É vedada a edição de medidas provisórias sobre direito penal?

É vedada a edição de medidas provisórias sobre direito penal?

01 de Dezembro de 2005

A inconstitucionalidade de medida provisória em matéria penal - a atipicidade do art. 12 do estatuto do desarmamento

Em novembro de 2003 foi promulgada a Lei nº 10.826, que em seu bojo, mais precisamente no art. 12, criminalizou a conduta de possuir irregularmente arma de fogo de uso permitido. No entanto, nos arts. 30 e 32 da mesma lei, foi regulamentado um prazo de 180 dias de atipicidade para aquela conduta, ou seja, 180 dias após a promulgação do Estatuto do Desarmamento, quem possuir arma de fogo de não estará cometendo um crime.

Mas por uma infelicidade, foram promulgadas as Medidas Provisórias nºs 174, 229 e 253, que prorrogaram esse prazo até 23 de outubro de 2005. Por um lado, até podemos considerar tais medidas com eficientes, ante a Campanha do Desarmamento, que busca o desarmamento da população e com tais prorrogações, as pessoas tem um prazo maior para entregarem suas armas.

Entretanto, como passarei a expor, medidas provisórias, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 32/2001, não podem regular matéria penal e processual penal, vez que, principalmente, fere disposição expressa do art. 62, 1º, I, b, da Constituição da República, in verbis:

“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo sub­metê-las de imediato ao Congresso Nacional. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil.”

Podemos inferir da análise do dispositivo retro, que as medidas provisórias que regulam matéria penal e processual penal são inconstitucionais em dois pontos:

A um, porque a edição de medidas provisórias pelo Executivo demonstra a invasão deste poder em matéria reservada pela Constituição da República a outro poder, qual seja, o Legislativo, ferindo, portanto, o princípio da Separação dos Poderes. Segundo Claus Roxin, “o princípio constitucional da divisão de poderes exige que apenas o legislador, como representante direto da vontade popular, decida acerca da punibilidade de uma conduta” (1).

“Ora, se o legislador constituinte entendeu indelegáveis essas matérias pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo, lógica e coerentemente, não seria cabível manter a possibilidade de o presidente da República, unilateralmente por medidas provisórias, discipliná-las” (2).

No mesmo sentido, Celso de Mello Filho, “a privação, mesmo cautelar, da liberdade individual, a tipificação de novas entidades delituosas e a cominação de penas não podem constituir objeto de medidas provisórias, em face, até, da irreversibilidade das situações geradas por essa espécie normativa” (3).

A dois, porque existem dois pressupostos para a emissão de uma medida provisória, são elas a relevância e a urgência. Quanto à relevância não há o que se discutir, pois ele é requisito característico da matéria penal. No entanto, a urgência não condiz com o Direito Penal. “Se através desta disciplina se determina a imposição de uma pena, se estão em jogo direitos e liberdades que precisam ser salvaguardas diante do próprio Poder Executivo, não se compreenderia que razões de urgência pudessem desguarnecer o cidadão de suas garantias (...). (4)”

Se não bastassem tais argumentos, a edição de medida provisória nesta seara fere gravemente um princípio do direito penal, qual seja, o princípio da legalidade ou da reserva legal, inscrito no art. 1º do Código Penal e salvaguardo constitucionalmente no art. 5º, XXXIX da Constituição da República. Segundo ele, somente a lei pode disciplinar tais matérias.

Os contrários a esse entendimento argumentam ainda que, a vedação constitucional de medida provisória nesse campo somente abarca as normas incriminadoras, que não beneficiam o réu. No entanto, segundo os critérios de interpretação e o princípio da intervenção efetiva trazido por Canotilho, “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê” (5).

Se o legislador constitucional não distinguiu a vedação, se em norma incriminadora ou não, não cabe ao intérprete distinguir.

As Medidas Provisórias nºs 174 e 229 já foram convertidas, respectivamente, nas Leis nºs 10.884 de 2004 e 11.118 de 2005. No entanto, “o fato do Congresso Nacional vir a ratificar, com ou sem emendas, uma medida provisória, de caráter penal, não legitimaria a competência do Poder Executivo para normatizar a matéria” (6).

Ante todo o exposto é forçoso concluir que as medidas provisórias que prorrogaram o prazo de atipicidade do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, a par de sua importância, são inconstitucionais.

Notas

(1) In: FRANCO, Alberto Silva e outros. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Parte Geral, 6ª ed., revista e ampliada, p. 49.

(2) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 561.

(3) MELLO FILHO, Celso de. Medidas Provisórias. In: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 562.

(4) FRANCO, Alberto Silva e outros. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Parte Geral, 6ª ed., revista e ampliada, p. 49.

(5) In: JESUS, Damásio de. “Estatuto do Desarmamento: Medida provisória pode adiar o início de vigência de norma penal incriminadora?”, São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, maio de 2004. Disponível em: .

(6) FRANCO, Alberto Silva e outros. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Parte Geral, 6ª ed., revista e ampliada, p. 49.

Míriam Figueiredo da Silveira
Estudante do 8º período da Universidade Federal de Viçosae estagiária do Ministério Público de Minas Gerais

É vedada a edição de medida provisória?

É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais ...

É vedada a edição de medida provisória que trate de temas de direito penal?

É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal, processual penal, processual civil e já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e vetado pelo Presidente da República.

É permitida a edição de medida provisória?

Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

É permitida a edição de medida provisória que ver se sobre?

retenção de bens de poupança ou de ativo financeiro. organização do Poder Judiciário e do Ministério Público. direitos políticos e partidos políticos.