Após experimentar as catástrofes que as rivalidades geopolíticas poderiam acarretar, as potências mundiais adotaram, no pós-Segunda Guerra, uma combinação de Estado, mercado e instituições financeiras democráticas para garantir a paz, a inclusão, o bem-estar e a estabilidade. Show De acordo com a organização político-econômica “Keynesiana”[1], o Estado deveria concentrar-se no pleno emprego, no crescimento econômico e no bem-estar entre os seus cidadãos. O mercado e as atividades empreendedoras e corporativas sofreram uma série de restrições sociais e políticas regulatórias, que posteriormente ficaram conhecidas como “liberalismo embutido”[2]. Todavia, ao final dos anos 60, referida política começou a sinalizar a iminente decadência, consubstanciada no desemprego e na inflação, que levariam o mundo à “estagflação”, característica da década de 1970. O resultado foi o intenso debate entre os socialdemocratas, que defendiam o planejamento estratégico e os empreendedores, que buscavam o retorno às condições econômicas, para a retomada da acumulação ativa do capital. Paralelamente a esse embate ideológico, partidos comunistas e socialistas ganhavam espaço no cenário global contaminado de inflação e desemprego, razão pela qual as classes dominantes tinham de agir, para se proteger da iminente ameaça política e econômica. Nesse diapasão, o “projeto neoliberal” foi muito mais uma ardilosa estratégia voltada para restaurar o poder dessas classes, do que um projeto utópico de realizar um plano de reorganização do capitalismo internacional. Conforme preleciona o professor José Martins Catharino, o neoliberalismo econômico não diferiu, em essência, do liberalismo ortodoxo, mormente no que diz respeito à sua faceta anti-humanista e ao custo social a ele inerente.[3] No Brasil, as ideias neoliberais começaram a ser difundidas em meados da década de 1980, na esteira da crise do Estado desenvolvimentista, consubstanciada no desequilíbrio da balança financeira e no fracasso dos planos de estabilização monetária. A aliança entre a intensa propaganda midiática, a busca pelo fortalecimento da economia e a insatisfação com o caráter clientelista do Estado brasileiro, convergiram no apoio quase unânime das regras estabelecidas pelo “Consenso de Washington” [4] para a estabilização dos países periféricos, quais sejam: o combate à inflação; a efetivação das reformas estruturais e a retomada dos investimentos estrangeiros, independentemente das consequências do chamado “custo social” [5]. Nesse cenário, a implantação do Plano Real, em 1993, e a eleição do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para o cargo de Presidente da República, ao 01 de janeiro de 1995, representaram o engodo necessário à constituição da hegemonia do modelo neoliberal no interior da nossa sociedade. A imposição do ideário de priorização do capital em detrimento do trabalho ocasionou, na esfera jurídico-trabalhista brasileira, impactos de quatro ordens, como leciona o professor José Martins Catharino: privatização; terceirização; desregulação e flexibilização. A partir da década de 1980, o Estado decadente e falido foi aos poucos se tornando meio regulador da reestruturação produtiva, ganhando destaque o aumento da governança e a setorização dos serviços, com a consequente comercialização dos direitos sociais. No âmbito da Justiça do Trabalho, a descentralização administrativa foi usada como subterfúgio para eximir o Estado das responsabilidades pelo cumprimento das normas trabalhistas junto a seus servidores. Nos termos do parágrafo 1º, do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, alterado pela Lei nº 9.032/95:
Referido dispositivo foi recentemente, declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, aos 24 de novembro do ano de 2010, porquanto o entendimento majoritário dos Tribunais atribui a responsabilidade subjetiva ao Ente Público, em manifesto confronto com o parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Outrossim, a pretexto de serem regidas pelo regime jurídico de direito privado, aos servidores das empresas públicas e sociedades de economia mista, independentemente de serem concursados ou não, não é garantida a estabilidade, podendo ser dispensados ad nutum¸ sendo desnecessário o ato motivado da Administração Pública, de acordo com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, pacificado na Súmula nº 390 e Orientação Jurisprudencial nº 247, da 1ª Seção de Dissídios Individuais.[6] Ainda que não se trate propriamente de uma consequência do neoliberalismo, a terceirização foi impulsionada pela precarização das relações do trabalho, imposta pelo novo modelo. Com efeito, o fenômeno existente no Brasil desde a década de 1940, regulado pelo artigo 455 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe sobre subempreitada e pela Lei do Trabalho Temporário – Lei nº 6.019/74, ganhou força e praticamente monopolizou, a partir dos anos 80, as formas de contratação da mão-de-obra não qualificada, preponderantemente ocupada em trabalhos físicos e de baixo valor de contraprestação. Inobstante o disposto na Súmula nº 331[7], do Tribunal Superior do Trabalho, a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal e inconstitucional, por ferir os fundamentos do Estado Democrático de Direito, quais sejam a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Sobre o tema, o professor Jorge Luiz Souto Maior esclarece:
A desregulação, por sua vez, é a retirada do âmbito da legislação, parte dos direitos dos trabalhadores, garantidos por lei, de modo a permitir que eles sejam regulamentados através de negociações coletivas entre as categorias envolvidas. Nas palavras do mestre Américo Plá Rodriguez:
É certo que o artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho admite a contratualidade plena do conteúdo das relações de trabalho, “em tudo quanto não contravenha às disposições da proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. Cediço, ainda, que no ordenamento jurídico brasileiro, contrato e lei são fontes de direitos e obrigações entre as partes, de modo que a própria Constituição Federal garante o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, como direito fundamental dos trabalhadores, nos moldes do inciso XXVI, do seu artigo 7º. Todavia, no atual cenário coletivo brasileiro, a fraqueza dos entes sindicais frente à robustez do capital dominante desvirtua, por completo, a finalidade das negociações coletivas, na medida em que não há paridade entre os negociantes. Nesse sentido, elucida a jurista Andréia Galvão:
Flexibilização, de acordo com José Martins Catharino, é a capacidade de adaptação do regime normativo e do das instituições à vontade unilateral ou bilateral das partes da relação de trabalho[11]. Diversamente da desregulação, este fenômeno implica nova regulamentação das relações de trabalho, de modo a compatibilizá-las com os interesses da classe dominante no modelo neoliberal, qual seja aquela que detém o capital. No Brasil, os principais retratos da flexibilização das normas trabalhistas dizem respeito ao aumento do poder potestativo dos empregadores no tocante às formas de contratação, às jornadas de trabalho e à política salarial. Dentre as principais mudanças no cenário contratual estão a Lei nº 8.949/94, que introduziu o já revogado parágrafo único do artigo 442 da CLT, isentando a cooperativa e os tomadores de serviços da responsabilidade pelos direitos trabalhistas dos cooperados; Lei nº 9.601/98, que estendeu o contrato de trabalho por prazo determinado, previsto no artigo 443 da CLT, para qualquer setor ou ramo de atividade, independentemente das condições estabelecidas no dispositivo celetista e MP nº 1.726/98, que introduziu o artigo 476-A na CLT, possibilitando a suspensão temporária do contrato de trabalho, para a qualificação profissional do trabalhador, mediante negociação coletiva. Com relação à jornada de trabalho, a MP nº 1.709/98 modificou o parágrafo 2º, do artigo 59 da CLT, para instituir o denominado “banco de horas”, isentando os empregadores do pagamento do acréscimo das horas extras, desde que compensadas no período de um ano, com o aval dos sindicatos; a MP nº 2.164-41/01 instituiu o regime de trabalho a tempo parcial, com salário proporcional, nos termos do artigo 58-A da CLT. No que concerne às políticas salarias, a MP nº 1.029/95 estabeleceu a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas, de forma desvinculada à sua remuneração, na forma do artigo 3º da medida provisória; a MP nº 1.053/95, que dispôs sobre o Plano Real, induziu a livre negociação salarial, através da eliminação da política de reajuste automático dos salários. O modelo neoliberal representou mais uma estratégia de dominação dos países capitalistas, cuja elite clamava pela nova acumulação de capital, após o declínio econômico do pós-guerra. Nesse sentido, a injeção monetária realizada nos países emergentes ao final da década de 1970, com a assunção total de riscos pelos devedores, foi sem dúvidas o elemento propulsor da recessão econômica vivida nas décadas seguintes. No Brasil, as consequências da implementação da nova ordem consubstanciaram-se na acumulação desregrada de grande quantidade do capital nas mãos das corporações, bem como na abertura desmedida e irregular do mercado nacional, sem a devida proteção aos setores estratégicos, como o mercado de trabalho, que sofre até hoje com os sintomas da privatização; terceirização; desregulação e flexibilização. Notas[1] O termo se refere ao economista inglês John Maynard Keynes, que em sua obra General theory of employment, interest and money, buscou racionalizar uma nova organização político-econômica, oposta às concepções neoliberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia. [2] Segundo o estudioso David Harvey, o “liberalismo embutido” representou uma espécie de planejamento econômico e industrial, liderado pelo Estado. Consoante esclarece o autor, esse método levou o Estado à posse de muitos setores-chave da economia, como carvão, aço e automóveis, conforme ocorreu na Grã-Bretanha, França e Itália. HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Editora Loyola: São Paulo, 2008. P. 20/21. [3] CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela: privatização, desregulação, flexibilização, terceirização. São Paulo: LTr, 1997. P. 19. [4] Consoante elucida a jurista Andréia Galvão, o “Consenso de Washington” foi uma sistematização de recomendações, realizada pelo economista John Williamson, em 1990, feitas aos países periféricos, pelas instituições financeiras internacionais, a partir da crise da dívida externa, cujos pilares eram a estabilização da macroeconomia e o incentivo à iniciativa privada. Ainda segundo a autora, a denominação “Consenso” diz respeito ao fato de que tais ideias eram apresentadas como pensamento unânime e hegemônico, ao qual não haveria alternativa. WILLIAMSON, 1990. Apud GALVÃO, Andréia. Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Rio de Janeiro: Coedição Revan, Fapesp, 2007. P. 39. [5] ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito Constitucional do Trabalho: sua eficácia e o impacto do modelo neoliberal. São Paulo: LTr, 1998. P. 85 [6] Súmula nº 390 Tribunal Superior do Trabalho. Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional - Empregado de Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista. I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (Grifamos) OJ 247. 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade; (Grifamos) II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais. [7] Após a edição da Lei nº 7.102/83, que trouxe ao ordenamento jurídico a primeira hipótese de terceirização permanente reconhecida legalmente, qual seja a dos serviços de vigilância e transporte de valores, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula nº 256, que dispunha: “Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nos 6.019/1974 e 7.102/1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços”. Com o advento da Lei de Licitações – Lei nº 8.666/93, que permitiu ao Ente Público a contratação de trabalhadores por empresa interposta, o TST reeditou a Súmula nº 256, transformando-a na Súmula nº 331, cuja atual redação estabelece: Súmula 331. Tribunal Superior do Trabalho Contrato de prestação de serviços. Legalidade. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. [8] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Carta Aberta aos “Terceirizados” e à Comunidade Jurídica. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI131703,71043-Carta+Aberta+aos+Terceirizados+e+a+Comunidade+Juridica. Acesso em 10.02.2013. [9] Apud CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela: privatização, desregulação, flexibilização, terceirização. São Paulo: LTr, 1997. P. 43 [10] GALVÃO, Andréia. Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Rio de Janeiro: Coedição Revan, Fapesp, 2007. P. 182. [11] CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela: privatização, desregulação, flexibilização, terceirização. São Paulo: LTr, 1997. P. 49 Quais são as consequências do neoliberalismo para o trabalho?A imposição do ideário de priorização do capital em detrimento do trabalho ocasionou, na esfera jurídico-trabalhista brasileira, impactos de quatro ordens, como leciona o professor José Martins Catharino: privatização; terceirização; desregulação e flexibilização.
Quais são as principais ideias defendidas pelo neoliberalismo?Os teóricos neoliberais defendem a mínima cobrança de impostos e a privatização dos serviços públicos. A doutrina neoliberal prega a menor participação possível do Estado na economia, dando preferência aos setores privados.
Em que o neoliberalismo afetou o sistema trabalhista tradicional?O neoliberalismo vai propagar que o aumento de direitos tem uma dimensão antieconômica". Com a globalização, houve uma redução dos níveis de proteção trabalhista. A forma de produção foi remodelada, passando a ser fragmentada, o que ocasionou uma redução na representatividade sindical.
Quais as consequências do neoliberalismo Brainly?o neoliberalismo é um conjunto de ideias politicas e economicas que excluem o estado de sua economia, uma das maiores consequencias foi a exploração a mão de obra por não haver intervenção do estado, deixando livre negociação, gerando desempregos, baixos salários, aumento das diferenças sociais e ai por diante.
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