Qual foi o problema socioambiental e onde ocorreu?

INTRODUÇÃO

Até pouco tempo atrás predominou a concepção segundo a qual o espaço urbano forjava-se fundamentalmente a partir de variáveis socioeconômicas. Dentro desse contexto teórico, a dinâmica da natureza ocupou um papel apenas secundário nas análises geográficas dos ambientes urbanos.

Todavia, sabe-se que as cidades se constituem nos espaços de maior expressividade no que se refere à ação humana sobre a natureza. Fortemente marcada por interesses político-econômicos excludentes, a complexa relação sociedade-natureza no ambiente urbano resulta em um diversificado conjunto de problemas socioambientais (MENDONÇA et al., 2016).

Em torno dessa tomada de consciência é que se aglutinaram os interesses do Grupo de Trabalho (GT) “Problemática Urbano-Ambiental” do Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB), edições 13 e 14, realizadas nas cidades do Rio de Janeiro, em 2013, e Fortaleza, em 2015, nessa ordem.

No âmago desse tradicional evento da Geografia nacional, pesquisadores vinculados aos mais diversos centros de ensino e pesquisa vêm socializando os resultados de suas investigações, as quais reverberam um amplo espectro de possibilidades teórico-empíricas.

Com efeito, tendo como eixo epistemológico basilar a multifacetada interação sociedade-natureza concretizada no sistema ambiental urbano, são analisadas, neste artigo, as particularidades temáticas inscritas em uma miríade de estudos de caso relacionados à complexidade dos problemas socioambientais urbanos.

Prontamente, toma-se como recorte disciplinar a ciência geográfica em sua concepção integradora. Acata-se, mais especificamente, a abordagem socioambiental como lente de interpretação da problemática urbano-ambiental, num contexto de conflitos resultantes de lógicas diferenciadas de apropriação e transformação da natureza e da sociedade (MENDONÇA, 2002; 2004).

Ao se considerar a opção por essa perspectiva teórica, o artigo foi desenvolvido à luz das seguintes questões-problema: (i) a partir de quais particularidades temáticas a problemática socioambiental urbana tem sido pesquisada no cerne do SIMPURB? (ii) a produção científica do evento em foco tem contemplado os pressupostos da abordagem socioambiental?

Duas hipóteses foram aventadas: (i) a problemática socioambiental urbana apresenta-se como um tópico complexo e heterogêneo, abrangendo uma multiplicidade de enfoques temáticos, os quais abarcam ainda singularidades conceituais; (ii) a abordagem socioambiental tem sido contemplada pela atual produção científica do Simpósio Nacional de Geografia Urbana.

Nesse prisma, buscou-se analisar o estado da arte da problemática socioambiental urbana no conjunto da produção científica de um dos eventos mais acatados pela comunidade geográfica nacional, o SIMPURB, edições de 2013 e 2015.

Ao se partir do pressuposto de que a interpretação da realidade dá-se em um contexto teórico, conceitual e metodológico delimitado, faz-se inicialmente um breve resgate das perspectivas que marcaram os estudos geográficos da relação sociedade-natureza preliminarmente à atual configuração da abordagem socioambiental.

O ESTUDO DA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA NA GEOGRAFIA: DO ENFOQUE NATURALISTA À ABORDAGEM SOCIOAMBIENTAL

A temática ambiental sempre esteve presente nos estudos geográficos, refletida através do nexo conceitual sociedade-natureza (MENDONÇA, 2014). Frisa-se, contudo, que as interpretações da relação homem-meio sofreram profundas transformações ao longo do desenvolvimento do pensamento geográfico.

A esse respeito, Mendonça (2014) sugere uma divisão do pensamento ambiental na Geografia em duas fases: a primeira abarca desde a institucionalização da Geografia como ciência moderna no século XIX até meados dos anos de 1950/60, já no século XX. A segunda fase do pensamento ambientalista nessa ciência estender-se-ia de aproximadamente 1960 aos dias atuais.

Pinto (2015) corrobora que o pensamento ambientalista na Geografia subdivide-se naqueles dois grandes períodos. Todavia, Pinto (2015) entende que no bojo do segundo período ambientalista caberia discriminar o período socioambiental, haja vista a emergência de novas posturas filosóficas, políticas e éticas perante os problemas derivados da relação homem-ambiente.

Suertegaray (2002) concorda que o viés ambiental na Geografia já comportou diferentes perspectivas. A autora em epígrafe cita o determinismo, o possibilismo e os horizontes dialético e sistêmico como as abordagens mais recorrentes na explanação geográfica da relação sociedade-natureza. Suertegaray (2002, p. 116) completa:

Na sua origem, a discussão desta relação (sociedade e natureza) buscava uma interação homem x meio e compreendia meio como sinônimo de natureza [...] Nesta visão o homem era entendido como externo ao meio. Ao longo do tempo, a Geografia vai transformando sua compreensão e passa a pensar o ambiente como homem/sociedade e seu entorno. As tendências mais atuais [...] tendem a pensar o ambiente sem negar as tensões sob as suas diferentes dimensões [...] Retoma-se um pensamento conjuntivo, onde meio ambiente vai sendo pensado como ambiente por inteiro.

Em sua primeira fase, a naturalista, o pensamento ambiental na Geografia concebia o homem e a natureza de forma dissociada e reducionista, cujas relações se resumiam a ponderações de cunho determinista, causal e unifocal, justificadas pelos pressupostos do positivismo clássico.

Nessa atmosfera científica e filosófica, o “ambiental” era entendido como um conjunto de elementos isolados (sociedade/natureza), sendo representado por meio da descrição opaca das paisagens. Por conseguinte, a ideia de se estudar o ambiente numa perspectiva integrativa (relação sociedade-natureza) conheceu o ostracismo durante toda a fase tradicional da Geografia (CLAVAL, 2014; MOREIRA, 2014).

Reflexo de um estado de coisas mais abrangente, a abordagem ambiental na Geografia sofreu significativas reelaborações a partir da década de 1960, cujo rebatimento na produção geográfica foi marcante, configurando o segundo período da abordagem ambiental na Geografia (MENDONÇA, 2014; PINTO, 2015).

Essa nova fase abrangeu, em um primeiro momento, os impactos sociais da Segunda Guerra Mundial. Durante este conflito, as paisagens naturais de vários países foram devastadas, bem como foram ceifadas as vidas de milhões de pessoas. Mendonça (2014) observa que as primeiras manifestações sociais relativas à preocupação com o meio ambiente foram decorrentes do pós-Segunda Guerra.

Nesse contexto, Mendonça (2014) assinala que as ameaças reais contra a natureza e o homem, vislumbradas durante o grande confronto de 1939-1945, plantaram o germe para o surgimento de movimentos sociais e ecológicos a partir da década de 1960.

Em linhas gerais, o movimento ecologista procurava enfatizar, às vezes de forma alarmista, que a exploração abusiva dos recursos naturais colocava todo o sistema Terra e a própria vida humana sob o risco de desaparecer.

Essa cosmovisão propalada pelo movimento ambientalista calcava-se na crítica ao modelo capitalista de “desenvolvimento”, cujo objetivo atrela-se à maximização do lucro a fim de ampliar o crescimento econômico, pois este modelo tem sido estruturado a partir da negação das suas possíveis consequências sobre o meio ambiente e, por extensão, sobre as sociedades mais vulneráveis do ponto de vista social, político e econômico.

Destaca-se que os movimentos ambientalmente engajados têm encontrado refúgio institucional nas cúpulas da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu pacote de programas para o meio ambiente tem se assentado em temas como biodiversidade, governança ambiental, justiça social, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, desertificação, entre outros (DESCHAMPS, 2004).

Na lista dos principais encontros patrocinados pela entidade em foco, cita-se a já longínqua Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, a qual ficou marcada pela querela entre os interesses político-econômicos dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Em 1992, a ONU organizou uma conferência no Rio de Janeiro, tendo como tema central Meio Ambiente e Desenvolvimento. Dez anos depois, ocorreu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, na cidade de Johanesburgo, África do Sul. A cidade do Rio de Janeiro voltou a ser palco dos debates ambientais, sediando a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Natural, ocorrida em 2012.

Nesse sentido, as mudanças ocorridas na abordagem geográfica da relação sociedade-natureza foram catalisadas por contingências de ordem global, tornando-se mais visíveis, portando, a partir daquele momento de agitação social em torno dos problemas ambientais.

Em vista da emergência desse cenário, os cientistas, e entre estes os geógrafos, viram-se requisitados a se posicionarem criticamente frente à nova realidade que se impunha. Entrementes, as ciências mais afeitas ao estudo da natureza e da sociedade refinaram ou desenvolveram novos aportes teóricos, metodológicos e técnicos no sentido de melhor enquadrar as questões que se adensavam.

Como salientado, a abordagem geográfica da relação sociedade-natureza tem conseguido avançar em elaborações mais conjuntivas do seu objeto de estudo. Aqui, cumpre mencionar os avanços analíticos proporcionados pela abordagem sistêmica – cujos fundamentos, conjugados com métodos outros, muito têm servido aos geógrafos engajados na construção da abordagem socioambiental (MENDONÇA, 2004).

Após uma sistematização iniciada por Karl Ludwig von Bertalanffy, a Teoria Geral dos Sistemas foi “descoberta” pelos geógrafos nos anos de 1950, inicialmente por aqueles mais diretamente afeitos aos estudos de geomorfologia (VICENTE; PEREZ FILHO, 2003).

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, o sistemismo já se encontrava amplamente aplicado aos estudos de Geografia Física, encontrando respaldo também nas proposições da Geografia Humana (REIS JÚNIOR, 2003).

No Brasil, os aportes sistêmicos chegaram com pelo menos duas décadas de atraso, mas ainda assim revitalizaram a Geografia brasileira em suas bases conceituais, teóricas e metodológicas, bem como em seus direcionamentos temáticos (CHRISTOFOLETTI, 2001).

Nos estudos ambientais, a aplicação da TGS originou diversas proposições metodológicas, com destaque para o geossistema de Sotchava (1977), cujos pressupostos inspiraram Bertrand (2007) na sua taxonomização da paisagem. Cita-se o conceito de ecodinâmica elaborado por Tricart (1977) – outro expoente dos estudos integrados que acatou a abordagem sistêmica como caminho analítico para o estudo integrado da relação sociedade-natureza, culminando com sua ecogeografia (ROSS, 2006).

Ainda no tocante à renovação da Geografia diante do agravamento das questões ambientais, menciona-se a tentativa de alguns geógrafos em aplicar o materialismo histórico-dialético ao estudo da relação sociedade-natureza, com inegáveis ganhos no que se refere à compreensão das desigualdades socioeconômicas e seu reflexo na segregação socioespacial.

Com efeito, o viés crítico proporcionado por esse referencial teórico-metodológico tem ajudado a entender por que grupos sociais menos privilegiados são lançados a ocupar áreas de maior vulnerabilidade a riscos ambientais no contexto dos espaços urbanos (ALMEIDA, 2012; ALBUQUERQUE, 2015; SANTOS, 2011).

Não obstante, Mendonça (2014) e Moraes (1997) sublinham as limitações do marxismo como método aplicado à análise ambiental, com destaque para as agudas distorções de cunho positivista derivadas da aplicação irrefletida de um método germinado no âmbito das ciências humanas, cujo alvo original voltava-se ao entendimento da dinâmica social. Não surpreende, portanto, o fato de a natureza ter sido resumida à concepção de “recurso” sobre o qual a sociedade poderia desenvolver suas atividades.

Salienta-se que a Geografia produzida nas décadas de 1980 e 1990 já comportava elementos de uma abordagem socioambiental, em virtude do engajamento dos geógrafos em produzir trabalhos acerca da degradação ambiental e social, refletida no crescente volume de estudos com tal perspectiva (SOUZA; MARIANO, 2008).

Nessa conjuntura acadêmica, os geógrafos têm se proposto a estudar as conexões entre sociedade e natureza considerando as complexas e contraditórias relações entre e no interior de cada um destes planos da realidade, contribuindo na elaboração de instrumentos que auxiliem na busca conciliada do crescimento econômico e da sustentabilidade socioambiental.

No fluxo das primeiras décadas do século XXI, a abordagem socioambiental na Geografia continua a avançar, sendo pensada e praticada numa perspectiva que procura avaliar conjuntivamente sociedade e natureza, sem ocultar suas particularidades. O acolhimento dessa abordagem desdobra-se perante a sobrevida dos estudos pretensamente ambientais, mas que se caracterizam, paradoxalmente, pela compartimentação e leitura estanque da dinâmica socioambiental, resultando tão somente em diagnósticos descritivos.

Destarte, a apreensão da problemática socioambiental exige posturas interpretativas condizentes com um mundo globalizado, em que as interações entre sociedade e natureza se desenrolam a partir de uma dinâmica sistêmica e complexa, não determinista e não linear, como outrora pressupunha o modelo cartesiano-newtoniano-baconiano inerente ao projeto da Geografia Moderna (CAMARGO, 2005).

À vista desse novo modo de pensar o ambiental, uma Geografia balizada por causalidades ingênuas e princípios mecanicistas lineares não mais se ajusta às complexidades hodiernas, tais como as questões associadas às vicissitudes socioambientais urbanas, reverberadas em riscos, vulnerabilidades, fragilidades, resiliência e demais problemáticas emergentes (MENDONÇA, 2011; SANTOS; ROSS, 2012; ALMEIDA, 2012).

Na perspectiva de se aproximar a uma conceituação da abordagem socioambiental, toma-se como ponto de partida o viés delineado por Mendonça (2002) e recentemente operacionalizado por Pinto (2015). Nestes termos, presume-se que um estudo elaborado em conformidade com a abordagem socioambiental:

[...] deve emanar de problemáticas em que situações conflituosas, decorrentes da interação entre sociedade e natureza, explicitem degradação de uma ou de ambas. A diversidade das problemáticas é que vai demandar um enfoque mais centrado na dimensão natural ou na dimensão social, atentando sempre para o fato de que a meta principal de tais estudos e ações é a busca de soluções do problema, e que este deverá ser abordado a partir da interação entre estas duas componentes da realidade (MENDONÇA, 2002, p. 134, grifo nosso).

Entende-se que os estudos direcionados às questões socioambientais urbanas devem considerar as heterogeneidades tanto quanto as homogeneidades contidas na relação natureza-sociedade. Assim sendo, acredita-se que as questões ambientais são reflexos das injustas, segregadoras e portando degradantes relações sociais. Abordar a distribuição desigual das vulnerabilidades na perspectiva da diversidade das condições sociais coloca-se como questão central de uma abordagem socioambiental.

Em termos teórico-metodológicos, postula-se um salto epistemológico estruturado na conjunção de aportes sistêmicos, complexos e dialéticos, transcendendo, assim, as abordagens simplistas balizadas por modelos de causa-efeito, os quais, por sua natureza reducionista, não enxergam as singularidades de uma realidade socioambiental longe do equilíbrio.

Em decorrência, assumindo-se o pressuposto de que natureza e sociedade portam dinâmicas particulares, infere-se que a análise integrada desses dois entes não pode ser concebida através de reducionismos e/ou monismos metodológicos (MORAES, 1997). Depreende-se disso a necessidade de intercâmbios disciplinares, desde que se assegurem as especificidades teórico-conceituais que dão significado e identidade a cada ciência.

A literatura que aborda especificamente os problemas ambientais urbanos no Brasil revela uma diversidade de situações conflituosas decorrentes da apropriação desigual e espontaneísta da natureza pela sociedade. Tais experiências se desdobram em análises particulares e apontam, por vezes, as tendências temáticas subjacentes ao tratamento das questões e impactos ambientais no contexto das cidades brasileiras.

Rodrigues (1998) destaca que a questão ambiental urbana deve ser compreendida como produto da intervenção da sociedade sobre a natureza e não apenas como problemas relacionados à natureza em si. Esta problemática é visível através de vários problemas, a saber: enchentes, poluição do ar, degradação das águas, ilhas de calor, a questão dos resíduos sólidos, entre outros tópicos.

Mendonça (2004) comenta que os problemas ambientais que ocorrem nas cidades são problemas socioambientais por excelência, haja vista ser a cidade o mais claro exemplo de espaço onde a interação entre natureza e sociedade se concretiza.

Coelho (2006) grifa que os problemas ambientais não atingem igualmente todo o espaço urbano, abrangendo, sobretudo, os espaços ocupados pelas classes sociais menos favorecidas, a exemplo dos leitos de inundação e encostas.

Santos (2011) destaca que a vulnerabilidade social está associada à segregação socioespacial, definindo a exposição diferenciada da sociedade aos riscos. A análise integrada dessas dimensões possibilita o estabelecimento de categorias de susceptibilidade aos riscos, considerando as fragilidades ambientais em face do desenvolvimento das atividades humanas.

Almeida (2012) pontua que, nos espaços urbanizados, as inundações estão entre as ameaças naturais que mais causam danos socioambientais. A problemática das inundações correlaciona-se a uma posição de indiferença e/ou desconhecimento da sociedade quanto à dinâmica de determinados sistemas naturais, tais como os rios urbanos.

Este breve apanhado sobre as transformações por que passou o pensamento ambiental na Geografia evidencia a mutabilidade e complexidade das perspectivas inerentes ao estudo da relação sociedade-natureza.

METODOLOGIA

A Figura 1 apresenta os elementos metodológicos da pesquisa. Como método filosófico-interpretativo, adotou-se o hipotético-dedutivo (DINIZ, 2015). A análise de conteúdo configurou a técnica utilizada, considerando as respectivas etapas: (i) pré-análise, (ii) análise e (iii) interpretação (BARDIN, 1977).

Qual foi o problema socioambiental e onde ocorreu?

Figura 1 – Elementos da metodologia
Fonte: Elaboração dos autores.

As especificidades temáticas das pesquisas foram abstraídas a partir dos seguintes elementos: recorte temático, problematização, hipóteses, objetivos, fundamentação teórico-metodológica e resultados alcançados.

Os anais do Simpósio Nacional de Geografia Urbana constituíram os materiais aos quais os métodos acima foram sistematicamente aplicados. Os anais foram acessados mediante os CD-ROMs do evento.

A PROBLEMÁTICA SOCIOAMBIENTAL URBANA NO ÂMBITO DO SIMPURB (2013 E 2015): ESTADO DA ARTE PRELIMINAR

Na perspectiva de conjugar o objetivo deste artigo às questões-problema levantadas e hipóteses correspondentes, apresentam-se no Quadro 1 os pressupostos atinentes à abordagem socioambiental, os quais perfazem os critérios para a análise crítica dos artigos publicados nas duas últimas edições do SIMPURB.

Quadro 1

Pressupostos básicos da abordagem socioambiental

Qual foi o problema socioambiental e onde ocorreu?

Mendonça (2002) e Pinto (2015), adaptado.

Os pressupostos acima foram tomados aqui como básicos para um trabalho desenvolvido no viés da abordagem socioambiental. A contemplação de todos ou parte destes princípios depende dos objetivos de cada investigação. Dessa maneira, foram consideradas as pesquisas que tenham contemplado ao menos um desses pressupostos.

Realizada em 2013 na cidade do Rio de Janeiro, a 13ª edição do SIMPURB agremiou os simposistas em torno do tema “Ciência e Política: Por uma Abordagem Crítica”. Por sua vez, a 14ª edição se desenrolou em 2015, em Fortaleza, e foi idealizada a partir do lema “Perspectivas e Abordagens da Geografia Urbana no Século XXI”.

No que diz respeito à produção acadêmica, ambas as edições se caracterizaram pela multiplicidade de enfoques temáticos, teóricos, conceituais, metodológicos, enfim, um rico e instigador ambiente epistemológico. A edição de 2013 estruturou-se em torno de 16 Grupos de Trabalho, ao passo que a edição de 2015 comportou 17 GTs.

Em seu conjunto, foram publicados nos anais das edições em análise 301 e 276 artigos, nessa ordem. Examinando-se o Grupo de Trabalho “Problemática Urbano-Ambiental”, este agremiou 25 e 26 artigos, respectivamente, num total de 51 contribuições.

No âmbito das particularidades temáticas a partir das quais os pesquisadores têm buscado avaliar os problemas socioambientais urbanos, estas configuraram um espectro variado de possibilidades (Figuras 2 e 3).

Qual foi o problema socioambiental e onde ocorreu?

Figura 2 – Problemática socioambiental urbana e suas particularidades no XIII SIMPURB
Fonte: XIII SIMPURB (2013). Elaboração dos autores.

Qual foi o problema socioambiental e onde ocorreu?

Figura 3 – Problemática socioambiental urbana e suas particularidades no XIV SIMPURB
Fonte: XIV SIMPURB (2015). Elaboração dos autores.

Em panorâmica, os trabalhos analisados apresentaram fundamentação teórica coerente e ajustada à complexidade da problemática socioambiental urbana. Por esse viés, a produção científica simpurbiana percebe a cidade como o centro de uma interação sistêmica, heterogênea e multifacetada entre sociedade e natureza.

As epígrafes temáticas representadas nas Figuras 2 e 3 corroboram, portando, uma das hipóteses colocadas nesse artigo: a problemática socioambiental urbana apresenta-se como um tópico complexo e heterogêneo, abrangendo uma multiplicidade de enfoques temáticos, abarcando ainda singularidades conceituais.

De fato, atreladas às particularidades temáticas emergem singularidades de fundo conceitual, tais como: degradação, impactos, riscos, vulnerabilidade, fragilidade, conflito, resiliência, entre outros conceitos e categorias de análise embutidos no universo de artigos analisados.

Que isso significa? Trata-se de modismos ou revisitações conceituais oportunas e coerentes com a multidimensionalidade da problemática socioambiental urbana? Certamente uma questão lacunar cuja resposta há de ser buscada em outras investidas acadêmicas.

Constituiu-se em resultado igualmente revelador do presente estado da arte a contemplação da abordagem socioambiental por significativa parcela da produção geográfica do SIMPURB (2013-2015), demonstrando seu caráter de tendência (PINTO, 2015).

Convém salientar que tal inferência não foi arquitetada somente a partir da identificação do termo “socioambiental” no âmago dos artigos. A análise partiu do exame detido dos artigos, considerando os elementos básicos de uma pesquisa, quais sejam: recorte temático, problematização, hipóteses, objetivos, fundamentação teórico-metodológica e resultados alcançados.

Em números, dos 25 artigos divulgados nos anais da 13ª edição do SIMPURB, 21 desenvolveram análises teórico-empíricas em observância a, no mínimo, um dos pressupostos da abordagem socioambiental. As demais contribuições mostraram-se marcadamente naturalistas no trato da problemática ambiental urbana.

Igualmente, a produção geográfica contida nos anais da 14ª edição do SIMPURB manifestou-se amplamente aberta aos pressupostos da abordagem socioambiental: 24 dos 26 artigos examinados atenderam ao menos um dos elementos-chave dessa abordagem.

Avaliado em sua totalidade, o atual estágio do conhecimento acerca da problemática socioambiental urbana, expresso na produção acadêmica do SIMPURB (2013-2015), sugere que a compreensão da dilemática relação sociedade-natureza nos espaços urbanos dar-se-á de forma mais exitosa justamente a partir:

- da percepção das situações conflituosas entre sociedade e natureza;

- da apreensão da diversidade dos problemas configurados no espaço/ambiente urbano;

- da proposição de diretrizes para o reestabelecimento do equilíbrio dinâmico entre sociedade e natureza;

- do enfrentamento inter, multi ou até mesmo transdisciplinar das questões socioambientais urbanas.

Dentro desse horizonte de discernimento, corrobora-se a segunda hipótese suscitada na presente análise: a abordagem socioambiental tem sido contemplada pela atual produção científica do Simpósio Nacional de Geografia Urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da atual fase do pensamento ambiental na Geografia, o entendimento da complexa e por vezes problemática relação sociedade-natureza mostra-se alheia a esquemas de pensamento reducionistas.

Especificamente no que alude ao estudo da problemática socioambiental urbana, emergem abordagens que privilegiam perceber sociedade e natureza a partir de suas interações complexas, instáveis e não lineares; enfim, um “todo” repleto de conflitos, inseguranças, irregularidades e volubilidades de ordem social, política, cultural, ideológica, econômica e ambiental.

Em detrimento da visão romântica que insiste em idealizar um “todo” integrado por relações harmoniosas entre homem e ambiente, buscam-se vieses interpretativos e modelos conceituais que evidenciem a multiplicidade e criticalidade das questões inerentes aos malogros urbano-ambientais, especialmente no Brasil.

Nessa direção, as particularidades temáticas no interior das quais as questões socioambientais urbanas têm sido empiricamente problematizadas no âmbito do SIMPURB compreendem: riscos e vulnerabilidades ambientais, fragilidade ambiental urbana, conflitos socioambientais, gestão de resíduos sólidos, degradação dos recursos hídricos, resiliência urbana, entre outros.

Faz-se referência também às abrangentes reflexões teóricas acerca dos conceitos clássicos da Geografia (espaço, paisagem, ambiente, lugar), considerando sua operacionalização diante da problemática urbano-ambiental contemporânea.

A percepção do espaço urbano como fundamentalmente “espaço social” negou por várias décadas a dimensão ambiental das cidades – daí o vácuo teórico-metodológico perante o qual os geógrafos se encontram, não obstante as recentes contribuições.

Nesse sentido, a opção por analisar como a abordagem socioambiental tem encontrado rebatimento no atual estágio do conhecimento produzido sobre o tema foco deste artigo revelou-se acertada, haja vista a boa aceitação dos pressupostos dessa abordagem pela produção científica simpurbiana.

Desta feita, no que se refere ao estudo da problemática socioambiental urbana, evidencia-se uma fase de rediscussão dos conceitos fundadores da Geografia ao mesmo tempo em que são agregadas outras categorias de análise a partir de uma releitura propriamente geográfica, tais como: ambiente urbano, risco, vulnerabilidade, resiliência e fragilidade. Cada uma dessas categorias calibra o ângulo específico pelo qual a dinâmica socioambiental pode ser analisada no cerne do espaço urbano, acrescentando e aprofundando novas questões acerca da multifacetada e contraditória relação sociedade-natureza.

Em virtude da discussão e resultados apresentados ao longo deste artigo, torna-se extremamente salutar o contínuo desenvolvimento dos aportes teóricos, conceituais e metodológicos da abordagem socioambiental, tendo em vista a delimitação mais objetiva dos seus pressupostos e recortes temáticos de aplicação.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Profa. Ma. Silvana de Sousa Silva, vinculada ao Instituto Federal do Pará, e ao Prof. Dr. Shanti Nitya Marengo, Universidade Federal da Bahia, por gentilmente disponibilizarem os anais da 13ª edição do Simpósio Nacional de Geografia Urbana.

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Qual foi o problema socioambiental?

Segregação, favelização, ilhas de calor, inversão térmica são alguns dos principais problemas socioambientais urbanos. A urbanização da sociedade aconteceu de forma desigual em todo mundo.

Qual foi o problema socioambiental mais recente?

Poluição do ar, desmatamento, extinção de espécies, degradação do solo e superpopulação representam grandes ameaças, que devem ser resolvidas para que o planeta continue sendo um lar para todas as espécies. O problema: a atmosfera e os oceanos estão sobrecarregados de carbono.

Qual é o maior problema socioambiental do Brasil?

Os principais problemas ambientais brasileiros são queimadas, desmatamentos e assoreamento de rios. São comuns também a poluição do solo, da água e da atmosfera. O desmatamento, um dos problemas ambientais mais comum no nosso país, diz respeito à retirada da vegetação de um local.

Quais são as principais causas dos problemas socioambientais?

As principais atividades causadoras dos impactos ambientais no planeta são a mineração, a agricultura, a exploração florestal, a produção de energia, os transportes, as construções civis como estradas e cidades, além das indústrias básicas químicas e metalúrgicas.