Gestão como doença social resenha

Resumo da Resenha de Maria Regina C. Moraes - Doutoranda em Sociologia

Um Convite à Reflexão...

por Francisco Baqueiro

Pouco conhecido no âmbito das Ciências Sociais no Brasil, o livro de Gaulejac, contribui para elucidar a reflexão acerca da relação entre saúde e condições de trabalho. Nele a Gestão é apresentada como uma ideologia que legitima a mercantilização do ser humano, transformando-o em capital - que convém tornar produtivo. A gestão, então, refere-se a um conjunto de técnicas e saberes práticos utilizados por grandes empresas, visando orientar condutas e estabelecer uma cultura corporativa que mobilize as subjetividades para a realização de um ideal de indivíduo adequado às exigências da nova ordem econômica, qual seja: autônomo, polivalente, criativo, que assuma responsabilidades e arque com riscos. Flexível o suficiente para contornar a instabilidade atual do sistema econômico e superar-se em frequentes situações de adversidade. Em outros termos: um super-humano, capaz de fazer sempre tudo melhor e mais rápido.

Hoje, há um forte empoderamento empresarial frente a outras instituições, que impõe e exige sacrifícios dos trabalhadores em geral. A economia, não mais a serviço do desenvolvimento da sociedade, torna-se um fim em si mesma. O ritmo da vida individual, social e institucional passa a ser determinado pelo ritmo das corporações, cujos indicadores meritocráticos que consideram válidos convertem o ser humano em fator econômico equivalente à matéria-prima e às ferramentas de produção, emulando uma circunstância igualitária de avaliação, na qual todos parecem possuir as mesmas chances e serem tratados da mesma maneira. Porém, a finalidade econômica prepondera sobre o valor intrínseco à vida humana.

A “ciência gerencial” trabalha com um ideal de indivíduo que se comporta racionalmente e que é capaz de alcançar sempre mais. Convida-o ao autoaperfeiçoamento incessante e ao gerenciamento racional de si mesmo como se ele próprio fosse uma marca, uma empresa privada. Promove o culto da “excelência”, que incita o indivíduo não apenas a fazer tudo melhor, mas a ser “o melhor” em comparação com outros e consigo mesmo, em fases anteriores. As exigências de excelência – que, convenhamos, jamais poderão ser satisfeitas, por serem sempre passíveis de melhoria – escondem-se sob o conceito de qualidade. A armadilha reside no discurso da busca infinita de qualidade pessoal, marcante nos meios empresariais desde os anos 1990, ao qual dificilmente podemos nos opor, uma vez que se mostra como realização de um ideal naturalmente humano. A qualidade, enfim, aparece sempre como melhoria, como progresso e não como pressão. Entretanto, essa noção de qualidade é uma utopia de perfeição que remete a um paraíso inalcançável, a um mundo harmônico e sem contradições, no qual os conflitos são definitivamente superados. Segundo o autor, gerenciar a si mesmo para atingir alto desempenho seria uma demonstração de autonomia recompensada pela promessa de sucesso, felicidade e realização pessoal. Essa suposição provém de uma espécie de “equação mágica” que obscurece o fato de que é impossível sermos todos considerados excelentes por aqueles que apregoam tal modelo. Luta-se pelas posições como se todos pudessem ser o número um. Esquece-se que a própria etimologia da palavra excelência compreende a exclusão daqueles que não atingem determinados requisitos. O culto da qualidade enquanto excelência estimula, portanto, a competição generalizada e o individualismo.

Hoje, a gestão é um modo de relação com o mundo e consigo mesmo que busca racionalizar e otimizar o tempo, o corpo, a mente, a subjetividade, as relações, de modo a tornar a vida mais rentável, mais útil e competitiva na perspectiva de empregabilidade. O novo modelo empresarial de organização que se impõe à sociedade, substituindo antigos padrões e forças produtivas já não estão no corpo, mas sim na psique. Trata-se de um modelo gestionário flexível que pretende seduzir o corpo e a alma, envolver a psique e orientá-la para a capitalização das empresas.

O autor questiona ainda os motivos que teriam levado a sociedade a aderir ao modo de gestão em suas mais variadas esferas – política, educação, saúde, família, afetos. Gestão é um sistema de interpretação do mundo social, diz Gaulejac, comporta uma “visão de mundo e um sistema de crenças” que oferecem uma ilusão de onipotência e poder. O novo formato de gestão propõe regras que excitam o ego, prometendo-lhe satisfação do desejo sem limites. A energia é canalizada para o trabalho como forma de realização pessoal subjetiva, que o autor denomina de “ideologia da realização de si mesmo”. A nova gestão mobiliza o gosto humano por empreender, o desejo de progredir, a celebração do mérito e o culto da qualidade. Conforme Gaulejac, o sucesso do novo modelo deve-se à confusão entre o desejo de reconhecimento e uma fantasia narcísica de onipotência que é projetada nas empresas e reiterada pelo discurso de que o crescimento pessoal do indivíduo corresponde ao crescimento da corporação. A autonomia idealizada pelas empresas se resume a identificação do indivíduo com a empresa. Uma “autonomia controlada” que gera uma forma de dependência psíquica, pois, para ser reconhecido como produtivo e excelente, o indivíduo deve submeter-se a valores e critérios de qualidade não estabelecidos por ele. A doença social mencionada no título refere-se aos paradoxos criados por esse formato de gestão e ao acobertamento da violência simbólica por trás das novas regras do trabalho flexível. Os problemas sociais e os conflitos são transferidos para o plano individual e são tratados como distúrbios pessoais. Por outro lado, o fracasso abre uma ferida narcísica, estigmatiza o perdedor como um “peso social”, pois já não é permitido ser limitado. O método de quantificação da qualidade opera pela desqualificação do que é humano, pela ameaça de avaliação negativa, culpabilizando os desempregados, os precarizados e os assalariados por “sua insuficiência e inaptidão” para alcançar metas inacessíveis.

Os paradoxos propostos pela gestão hipermoderna podem ser considerados, por si, fatores de adoecimento físico ou psíquico à medida que a pressão exercida pelas exigências empresariais é perturbadora e estimula a construção de uma “subjetividade fluida”. Gaulejac afirma, entretanto, que a plena adesão aos princípios e às regras impostas pelas empresas ocorre apenas “de fachada”. Em grande parte dos casos, os indivíduos se fragmentam internamente ou mergulham na hiperatividade para não pensarem na dinâmica de uma situação da qual não têm como sair. Ações contínuas são fortemente estimuladas, pois a estagnação representa fracasso. Mas como o sentido da ação se resume em “ser campeão”, advém daí uma crise simbólica que retira o significado da própria existência. Não à toa, na Saúde Pública anuncia-se uma epidemia de distúrbios psíquicos sem igual. O discurso do gerenciamento pela qualidade pessoal é circular e enlouquecedor. A lógica qualitativa do discurso choca-se com a lógica quantitativa da prática. Enaltece-se o valor humano e busca-se o lucro máximo a qualquer custo. Pede-se autonomia em um mundo hiper coercitivo, criatividade em um mundo hiper racional e linear, compromisso intenso com projetos da empresa e flexibilidade para desligar-se a qualquer instante. O indivíduo, agora promovido a único responsável por sua carreira, “é livre” para, enfim, seguir um programa imposto de qualidade máxima.

Diversos distúrbios e enfermidades atingem os desempregados e aqueles que permanecem ativos no mercado profissional, porém, submetidos a alto nível de estresse. O estresse, todavia, ironicamente, não é considerado um problema; é antes uma “decorrência natural” da busca legítima por um lugar de excelência e autorrealização. Cabe a cada um se adaptar e gerenciar seu nível de estresse, resistindo à vulnerabilidade psíquica ocasionada pelas condições de trabalho. Como se sabe, as doenças psicossomáticas decorrentes do trabalho são de difícil comprovação. A gestão de si e o autocuidado com a saúde física e psíquica apresentam-se, então, como solução para um problema que a própria atividade de gestão cria. Novamente é o ideal da qualidade de vida, também medida por índices, que alerta o quanto se pode ser mais saudável: “só depende de cada um aplicar o método milagroso da gestão racional em si mesmo”. Gaulejac conclama a substituição da “gestão de recursos humanos” por uma “gestão humana de recursos” de forma a construir outro mundo possível.

Ao final, entretanto, fica a impressão de que o próprio autor foi contaminado pelo vírus da qualidade, sucumbindo ao mito da terra sem males, sem conflitos, sem contradições, sem ideologias, onde pudesse haver uma gestão que não fosse permeada por técnicas de dominação e exercício do poder.

Apesar destas considerações, fica aqui a recomendação de leitura, certamente inspiradora tanto para a Sociologia do Trabalho, quanto para a Sociologia da Saúde.

 Resumo da Resenha originalmente preparada por Maria Regina C. Moraes - Doutoranda em Sociologia - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP/SP.

 

1.Prefácio

O prefácio, de Pedro F. Bendassoli aborda a questão da sociedade degestão, começado pela análise da antiga classe média norte-americana, formada por pequenos agricultores independentes e pequenos homens de negcio, sendoestes os donos do prprio meio de subsist!ncia. "epois disso hou#e umareestruturação econ$mica na estrutura de propriedade dos %stados &nidos e asociedade foi con#ertida, na sua grande maioria, em uma sociedade de empresaem que os antigos proprietários perderam suas posses e passaram a trabalhar  para grandes corporaç'es, é o que Bendassoli chama de (assalari)ação dasociedade*. + principal caracterstica desse no#o americano assalariado é oconformismo, a passi#idade, a docilidade e o sonho de conquistar o primeiroemprego ou de manter o atual. O autor também falou sobre a nature)a do mau-estar, em que o trabalho deia de ser um fim em si mesmo e torna-se um meio para aquisição de mercadorias, ou sea, as pessoas trabalham a #ida toda paraconsumir e esse consumo é seguido pela felicidade e satisfação. O autor também listou tr!s peculiaridades e estratégias de gestão para poder lidar com o mau-estar na organi)ação. + primeira di) respeito ao discursoque atina o super-ego das pessoas, sendo esse o responsá#el pelo )elo. +segunda peculiaridade é mobili)ar os funcionários para que eles pensem que sse sentirão completos se atingirem obeti#os e alcançarem metas, e por fim, a/ltima peculiaridade é a contradição entre autonomia e depend!ncia. 0imos também no prefácio todos os esforços que o indi#duo fa) e queesse esforço acaba tendo como principal propsito agradar a empresa em quetrabalha. Por eemplo, se alguém fa) algum curso e se especiali)a, ele não estáfa)endo para si e para sua satisfação, mas sim para se fortalecer em relação aempresa em que trabalha, confirmando o poder da organi)ação e que s interessamelhorar, se for melhorar para potenciali)ar seu desempenho como funcionário.

2.Introdução

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2auleac começa o li#ro mostrando a questão da guerra econ$mica e issogerou a construção de um imaginário social que ser#e de pára-#ento para oeerccio de uma dominação, da qual cada um sente claramente os efeitos sem, por #e)es, detectar suas causas. + partir disso, pode-se considerar que aeconomia gestionária considera mais importante as quest'es contábeis efinanceiras do que as consideraç'es humanas e sociais. O autor, apresenta então o conceito de gerencialismo como tecnologia do poder, entre o capital e o trabalho, cua finalidade é obter a adesão dosempregados 3s eig!ncias da empresa e de seus acionistas. 4ada indi#duo écon#idado a se tornar um empreendedor de sua prpria #ida, e o ser humano setorna também um capital que se pro#ém tornar produti#o, e para atingir taldesempenho os gestionários prop'em uma /nica alternati#a 3 espécie humana5rentabilidade ou morte, fa)endo alusão as guerras e como a per#ersidade dessemeio organi)acional pode pressionar as pessoas tanto quanto soldados militaressão pressionados para matar cidadãos de pases inimigos e pro#arem assim, oquanto são fiéis e leais 3 sua nação.2auleac relatou que durante um tempo pode constatar mudanças nomundo do trabalho, acompanhando aqueles que as #i#em no cotidiano e acabou partilhando com os trabalhadores não s a análise das transformaç'es nesseambiente como também seus sofrimentos e suas esperanças.

3.Capítulo I – “O gerenciamento entre o capital e o trabalo!

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O captulo em seu inicio mostra que o manager interiori)a mais do queninguém a contradição capital7trabalho, de um lado incorpora aos #alores daempresa e ao interesse da empresa, ao buscar, incessantemente o lucro. Por outrolado, essempre submetido 3s impre#isibilidades da carreira, o risco dademissão e a pressão e competição no ambiente organi)acional.O autor aborda no captulo a obsessão pela rentabilidade financeira, emque analisa-se a ocorr!ncia do fen$meno em que a economia financeira substituia economia industrial, o mercado passa a dominar as quest'es econ$micas,função que antes também cabia ao %stado. "epois dessa entrada da lgicafinanceira, as relaç'es no trabalho ficaram mais difceis, mais cruéis e maisdesumanas do que aquilo que á era na época predominantemente industrial. + partir dessa lgica, a gestão de pessoas e das relaç'es sociais tornou-se recursoshumanos, tratando a pessoa como custo e recurso empresarial. +s organi)aç'esnão escondem que a sua /nica #ontade é ter lucro imediato, para isso tomamaç'es como substituir a qualidade e a #ida /til de seu produto e ser#iço8obsolesc!ncia programada9. Para, também, atender 3s eig!ncias do mercado edos acionistas, passa-se a aumentar as demiss'es e as condiç'es precárias detrabalho.2auleac di) que o gerencialismo a ser#iço do capital se pauta em umatrplice e#olução em (desfa#or* do trabalho, que é quando as empresas seinstalam em pases cua a legislação é menos fa#orá#el ao trabalhador, quando aação se sindical se redu) a uma representação formal, sem se importar com lutascoleti#as, também quando o :; passa a indi#iduali)ar relaç'es salariais,inibindo rei#indicaç'es coleti#as e solidariedade na empresa. <as por que o poder gerencialista se submete ao mercado financeiro, se ele não é tão beneficiado como é o acionista= O li#ro di) que é para que ele, o gestor, possa sesentir inserido naquilo que o autor chama de (grande a#entura da globali)ação*+ dominação das multinacionais também foi colocada em questão nocaptulo. Foi comentado que o ati#o de algumas empresas pode ser comparadoao P>B de alguns pases 8a %on <obil, por eemplo, tem ati#o de &?@ A bilhão, equi#alente ao P>B de pases como 4hile e Paquistão9. 4om todo esse poder, as multinacionais passam a impor sua lei de mercado em detrimento dasleis p/blicas, que eles descumprem, diga-se de passagem. C a era da liberdade