Como a mudança na sombra de uma haste ou poste pode ajudar a compreender o formato da Terra

1 - Introdução

Polaris é uma estrela do tipo variável, de magnitude 1,95 e também é conhecida como “estrela do norte". Apesar de ter sido muito utilizada nas antigas navegações que ainda não contavam com satélites e GPS, Polaris não pode ser vista por qualquer observador na Terra. A estrela está localizada no pólo norte celeste e, se um observador se move na direção sul, deixará de observá-la a medida que se aproxima da Linha do Equador. A geometria esférica da Terra diminui a distância até o horizonte e esconde os objetos, a medida que nos afastamos do Norte geográfico e celeste.

No século XVI, Fernão de Magalhães atravessa o mundo circular de Leste a Oeste, confirmando a forma que já se observava na sombra do planeta Terra projetada na Lua durante os eclipses. No século anterior a Fernão, em 1478, Johannes de Sacro Bosco publica o Tractatus de sphæra[1], onde apresenta as várias evidências de que a Terra é redonda além de explorar o formato circular das órbitas aparentes dos demais planetas. Muito antes da exploração espacial, a humanidade tinha motivos suficientes para acreditar que a Terra era esférica. A crença de que os antigos acreditavam que a Terra era plana não se sustenta.

Muito antes das navegações e da era Cristã entretanto, uma observação bastante particular permitiu que pela primeira vez a circunferência da Terra fosse calculada indiretamente. O filósofo Eratóstenes nasceu em Cirene, colônia grega do século VII a.C, localizada na região onde atualmente se encontra a Líbia. Depois de estudar com o estóico Arísto nem Atenas, tornou-se diretor da Biblioteca de Alexandria. Foi geógrafo, filósofo, matemático, poeta e tendo a sua disposição a curiosidade e o entusiasmo, utilizou sombras e geometria para realizar um dos mais belos experimentos de todos os tempos [2].

2 - O experimento original

Eratóstenes era responsável pela Biblioteca de Alexandria quando soube que, no solstício de verão, um poço na cidade de Syene localizada no Trópico de Câncer (latitude 23,5º) não produzia sombra alguma quando o Sol alcançava seu ponto mais alto, ao meio dia. Nesse mesmo instante, por outro lado, a Torre de Alexandria produzia uma sombra mensurável. Como Alexandria e Syene estão aproximadamente no mesmo meridiano, a hipótese razoável, nesse caso, era de que a geometria esférica da Terra fosse responsável pela diferença nas observações. As coordenadas de Alexandria e Syene estão na Tabela 1 e a construção geométrica que Eratóstenes imaginou é descrita na Figura 1.

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 Tabela 1: Coordenadas geográficas de Alexandria e Asuã, no Egito, conforme: http://geographic.org

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A distância angular entre Syene e Alexandria pode ser medida conhecendo-se a distância entre as duas cidades e medindo a sombra formada pela Torre. Apesar de não haver consenso quanto à conversão exata das unidades utilizadas por Eratóstenes (os estádios), o ângulo medido foi de 7, 2º, o que equivale a 1/50 de uma circunferência (C) completa (360º). Nesse caso,

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logo, como C = 2πR,

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que é uma medida indireta do raio. O resultado de Eratóstenes é supreendentemente próximo dos valores atuais para o raio polar da Terra de 6356 km.

3 - O experimento

A posição das cidades do experimento original exigia que o experimento fosse realizado no solstício, uma vez que nessa época, a inclinação da Terra em relação ao eixo da eclítica é de 23, 4º. Veja a figura (2).

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Nessa condição os raios solares incidiem na direção perpendicular ao poço de Asuã, próximo ao Trópico de Câncer, como notado por Eratóstenes. Uma situação análoga para o hemisfério Sul pode ser obtida no equinócio de primavera (3).

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A metodologia original pode ser adaptada se considerarmos a diferença dos ângulos medidos por dois observadores no mesmo meridiano, como na figura abaixo. As medidas são feitas no meio-dia solar: em Cajazeiras/PB, no dia da medida deve ocorrer próximo às 11:26, conforme o NOAA Solar Calculator (https://www.esrl.noaa.gov/gmd/grad/solcalc/).

Na atividade, consideramos que um dos observadores, explicitamente, o que mede θA, na fig. (4), estaria localizado exatamente na linha do Equador, que corresponde a latitude 0. A distância até o Equador é de 761890,15m1, conforme a calculadora geográfica do INPE (http://www.dpi.inpe.br/calcula/)
Explicitamente, o cálculo será, conforme a figura:

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analogamente ao cálculo anterior. Como já foi discutido, devido a posição do Sol no solstício, o ângulo medido nessa coordenada é θA = 0, caso em que a haste não projeta nenhuma sombra. Assim, teremos

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1 O equivalente á 4,84×103 estádios, se utilizarmos as unidades que Eratóstenes utilizou na medida original.

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4 Resultados e discussões

O experimento teve início as 11:00h do dia 23 de setembro, data que marca o equinócio de primavera do hemisfério sul. Na tentativa de minimizar erros, foram montadas três estacas. Os grupos realizaram medidas em horários diferentes, em torno do meio dia solar, em cada uma das estacas. As medidas estão na Tabela (2). As coordenadas de Cajazeiras e da referência estão na Tabela (3) e os demais dados estão sumarizados abaixo:

Altura da estaca: 87cm;

Meio dia solar: 11h26m41s;

Distância até o Equador: 761,89015km

Tabela 2: Planilhas de dados: Experimento de Eratóstenes 2019. Si é a medida da sombra da estaca i.

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A menor sombra foi obtida na primeira medida,ás 11:23, antes do previsto pela calculadora do NOAA. Notemos que as estacas 2 e 3 apresentam medidas muito menores

Tabela 3: Coordenadas geográficas de Cajazeiras e da Linha do Equador, conforme: http://geographic.org

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do que a estaca 1. É preciso salientar que as condições das três estacas não eram idênticas. Na montagem, não foi possível alinhar as hastes 2 e 3 adequadamente. Ademais, acreditamos que a alta temperatura no horário do experimento tenha dilatado as placas de metal dos suportes, alterando consideravelmente as medidas. As medidas da estaca 1 estão mais consistentes com àquelas realizadas no equinócio de outono. As
medidas das hastes 2 e 3 foram descartadas.

O ângulo obtido nesse caso, das medidas da haste 1 será,

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o que equivale a R = 1/47 de uma circunferência completa. Se a distância até o Equador é de 761890,15m, então a circunferência completa será obtida da relação

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Se considerarmos o valor para o raio polar da Terra[3], a circunferência será de 40030,2km e o erro total é de 10,5%.

Parte do erro se deve, como já citamos, a dificuldade de alinhar as hastes e o fato de haver apenas uma medida, dificultando a minimização dos erros. O material das hastes deve ser substituído para evitar o problema da dilatação térmica e o alinhamento deverá ser feito com antecedência.

Embora o erro tenha sido maior do que na primeira medida em março, ele ainda é aceitável, uma vez que havia apenas uma haste. Nas medidas do outubro, o erro ficou em torno de 2% e foi obtido com apenas uma haste e dois pontos de referência com ângulos não nulos.

5 Bibliografia

Referências

[1] SACRO BOSCO, Johannes de. Tractatus de sphæra / Tratado da esfera [1478]. Editado e traduzido por Roberto de Andrade Martins. [Edition and Portuguese translation of Johannes de Sacrobosco’s Treatise on the sphere]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2006.

[2] CREASE, Robert P. Os dez mais belos experimentos científicos. Zahar, 2006.

[3] NASA Space Science Data Coordinated Archive: https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet


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Há mais de 2.000 anos, os antigos gregos observavam a natureza e demonstravam a partir de seus experimentos que o planeta Terra era esférico. Aristóteles (384 - 322 a.C), por exemplo, chegou a esta conclusão ao observar a sombra de nosso planeta sobre a Lua durante um eclipse. Eratóstenes (276 - 194 a.C) mediu a sombra de um mesmo objeto no mesmo horário em lugares diferentes, e a partir da diferença de tamanho estimou a circunferência do planeta.

Da antiguidade aos dias atuais, a observação é a principal matéria-prima do método científico.

"O fato de a Terra ser redonda elucida de uma só vez várias situações medidas que você não consegue explicar utilizando a hipótese de que a Terra é plana", afirma o professor de física Bruno Carneiro da Cunha, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). "E a parte muito interessante da ciência é que conseguimos chegar a consensos exatamente porque partimos de experimentos que podem ser repetidos e dados que podem ser observados por outras pessoas e chegamos à mesma conclusão."

Como completa Gustavo Rojas, pesquisador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), "a natureza simplesmente é, não está nem aí para o que a humanidade acha disso".

Reunimos nos próximos parágrafos algumas observações que podem ser repetidas por qualquer pessoa e são explicadas pela forma da Terra —redonda ou, mais precisamente, de um geoide, com leve achatamento nos polos— e por seu movimento em torno do Sol.

Ali onde a vista alcança

Quando observamos um barco que navega em direção ao horizonte, a imagem que temos não é a de um objeto que fica menor e menor até se tornar invisível. Na verdade, é possível perceber que ao chegar na linha do horizonte o barco começa a desaparecer em partes, o casco do navio deixa de ser visível, depois seu corpo e por último seu mastro.

Isso acontece por conta da curvatura da Terra, que faz com que nossa visão do horizonte esteja limitada a uma linha reta que alcança até certo ponto da curvatura terrestre. A partir de lá, o objeto que segue rumo ao horizonte desaparece abaixo desta linha. Sendo assim, mesmo com a ajuda de uma luneta para ampliar a imagem, o barco ainda vai desaparecer do campo de visão.

Com a altura e o raio da esfera, é possível calcular a distância do horizonte que conseguimos enxergar Imagem: Divulgação/CERF-IFRS

De cima da árvore, de cima da casa

A distância até onde vemos algo no horizonte está diretamente relacionada com a curvatura da Terra e com a altura de onde a observação é feita, e essa distância pode ser calculada em uma fórmula matemática.

Usando uma calculadora online da curvatura da Terra, é possível perceber que uma pessoa cujos olhos estão a 1,5 metro do chão vê o horizonte a 4,37 km. Já alguém com o olhar a 3,5 metros do chão é capaz de ver o horizonte a 6,67 km.

Ou seja, subir em uma árvore ou na laje de uma casa permite ampliar seu horizonte de visão em mais de dois quilômetros. Não acredita? Basta fazer o teste de observação em dois pontos de altura diferente -a melhor maneira é em algum lugar plano ou com espaço descampado à frente.

Dias mais longos, mais curtos e as estações do ano

Às vésperas do inverno, o número de horas de luminosidade solar é cada vez menor e as noites cada vez mais longas. Para quem está em São Paulo, no final de junho, o sol nasce por volta das 6h45 e se põe antes das 17h30.

Em dezembro, o contrário acontece. O nascer do sol acontece antes das 6h15 e o pôr do sol só chegará depois das 19h45.

O motivo dessa diferença de iluminação é descrito pelo formato da Terra e por sua inclinação, a posição das partes do planeta com maior tempo ou menor tempo diário de exposição ao Sol muda ao longo do ano -por conta do movimento de translação. Assim, em junho, o hemisfério sul passa a maior parte de seus dias na parte não iluminada do globo. Já no final do ano, o mesmo hemisfério recebe mais horas de Sol em sua face.

Esta diferença de horas de iluminação —e de diferenças climáticas entre inverno e verão— é menor conforme nos aproximamos da linha do Equador, que marca o meio do planeta.

Tamanho da sombra e ângulo de iluminação

Um objeto colocado abaixo de uma luminária não tem sombra a seu redor, no entanto, conforme afastamos este objeto da fonte de luz, o tamanho da sombra aumenta. Isso se dá pela mudança no ângulo de iluminação, e é possível calcular este ângulo ao comparar dois objetos iluminados em lugares diferentes e o tamanho de suas sombras em cada lugar.

É isso que fez o grego Eratóstenes para calcular a circunferência do planeta Terra. Um mesmo objeto em lugares diferentes da Terra no mesmo horário recebe iluminação do Sol sob diferentes ângulos. Assim, fazendo a medida da sombra de um bastão em dois lugares diferentes da Terra (a centenas de quilômetros de distância), ele calcula a circunferência do planeta e chega ainda na antiguidade a um valor próximo do real (15% maior que o que temos hoje, segundo o físico João E. Steiner).

Crianças gregas repetiram o experimento de Eratóstenes em escola primária da cidade de Atenas Imagem: Emmanouela Vamvaka/Divulgação Eratosthenes Experiment 2019

O experimento parece difícil de ser repetido sem ajuda, mas há um projeto global que reúne escolas de todo o mundo para refazer o experimento, trocar informações e calcular a circunferência terrestre.

Desde 2015, mais de 5.500 escolas em 105 países já participaram do experimento. A próxima medição global acontecerá em setembro de 2019.

O Cruzeiro do Sul e a Estrela Polar

O Brasil traz no centro de sua bandeira a constelação do Cruzeiro do Sul, conhecida por suas cinco estrelas mais brilhantes que apontam a direção sul. A constelação, tão conhecida dos brasileiros e dos navegadores do hemisfério sul, não é vista por quem observa o céu noturno nos Estados Unidos ou na Europa.

Já a Estrela Polar (uma das estrelas da constelação Ursa Menor), usada recorrentemente para indicar a direção norte do planeta, é vista apenas por quem está na região norte do planeta, e não serve de bússola natural para os moradores do Brasil.

Com pontos de vistas diferentes do Universo, os moradores do hemisfério sul e do hemisfério norte veem áreas diferentes do céu.

As três estrelas conhecidas como "Três Marias" formam o Cinturão de Órion. Órion é uma constelação classificada como equatorial por estar na região central do céu e poder ser vista tanto por moradores do hemisfério sul quanto do hemisfério norte. No entanto, não sob o mesmo ponto de vista.

Quem vê Órion a partir da parte sul do planeta tem a imagem do caçador de ponta cabeça. Para testar, use um aplicativo como o Sky Map para a localização dos astros durante a observação noturna do céu.

A lua crescente, ao lado do Cristo Redentor, parece um "C" no céu do hemisfério sul Imagem: Alessandro Buzas/Futura Press/Estadão Conteúdo

Outra curiosidade, a mudança de ponto de vista entre o hemisfério norte e sul também altera a forma como vemos a lua crescente. A lua crescente que aparece como um "C" no céu brasileiro é vista como um "C" invertido no céu dos EUA ou da Europa.

A lua crescente, ao fundo da Torre Eiffel, aparece com um "C" invertido na noite de Paris Imagem: Ludovic Marin/AFP

Fontes: Gustavo Rojas, pesquisador da UFSCar, Bruno Carneiro da Cunha, pesquisador da UFPE, Centro de Referência para o Ensino de Física da UFRGS, Eratosthenes Experiment 2019 e "A Origem do Universo", de João E. Steiner.