Como lidar com pacientes com transtornos mentais?

Mesmo sabendo que pessoas com transtornos mentais cronificados precisam de um suporte especializado, é muito comum o sentimento de culpa nos familiares.

Todos conhecem alguém que já passou por uma internação em um hospital tradicional. Seja por uma intoxicação alimentar, uma crise de pressão alta ou mesmo uma doença mais severa, o fato é que a internação é um procedimento comum e muito importante para salvar vidas.

No entanto, quando o tema é saúde mental, o debate é muito mais complexo pelo tabu que ainda existe na sociedade, trazendo o sentimento de vergonha e culpa ao paciente e familiares.

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 3% da população brasileira apresenta transtornos mentais severos e persistentes. Assim como em qualquer condição médica grave, pessoas com esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar ou dependência química podem se beneficiar muito de uma internação, mas os tabus envolvidos no tema impedem que muitos pacientes e seus familiares busquem o serviço.

“O preconceito e o estigma ainda transitam como se a internação funcionasse como castigo e punição para o indivíduo que é acometido por um transtorno mental com surtos graves e agudos e em sofrimento intenso.”, explica Isabel Castelo Branco, Acompanhante Terapêutica e Coordenadora da Residência Terapêutica da Holiste Psiquiatria.

O que são pacientes psiquiátricos crônicos?

A especialista ensina que quando falamos sobre cronicidade de sintomas, estamos nos referindo a evolução de um quadro psíquico que, mesmo após várias internações, diferentes abordagens terapêuticas e medicamentosas, um ou mais sintomas persistem de modo incapacitante, impedindo o paciente de desenvolver atividades laborais, acadêmicas ou socioculturais.

“Isso faz com que haja um impacto muito grande na forma como esse paciente lida com suas questões, com a vida e na relação que vai estabelecer com o mundo. O paciente começa apresentar muita dificuldade na relação social, autonomia e suas atividades de vida diária.

O suporte familiar e social se torna insuficiente para garantir um espaço adequado de moradia. Essa situação termina sendo muito desgastante para a família, que já não consegue manejar o paciente dentro do contexto familiar que necessita de suporte intensivo 24 horas”, aponta.

Internação x Residência Terapêutica

A internação é uma intervenção por um curto período para a estabilização do quadro psíquico após uma crise aguda. No entanto, em pacientes crônicos, as medicações e as outras abordagens terapêuticas conseguem reduzir a gravidade dos sintomas, mas não os afasta definitivamente.

Sendo assim, há a possibilidade de continuar com o acompanhamento longe do ambiente hospitalar – com a Residência Terapêutica.

Trata-se de um espaço de moradia assistida onde o paciente pode exercer sua individualidade, sua cidadania, seu convívio social com outras pessoas e com o mundo, mas com todo suporte e monitoramento de uma equipe multidisciplinar (Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, Acompanhantes Terapêuticos, Médicos clínicos e psiquiatras, Enfermagem e cuidadores) em saúde mental.

Como lidar com a culpa?

A doença mental é, erroneamente, encarada como uma falha moral da família e do paciente. Assim, apesar de uma condição médica, é comum que familiares ou o próprio indivíduo enfrentem um sentimento de culpa – que muitas vezes impede ou atrasa o tratamento, além de desgastar ainda mais as relações dentro de casa.

“A família, além de não conseguir responder a todos os cuidados específicos que uma pessoa com transtorno mental necessita, passa por um processo de adoecimento coletivo, onde a esposa, mãe, irmão ou filho desaparecem da configuração familiar e surgem apenas como cuidadores e paciente”, explica.

A especialista complementa que o papel do profissional da saúde é acolher e compartilhar com a família os projetos e responsabilidades quanto ao tratamento na “casa nova” e construir uma parceria consolidada, entendendo que a residência não é um lugar de abandono, um abrigo ou coisa que o valha.

“As famílias, muitas vezes, têm o sentimento de culpa, a sensação que abandonou seu ente querido, mas a proposta é justamente reconstruir os laços que foram enfraquecidos ao longo dos anos de doença e ressignificar a vida”, finaliza.

Entrevistamos especialista para nos ajudar a lidar com essas situações extremas de atendimento em órgãos públicos

Publicado em 08/05/2018 12h30 Atualizado em 10/05/2018 13h43

Poucas pessoas podem dizer que não têm histórias para contar sobre experiências difíceis ao serem atendidas em órgãos públicos. Seja em razão de situações impostas pelo atendente ou seja por burocracias aparentemente desnecessárias, as relações com a Administração acabam, infelizmente, sendo pontuadas por episódios pouco agradáveis.

 Do outro lado do balcão, no entanto, também são poucos os agentes públicos que nunca passaram por situações de atendimento mais complexas, que acabam marcadas pelo desconforto, pelo medo ou pela insegurança.  

 Profissionais que atuam com atendimento entram diariamente em contato com diversas pessoas, com os mais variados perfis. Precisam interagir  com as angústias e apreensões de quem os procura, bem como com vários casos que requerem acolhimento diferenciado e soluções específicas – além de muita inteligência emocional para lidar com tudo isso.

 Não há estatísticas com relação aos registros de atendimentos a pessoas em sofrimento psíquico, como por exemplo pessoas com comportamento suicida, psicóticas, com mania de perseguição ou qualquer outro transtorno grave. No entanto, essa é uma realidade enfrentada diariamente nas ouvidorias públicas e nos atendimentos públicos em geral.

 A fim de buscar instrumentos adequados para lidar com casos assim, a Ouvidoria-Geral da União entrevistou o médico psiquiatra Doutor Thiago Blanco para falar um pouco sobre como fazer frente a esses desafios.

1) Não é raro que em situações de atendimento os servidores públicos precisem interagir com pessoas em sofrimento psíquico. Nesses casos, qual seria o tipo de abordagem ideal segundo seu ponto de vista?

A pessoa em sofrimento psíquico, seja qual for a causa, encontra-se sempre em uma situação de grande vulnerabilidade. A abordagem dessa pessoa deve pautar-se, sobretudo, pela construção de uma aliança, que é feita por meio de cortesia, sensibilidade e acolhimento.  Afirmações empáticas e compreensivas, que abordem as emoções do paciente de forma direta e que deixem clara a natureza do contato, são fundamentais.

Para cada situação uma abordagem particular deverá ser adotada, mas estratégias que abordem o fenômeno psíquico de maneira natural são bastante úteis como medida geral, facilitando inclusive para orientação/encaminhamento do caso.

Essas estratégias são formas de demonstrar ao manifestante que sua demanda é acolhida e pode ser expressada como no exemplo “já atendi muitas pessoas que estavam com problemas parecidos como o seu. Além do que eu ajudei pela ouvidoria, muitos deles também tiveram uma ajuda muito útil de um médico por que costuma ser muito angustiante passar por isso”.

Seja qual for o relato, sobretudo nos casos de pacientes com delírios, questionar a pessoa sobre a irrealidade dos fatos, tem pouco benefício, haja vista que a natureza do fenômeno psíquico* é definida por uma crença inabalável. Portanto, não se deve confrontar a crença da pessoa.

De relevância fundamental será identificar, ao longo do contato com o manifestante, quem é a pessoa mais indicada que poderá ajudar no encaminhamento ou na proteção imediata do manifestante. Contato prévio ao encaminhamento com o profissional que irá realizar o atendimento poderá assegurar que a pessoa identificada como tendo um problema grave possa ser devidamente auxiliada de imediato, como no caso de pacientes no planejamento suicida ou na procura por atendimento em saúde, como no caso dos pacientes psicóticos.

 2) Muitas vezes, tais pessoas não abrem espaço para o atendente se manifestar. Ela começa a falar e não abre brecha para que o outro fale. Existe algum tipo de estratégia que facilite a condução do atendimento, proporcionando espaço para a fala do atendente dentro da conversa? Ou será que nesses casos a única coisa que elas precisam é serem ouvidas?

 Nos casos de atendimento de pessoas que falam demasiado, recomenda-se o uso de perguntas fechadas (que pressupõem resposta “sim” ou “não” ou múltipla escolha, quando o entrevistador oferece algumas opções de resposta). De qualquer forma, para manifestantes prolixos, taquilálicos (fala rápida – observação nossa) ou grandiosos/narcisistas a interrupção cordial sempre é um desafio. Fazê-lo, pressupõe invariavelmente um talento particular, às vezes inato, mas que pode ser aperfeiçoado com algumas técnicas. Algumas delas são: (1) interrupção empática, em que se assume um comentário empático para redirecionar a entrevista: “Consigo perceber que essa situação é realmente muito desafiadora. Mas [pergunta de redirecionamento]? “; (2) interrupção educativa, em que se explica que tipos de perguntas estão por vir e explica sobre as limitações de tempo com que se está trabalhando: “Desculpe, mas tenho que interrompê-lo novamente. Nos resta 20 minutos e temos que falar sobre o local onde procedeu a ocorrência, as pessoas que estavam presentes, onde podemos recorrer para ajuda e ao final ainda revisarmos os termos da manifestação. A senhora me ajudará muito respondendo diretamente às minhas perguntas sem fugir do assunto central. O que a senhora acha disso? “; (3) transição suave, na qual aponta-se algo que a pessoa acaba de dizer para introduzir outro tema: “[manifestante] (...) inclusive meu filho estava comigo e viu tudo. [Atendente]: Em falar no seu filho, quem da sua família que a senhora acha que poderia acompanhá-la em um local de ajuda para amenizar essa angústia que a senhora está sentindo?”; (4) transição referida, em que utiliza-se assunto que a pessoa disse no passado: “antes de falar sobre isso, a senhora me comentou que seu filho estava com você. Que idade ele tem? Ele costuma ajudá-la quando a senhora precisa de ajuda como ir ao médico, por exemplo? “; e (5) transições introduzidas, em que se apresenta o tema completo antes de iniciá-lo. Quase sempre esse tipo de abordagem inicia-se por “agora eu gostaria de mudar um pouco de assunto (...)” ou “agora eu gostaria de fazer algumas perguntas diferentes”. 

3) Muitas vezes, os atendentes acabam tendo algum tipo de envolvimento emocional, já que há vários casos de cidadãos que entram em contato recorrentemente apenas para desabafar. Existe algum tipo de técnica de controle emocional para quem enfrenta essas situações no dia-a-dia? Existe algum limite emocional que deve ser identificado e evitado?

 Certamente o contato com pessoas em sofrimento causará mobilização afetiva do atendente. Ora, trata-se de duas pessoas e em qualquer relação dessa natureza há uma troca afetiva. E essa troca pode provocar tanto sentimentos negativos quanto positivos pelo atendente em relação ao manifestante.

Nunca é fácil manter a compostura quando o que se experimenta é uma emoção negativa. Nesses casos é fundamental ser compassivo e lutar contra uma tendência natural de defender-se ou reservar-se atrás de uma couraça protetora de indiferença. Procure sempre demonstrar curiosidade, interesse e disponibilidade para ajudá-lo. O entendimento de que um comportamento indesejável do manifestante provavelmente é ocasionado pela sua dificuldade em lidar com sua dor, muito mais do que uma perversão premeditada, ajuda no exercício da tolerância.

No caso das reações de compaixão (que pode variar desde uma empatia dolorosa até uma ansiedade muito incômoda por parte do atendente) o primeiro passo é entender que há muitos significados (e muitos deles não ditos ou sequer reconhecidos conscientemente por quem sofre) por trás da manifestação de um fenômeno comum como o choro, por exemplo. Por motivos variados, automaticamente ao ver alguém vulnerável, em situação de sofrimento ou risco, tendemos a buscar o culpado e atribuir punição ao suposto algoz. Mas é sempre essencial lembrar que nós nunca conseguiremos acessar a verdade integral pela fala de um único informante, ainda que seja uma verdade e deva ser validada como tal.

Lidar com os limites da sua função é essencial e provavelmente a tarefa mais difícil nesse campo. Ainda que não consigamos solucionar o motivo do sofrimento ou que alcancemos um desfecho favorável, é importante assegurar que tudo o que esteve alcançável pelo atendente foi feito no sentido de auxiliar o manifestante. Ter a certeza de que tudo que podia ser feito foi tentado, é o conforto de todos os profissionais que tem em seu campo de trabalho limites estreitos.

Nunca poderemos deixar de nos contagiar com a dor do outro, mas devemos ter a serenidade de lidar com a angústia do limite que nos é imposto.

4) Às vezes, o atendente quer propor o encaminhamento da pessoa para instituição que possa oferecer atenção especializada para o transtorno apresentado. Como ele pode oferecer esse tipo de ajuda sem gerar sentimento de rejeição ou frustração no atendido?

 Você está querendo dizer que estou louco? “ é a pergunta que sempre aparecerá diante da sugestão para tratamento em equipamento e/ou profissional especializado em saúde mental.

A estratégia mais eficiente para realizar um encaminhamento, com menor chance ou menor intensidade da esquiva, é conduzir a entrevista de forma que a pessoa reconheça os prejuízos funcionais que aquele sintoma ou grupo de sintomas está provocando: “Existe alguma coisa que essa sua circunstância atual não esteja lhe permitindo fazer e que a senhora gostaria de voltar a fazer? “. Uma das estratégias que os profissionais de saúde fazem com frequência é a psicoeducação. Trata-se de procedimentos através dos quais as pessoas são informadas sobre os procedimentos de saúde e sobre as doenças em geral. No nosso caso, um exemplo é explicar que nem tudo que requer ajuda é doença. Entender que o sofrimento pode ser aliviado com ajuda de um profissional, sem que isso signifique obrigatoriamente um diagnóstico psiquiátrico, também pode ajudar muito. Esclarecer que nem os profissionais nem os remédios têm a capacidade de alterar a forma do pensamento, o temperamento ou as preferências das pessoas também pode auxiliar na aceitação preliminar de uma possível prescrição medicamentosa. Reafirmar que profissionais de saúde têm por vocação a iniciativa para cuidar, muito mais que colocar em risco a dignidade ou a saúde da pessoa humana, é algo aparentemente automático, mas que na fantasia de muitas pessoas pode estar presente de forma equivocada.

Para pessoas com sintomas psicóticos ou com manifestação suicida, recomenda-se fortemente fazer busca ativa por um familiar do manifestante de forma a notificar a situação observada e prover suporte, proteção e assegurar os encaminhamentos.

5) Qual sua sugestão de encaminhamento mais adequado para esses tipos de casos?

A porta de entrada no Sistema Único de Saúde para tratamento das pessoas em sofrimento psíquico ocorre por duas vias: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as emergências psiquiátricas.

Os CAPS são equipamentos comunitários e que devem ser sempre a preferência. Eles funcionam com equipes multiprofissionais compostas pelo menos por médico, psicólogo, assistente social e enfermeiro. Cada município deve ter um CAPS que pode ser geral ou especializado em clientelas específicas, como os CAPSi, para crianças e adolescentes, ou CAPSad, para tratamento de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool ou outras substâncias.

As emergências psiquiátricas hospitalares devem ser acessadas em situações de exceção quando há risco iminente à vida da pessoa.

Em cada município, deve-se acessar a localização desses recursos. Quanto mais clara e específica for a recomendação, maior a chance de sucesso na ajuda à pessoa em sofrimento.

Thiago Blanco Vieira é médico psiquiatra, mestre em psiquiatria e psicologia médica, professor da faculdade de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal.  

 *Nota: define-se como transtornos psicóticos os fenômenos psíquicos que cursam com delírios ou alucinações. Delírio são alterações da capacidade de julgamento da realidade pela qual o sujeito confere a uma situação real uma crença disfuncional, como acreditar que as pessoas estão rindo de si ou que desejam causar-lhe algum dano ou prejuízo quando não há motivação para tanto. Alucinações são experiências sensoriais sem que haja estimulação dos receptores sensoriais periféricos.

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Como lidar com alguém que sofre de transtornos mentais?

Incentive que a pessoa busque ajuda médica - os transtornos mentais podem e devem ser tratados como outros problemas de saúde. Por isso, é essencial que a pessoa busque ajuda de um médico para saber qual é o tratamento recomendado. Converse sobre a possibilidade de uma consulta com um psicólogo e/ou psiquiatra.

Quais são as principais estratégias de apoio aos pacientes com transtornos mentais e porquê?

Suporte familiar como facilitador e obstáculo do tratamento O apoio familiar, do cônjuge e/ou dos filhos destacou-se como outra estratégia que contribuiu, de acordo com a maioria dos participantes, para lidarem com as dificuldades vivenciadas decorrentes do transtorno mental, como se pode acompanhar a seguir.

Como deve ser o atendimento ao paciente em sofrimento mental?

O Relacionamento Terapêutico busca trabalhar de forma humanizada o paciente com sofrimento mental e o objetivo é a melhora gradativa desse cliente, até a reinserção dessa pessoa na sociedade. Uma comunicação centrada na pessoa e no seu todo é um dever ético e uma responsabilidade do profissional de saúde.