O que caracteriza a receptação qualificada?

O crime não está longe de nós, como quase sempre pensamos. Às vezes, está no mercadinho próximo à nossa casa, às vezes na banquinha onde compramos pilhas… Algumas vezes somos vítimas e, em outras, acabamos por ser receptadores.

O crime de receptação, de forma genérica e comum, é taxado pela nossa população como “o crime dos inocentes”, mas a verdade é que está longe de ser menos gravoso, menos delituoso ou ser, de fato, um crime cometido apenas por inocentes.

É preciso compreender que somos responsáveis por nossas atitudes, por nossas ações, e, não podemos alegar desconhecimento da lei. 

Então, por que o crime de receptação é conhecido dessa forma? Qual seu conceito? Quais suas características e seu funcionamento?

Continue a leitura e entenda as nuances e complexidades que envolvem o crime de receptação.

O que é crime de receptação?

O crime de receptação foi incluído no Código Penal brasileiro pela Lei 9.426, de 24 de dezembro de 1996. Diz o dispositivo:

Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte; Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

É um crime, habitualmente, conceituado pela nossa sociedade como “o ato de comprar coisa roubada” e é mais comum do que se imagina. No entanto,  ele possui tratamento mais banalizado do que se deveria. São poucas pessoas que conhecem, de verdade, suas particularidades e suas modalidades.

Trata-se de um crime acessório, ou seja, necessita que tenha ocorrido um crime anterior, que na maioria das vezes é um furto ou um roubo, para que sua existência seja validada no mundo jurídico. É um dos crimes mais importantes abrigados no Título Crimes Contra o Patrimônio, porém, não tem como requisito que o delito anterior também seja crime pertencente a este título. Sendo assim, quem adquire, por exemplo, objeto produto de peculato que é crime contra a Administração Pública, também está cometendo receptação.

Ao fazermos a leitura do caput do artigo 180, percebemos que não é, simplesmente, o ato de comprar que irá tipificar o crime, mas, também, receber, transportar, conduzir ou ocultar algo que sabe ser produto de crime. Até mesmo o ato de influenciar e incentivar um terceiro para que este adquira, receba ou oculte o objeto que é produto de um crime anterior, é, também, tipificado como crime de receptação.

A leitura da seguinte parte do artigo: “coisa que sabe ser produto de crime”, automaticamente, nos remete ao elemento criminal chamado “dolo”. Isso mesmo! Pois o indivíduo sabe que aquela coisa que ele está adquirindo, recebendo ou ocultando é produto de um crime. Então, de maneira geral, podemos concluir que o crime de receptação é um crime doloso. No entanto, ele também admite a possibilidade culposa, com algumas condições. 

As peculiaridades são muitas e o estudo vai nos trazer respostas mais objetivas a cada questionamento que surgir.

Quem é a vítima do crime de receptação?

O sujeito passivo do crime de receptação, ou seja, a vítima, é a mesma do crime anterior. Aquela que, por exemplo, teve o bem furtado ou roubado.

O que é considerado crime de receptação culposa?


Como se pode perceber, o caput do artigo 180 abrange apenas a receptação mediante dolo. No entanto, também existe o dolo eventual, aquele em que se assume o risco, consistindo na dúvida sobre a origem delituosa da coisa e caracterizando, então, a receptação culposa.

A receptação culposa também está prevista no artigo 180 do Código Penal, em seu parágrafo terceiro diz: § 3º – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

O que se leva em consideração nesta disposição é o comportamento do homem. Se for possível desconfiar da origem criminosa da coisa, torna-se indispensável reconhecer a culpa do adquirente. Não é nem um pouco razoável deixar passar impunemente referida atitude.

Inclusive, no texto da lei, consta fatores importantes a serem levados em conta, por exemplo: a desproporção entre valor e preço ou a condição de quem a oferece. Ora, por óbvio, se conheço um produto, e seu valor, e vejo que quem me vende coloca um preço muito, muito abaixo do valor de mercado, então algo não pode estar correto. O mesmo é válido para a ideia de quem oferece o produto: se percebo, por exemplo, que é um usuário de entorpecentes quem me oferece, não deveria redobrar minha atenção?

Cabe ressaltar que o homem rústico, simples, que apresenta pouca ou nenhuma instrução, não deve ser incluído aqui. Este não vai incorrer no delito, pois tratamos exatamente do homem médio, que possui instruções e informações necessárias para avaliar a questão posta.

Ainda tratando de receptação culposa, é possível obter o perdão judicial, o qual culminará na extinção da punibilidade. Para isso, o juiz avaliará as circunstâncias do crime e o réu deverá ser primário. O § 5ª do artigo 180 do Código Penal dispõe:

§ 5º – Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

Quais são os tipos de receptação?

Já falamos a respeito do crime de receptação em suas formas dolosa e culposa. A partir de agora, iremos analisar os tipos e modalidades desse crime.

Receptação dolosa

A receptação dolosa se divide em cinco tipos: própria, imprópria, privilegiada, agravada e qualificada.

Receptação culposa

Já a receptação culposa é de tipo único, estando prevista no §3° do art. 180 do Código Penal, como já foi dito acima.

Receptação dolosa qualificada

Para iniciarmos os tipos de receptação na modalidade dolosa temos a forma qualificada que está prevista no §1° do art. 180 e complementada pelo §2° do mesmo artigo, do Código Penal:

“§ 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa”.

Neste caso, o receptor, ou seja, o agente ativo da receptação, deverá exercer uma atividade comercial ou industrial, portanto, deverá ser um empresário. Os produtos adquiridos, pelo fato de serem furtados ou roubados, são vendidos a preços mais baixos e, adquirindo tais produtos, o empresário possuirá uma maior quantidade de lucro, porém, de forma imoral e criminosa.

O §2° complementa a ideia de atividade comercial e diz que:

“equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência”.

Receptação dolosa privilegiada

A receptação privilegiada somente ocorrerá diante de duas condições: se o agente do crime de receptação for réu primário, ou seja, que nunca foi condenado por sentença transitada em julgado, e se a coisa em questão for de pequeno valor.

A primeira condição é bastante objetiva. Já a segunda, que diz respeito ao valor da coisa, é mais subjetiva e será determinada pelo juiz, que levará em consideração a condição econômica do agente.

A receptação privilegiada está prevista no §5° do art. 180, do CP, que diz: “§ 5º – Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155”.

Receptação dolosa agravada

Porém, a situação pode se complicar se a coisa em questão for um bem de caráter público, ou seja, bem pertencente ao patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista. Se este for o caso, então estaremos diante de uma receptação dolosa agravada. 

Trata-se de uma forma qualificada da receptação e a pena será aplicada em dobro. Este tipo está previsto no §6° do art. 180 do CP, que diz:

“Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo”.

Qual a diferença entre receptação própria e imprópria?

A receptação própria e imprópria estão no caput do artigo 180, que está dividido em duas partes e que aqui detalharemos.

A primeira parte, a receptação própria, é mais simples e trata-se de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. Nessa modalidade, o agente sabe que a coisa em questão é fruto de um crime e, mesmo assim, adquire diretamente, não importando, para ele, o crime que antecedeu.

Já a receptação imprópria está na segunda parte do caput e se trata de influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte coisa proveniente de crime. Nesse caso, o agente usa de argumentos para convencer um terceiro a adquirir o produto de delito, seja incentivando ou constrangendo. Exemplo é dizer que estará perdendo uma oportunidade incrível, exclusiva e única de adquirir o produto por um preço muito abaixo do mercado legal.

Como acontece um crime de receptação?

Diante de tudo o que foi exposto, pode-se concluir que o crime de receptação acontece decorrente de ação múltipla. São vários os verbos que estão dispostos no Código Penal para conceituar o crime em questão. Para que a receptação exista, é necessário a ocorrência de um crime anterior, que o agente queira obter vantagem para si ou para alheio e mais de uma conduta típica tenha sido executada. Por exemplo, adquirir e transportar a coisa proveniente de furto para obter dinheiro de forma rápida.

Qual é a pena para crime de receptação?

Como regra geral, a pena é a de reclusão de 1 a 4 anos, mais multa. Acontece que existem outros tipos de receptação, portanto, mais de uma pena deve ser considerada. Deve-se pontuar cada uma delas para que não reste dúvidas a respeito dessa temática.

Se o crime for praticado em detrimento de bens que integram patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena posta como regra geral será aplicada em dobro. Percebe-se que a receptação passa a ser agravada em caso de patrimônio público e, também, há necessidade de maior rigor na pena quando o agente sabe da procedência ilícita do bem.

Já na receptação culposa a pena será detenção de 1 mês a 1 ano, ou multa, ou ambas, com a possibilidade de perdão judicial caso o réu seja primário e as circunstâncias avaliadas pelo juiz forem favoráveis.

Analisemos como o dispositivo legal trata de questões muito sensíveis, deixando para ser avaliado pelo juiz o caso para que o menor número de injustiças seja cometida. Ainda que se trate de crime, ofendendo patrimônio, é preciso considerar o indivíduo por trás de cada história.

Como denunciar um crime de receptação?

O crime de receptação poderá ser denunciado em Delegacias de Polícia ou de forma online. Alguns estados já permitem realizar o Boletim de Ocorrência dessa maneira.

É um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, mesmo que a vítima não tenha como levar ao conhecimento da Autoridade Policial, a ocorrência do crime cometido contra ela – no caso da receptação, muitas vezes, a vítima nem ciente está – ou não queira que o agente seja punido, ainda assim o Ministério Público tem o dever de investigar e, se for necessário, oferecer denúncia contra o agente.

A ação pode ser proposta no local em que se consumou a receptação ou, havendo conexão, diante da regra constante do artigo 76, III, do Código de Processo Penal:

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Conclui-se, portanto, que o crime de receptação não é, nem de longe, um crime de inocentes, afinal, de modo geral, pressupõe-se a existência de dolo para caracterizar crime. E, a legislação, se adianta no caso de haver, sim, terceiros de boa-fé envolvidos, ou que o agente seja primário e as circunstâncias tenham o levado a cometer tal.

Portanto, compreende-se que o crime de receptação é um dos mais importantes do Título Crimes Contra o Patrimônio e, não deve, de maneira nenhuma, ser banalizado pela sociedade. 

É um crime acessório, dependendo sua existência da ocorrência de um primeiro crime, por exemplo: um roubo acontece, uma arma é levada, após alguns dias essa arma que foi ocultada, é recebida, transportada e vendida a um preço muito abaixo do seu valor de mercado, veja, então, que o primeiro crime é o roubo, na sequência vêm os verbos que tipificam o crime de receptação.

Evidentemente que o bem jurídico tutelado é o patrimônio, o sujeito ativo é qualquer pessoa, exceto o autor, coautor e partícipe do crime anterior, já o sujeito passivo é, com toda certeza, a vítima do crime anterior. O produto do crime, muito relevante aqui, é a coisa adquirida de forma ilícita, lembrando que receptar é o mesmo que “dar esconderijo” e apenas bens móveis podem ser ocultados.

Vimos as modalidades do crime, suas diferenciações e classificações. Vimos, também, que é um crime de ação penal pública incondicionada, independente da vítima saber ou não, querer ou não, a Autoridade Policial está apta a investigar e o Ministério Público tem o dever de, sendo necessário, oferecer denúncia contra o agente.

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Deve saber na receptação qualificada?

Na receptação qualificada, a expressão “coisa que deve saber ser produto de crime” é interpretada pelo STF no sentido de que é impossível a forma culposa do crime no exercício de atividade comercial. A receptação qualificada é punida a título de dolo.

Qual a diferença de receptação simples e qualificada?

Enquanto que, na receptação simples, em razão da exigência do conhecimento da origem da res, tem-se entendido que só o dolo direto é capaz de caracterizá-la, aqui na receptação qualificada, tanto faz se o agente obrar com dolo direto como com dolo eventual, interpretação que nos parece condizente com a expressão “deve ...

Qual elemento subjetivo exigível para configuração do delito de receptação qualificada?

Exige-se, como elemento subjetivo do tipo, para a prática do crime de receptação qualificada, o dolo direto, consistente na prova da suspeita pelo agente da origem ilícita do bem.

Quem é o sujeito ativo da receptação qualificada?

A figura qualificada da receptação tem como sujeito ativo somente o comerciante ou o industrial, por expressa determinação legal. Tratando-se de crime próprio, não pode ser atribuído ao funcionário da empresa proprietária do objeto supostamente receptado.