Publicado 06/07/2017 por Otávio Carvalho
O instituto da recuperação judicial, regulamentado pela Lei 11.101/2005, tem seus objetivos definidos no artigo 47, quais sejam: “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Nesse contexto, o artigo 6º da mesma lei prevê que no período de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação ficam suspensas todas as ações e execuções propostas contra a devedora/recuperanda, que é o chamado stay period, criado no intuito de proteger o patrimônio da empresa classificado como essencial ao exercício de suas atividades e, consequentemente, ao seu reerguimento.
Todavia, o § 4º do artigo supracitado traz certa insegurança às recuperandas, ao definir que referido prazo, de 180 dias, seria improrrogável, de modo que ao seu término todas as ações e execuções movidas em face destas seriam retomadas, inclusive com possibilidade de expropriação de bens.
O processo de recuperação judicial é demasiadamente complexo, demanda negociação com credores, eventual busca por investidores, análise e planejamento de todos os demais fatores que tornarão viável a recuperação judicial e o reerguimento da empresa. Desse modo, não é incomum que tal trâmite extrapole o lapso temporal de 180 dias, previsto em lei.
Importante destacar que, muitas das vezes, o vencimento do referido prazo dá-se pela própria morosidade do Poder Judiciário, sem que haja má-fé da recuperanda.
A título ilustrativo, cumpre destacar que deferido o processamento da recuperação judicial a empresa devedora deve apresentar seu plano de recuperação judicial em até 60 dias, e muito embora o artigo 56 da Lei 11.101/2005 estipule o prazo de 150 dias para a convocação da assembleia geral de credores, não raro essa norma não é respeitada pelo Judiciário.
Logo, apresentado o plano dentro do prazo estipulado por lei, e ocorrendo atraso na convocação da assembleia, a recuperanda não pode ser prejudicada com o prosseguimento das ações e execuções movidas contra si, em virtude da ineficiência do Estado ou mesmo da burocracia e complexidade que envolvem o processo.
O tema fora objeto de debate na I Jornada de Direito Comercial, ocorrida em Brasília, no ano de 2013, na qual se formulou o Enunciado 42: “o prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor”.
Pela leitura do enunciado percebe-se o privilégio dado ao reerguimento da empresa em detrimento da satisfação imediata de seus credores, em virtude do cumprimento de sua função social, da manutenção de empregos e da participação na movimentação econômica do país.
Por isso o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o decurso do prazo de 180 dias por si só não é suficiente para a retomada do curso das ações e execuções movidas contra a recuperanda.
Referido posicionamento está fundado em uma análise sistemática da LRF, notadamente de seus artigos 47 e 49, os quais denotam o propósito de preservação da empresa, de tal sorte que, para que a citada preservação seja efetiva, é indispensável que a recuperanda permaneça na posse dos bens essenciais ao exercício de suas atividades.
Portanto, ao final do stay period, não é razoável que as ações e execuções movidas contra a recuperanda tenham seu curso automaticamente retomado, sob pena de inviabilizar por completo a execução do plano de recuperação judicial apresentado, de modo que é necessária a expressa manifestação de concordância do juízo da recuperação judicial, que deverá se pronunciar acerca da existência ou não de desídia por parte da recuperanda.