e o cenário. ... .
Indique suas fragilidades..

O que é a caracterização de um personagem?

Descrição pormenorizada dos traços distintivos de personagens que integram a acção de uma peça literária de carácter narrativo ou dramático. A caracterização não se confunde com a mera identificação de uma dada personagem na história narrada, embora possa contribuir para tal.

Como descrever as características físicas de um personagem?

Comece com o básico, como altura, forma, cor do cabelo e dos olhos. Em seguida, descreva outras características físicas, como a postura ou quais particularidades únicas o personagem tem, e veja como o passado, os interesses e o estilo de vida impactam na descrição.

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