Como a população primitivas conseguiu se estabelecer na passagem do tempo?

HISTÓRIA DA ANTIGUIDADE

A sociedade primitiva

O oriente

V. Diakov  e  S. Kovalev

 INDÍCE

 A SOCIEDADE PRIMITIVA

O ORIENTE

 I – Introdução          


II – O rebanho primitivo. O aparecimento do re­gime dos clãs       


III – O apogeu do regime comunitário

IV – A desagregação do regime comunitário pri­mitivo. A formação das classes e do Estado

 V –  Introdução                       

 VI – Sumer e Akkad  

                 
VIl – Babilónia

                 
VIII –  A civilização babilónica                  


IX –  O Egipto arcaico                

X –  O Egipto do antigo império              


XI –  O Egipto do médio império            
 

 XII –  O Egipto do novo império             

 XIII –  A civilização egípcia                    

 XIV –  O império hitita    .          
 

 XV –  A Fenícia e a Palestina               

 XVI –  A Assíria, o Urartu e a Babilónia caldaica            

XVII – O Irão                 

XVIII – A India               

XIX – A China     .          

 
CAPITULO 1

INTRODUÇÃO

1 — O que é o regime comunitário primitivo


O primeiro capítulo da história estuda o nascimento, o desenvolvimento e a desagregação do regime comunitário primitivo. Por esta designação entendemos uma formação social e económica que engloba um período muito longo, desde o aparecimento da sociedade humana até à fundação dos primeiros Estados. Enquanto que toda a história da sociedade dividida em classes (escravatura, feudalismo, capitalismo) pouco ultrapassa os cinco milénios, o regime comunitário primitivo existiu há centenas de milénios.

Quais são os seus traços característicos? Na sociedade primitiva, as relações de produção baseavam-se na proprie­dade colectiva dos meios de produção e, em primeiro lugar, a terra. E isso porque era tão baixo o nível das forças produtivas, que não permitia obter isoladamente os ne­cessários meios de subsistência: os homens eram obri­gados a viver e a trabalhar em conjunto e o trabalho em comum gerava a propriedade comum dos meios de pro­dução e dos frutos do trabalho. O que os homens obti­nham conjuntamente pertencia à colectividade. Ainda não se tinha ideia alguma da propriedade privada dos meios de produção, da exploração do homem pelo homem, nem das classes.


 O regime comunitário primitivo é uma etapa universal da história da humanidade, quer isto dizer que cada povo teve de passar por aí, que a sociedade dividida em classes não é inicial, mas que se constituiu sobre as ruínas do regime comunitário primitivo.

A história da sociedade primitiva respeita aos recuados tempos, cujo estudo permite esclarecer problemas tão im­portantes como a origem do homem, o aparecimento da religião, das artes e das ciências, a formação das classes e do Estado. Examina o difícil caminho percorrido pela humanidade, a luta heróica que os nossos antepassados travaram contra a natureza.

Como toda a história, a da sociedade primitiva é uma ciência: tem por objecto as leis da evolução do regime comunitário primitivo. E essas leis não as poderemos com­preender senão com a ajuda do materialismo dialéctico e histórico.

Os fundadores do marxismo debruçaram-se sobre os pro­blemas da história primitiva em várias obras suas. A Ideo­logia Alemã, de Marx e Engels, escrita em 1845-1846, logo no princípio da sua actividade social, sublinha que no deal­bar da sociedade humana, quando os homens viviam da caça, da pesca, da agricultura e da criação de gado pri­mitivas, era a propriedade da tribo, a propriedade colectiva que dominava. O Capital, o Anti-Dühring e outras obras, bem como cartas de Marx e de Engels, contêm preciosas observações sobre os diversos problemas do rcgime coniu­nitário primitivo. Cerca de 1876, escreveu Engels O Papcl do Trabalho na Transformação do Símio em Homem, que dá uma explicação profundamente científica, materialista, do complexo processo do aparecimento do homem.

A ciência burguesa havia recolhido, por volta de 1880, rima abundante documentação; revendo-a de uma maneira crítica, Marx e Engels empreenderam uma obra de síntese sobre a história da sociedade primitiva. A tarefa foi pri­meiramente assumida por Marx, que compulsou e comentou excertos de um eminente sábio americano, L. H. Morgan. Depois da morte de Marx, Engels continuou e terminou esse trabalho; fez surgir em 1884 uma obra notável: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, que revela, apoiando-se em numerosos factos, as leis fundamentais da evolução da sociedade primitiva e dá a sua primeira histó­ria rigorosamente científica.

Marx e Engels não se limitam a criticar as teorias anti­científicas e a motivar as leis da evolução da sociedade primitiva; mostram o carácter passageiro de instituições tais como as classes, a propriedade privada e o Estado. Foi assim que utilizaram a história da sociedade primitiva para o estabelecimento da doutrina do socialismo científico.

A ciência da sociedade primitiva foi aprofundada por Lénine. Importantes observações, relativas aos traços essenciais do regime comunitário científico, figuram nas suas obras: Quem são os «Amigos do Povo» e como Lutam contra os Sociais-Democratas, A Questão Agrária e as «Críticas de Marx», e na sua conferência Do Estado.

 
2 — Fontes das informações sobre o regime comunitário primitivo

O estudo da sociedade primitiva tem as suas particula­ridades. Enquanto que as épocas seguintes da história hu­mana nos deixaram múltiplos e variados textos (manuscri­tos, inscrições, etc.), o regime comunitário primitivo igno­rou a escrita, o que nos obriga a procurar vestígios de um outro género.

As principais informações sobre a sociedade primitiva sâo-nes fornecidas por dois ramos da história: a arqueolo­gia e a etnografia. A primeira reconstitui o passado da humanidade de harmonia com os documentos da cultura material; o seu fim é investigá-los, escrevê-los e classificá­-los.  Esses monumentos compreendem os instrumentos de trabalho, as armas e os utensílios, os restos de habitações, as obras de arte e os objectos rituais. Os monumentos ar­queológicos caracterizam também, embora em menor grau, a ideologia de outrora. Os arqueólogos exploram as aglome­rações antigas (estações, aldeias) e as sepulturas; escavam a camada arqueológica, quer dizer, a camada de terreno que encerra os restos inorgânicos e orgânicos da vida e actividade humanas, cuja espessura atinge por vezes deze­ nas de metros. Neste domínio, os dados da geologia, da paleozoologia e da paleobotânica permitem determinar com bastante exactidão a sucessão das civilizações.

 Nestes últi­mos tempos elaboraram-se métodos físico-químicos para descobrir a idade dos achados, métodos esses baseados no estudo das transformações suportadas pelos restos orga­nicos no curso dos milénios. Assim, os investigadores des­cobrem nas ossaturas, nos resíduos de fogueiras, etc., a quantidade de isótopo radioactivo do carbono, chamado «carbono 14», e, sabendo que o seu período é de cerca de 5500 anos, estabelecem a data da sepultura ou da aglome­ração. A etnografia estuda a cultura e os costumes das tribos e dos povos, designadamente dos povos chamados «atrasa­dos».

 No século XIX, e mesmo no princípio do século XX, regiões da África e da América, da Ásia, da Oceânia, e também certas regiões da Rússia, eram habitadas por povos que ainda conservavam fortes sobrevivências do regime comunitário primitivo. Esses povos eram bastante mais numerosos há dois mil anos, nos tempos de Heródoto, de Estrabão, de Tácito e de outros escritores da Antigui­dade, que referer.q a seu respeito coisas interessantes.

 A etnografia trata da produção, da cultura material, do regime social e da vida espiritual desses povos e recons­titui os traços da sociedade primitiva segundo as suas sobrevivências; é assim que os dados etnográficos são os únicos a fazer luz sobre a história da família, dos organis­mos dirigentes, da tradição oral e do direito da sociedade primitiva. Para reunir uma rica documentação, os etnógra­fos devem permanecer durante anos entre tal ou tal tribo, aprender a sua língua, iniciar-se nos seus costumes. L. H. Morgan, por exemplo, foi hóspede da tribo iroquesa dos sénecas, e o eminente explorador russo Miklukho-Maklaï viveu muito tempo entre os papuas da Nova-Guiné, estu­dando os seus costumes, esforçando-se mesmo por defendê­-los contra a opressão colonial.

 Por mais preciosos que sejam, os materiais etnográficos apresentam graves lacunas. Primeiro, as tribos mais atra­sadas, que nunca foram estudadas pelos etnógrafos, haviam evoluído consideravelmente pelo contacto dos povos civili­zados e sofriam a corruptora influência do capitalismo. Os seus costumes e a sua cultura oferecem por vezes um amálgama bizarro de arcaísmos e de elementos novos.

 Além disso, os sábios que se ocupam dos povos situados em diversos graus de evolução dão deles características gerais. Mas como saber quais são as mais antigas formas de economia, de organização social e de ideologia? Como passar da simples descrição das ferramentas, das habita­ções, dos ornamentos, para a história da sociedade sem limitar a documentação abundante no leito de Procusto de um esquema arbitrário? Não se pode vencer este obstá­culo senão condensando os materiais da arqueologia e da etnografia.

3 — Períodos da história da sociedade primitiva

No curso dos milénios, a sociedade primitiva experimen­tou importantes modificações económicas e sociais. Ë pre­ciso, por isso, distinguir várias etapas na sua história. Vejamos qual o princípio a seguir para o fazer.

No segundo quartel do século passado, o arqueólogo dinamarquês Ch. Thomsen introduzia na classificação dos achados a ideia de três «Idades»: a da Pedra, a do Bronze e a do Ferro, consoante a matéria essencial que servia para fabricar as ferramentas; e é este o princípio que se adop­t~u para dividir a pré-história. Depois, cada uma destas idades foi dividida, por sua vez, em épocas: assim, na Idade da Pedra, distinguiu-se o Paleolítico (pedra antiga»), o Mesolítico (pedra média») e o Neolítico (pedra nova), que se diferenciam tanto pela maneira de trabalhar a pedra como pelas finalidades das ferramentas. Estas épocas sub­dividem-se em períodos (Paleolítico superior e inferior) e em estádios ou civilizações caracterizadas por tal ou tal conjunto de vestígios materiais; o estádio deriva geralmente o seu nome do lugar onde se descobriram os objectos que lhe são típicos (chelense, acheulense, musterianos, etc.).

 
Esta classificação apresenta incontestáveis vantagens, que fizeram com que fosse adoptada pelos arqueólogos e historiadores de todo o mundo. Mas pode contra ela di­zer-se que é muito unilateral, por reduzir a distância entre as etapas da história à natureza da matéria-prima das ferramentas e ao seu modo de tratamento, pois isso arrisca conduzir a uma interpretação mecanista da história, àseparação entre o desenvolvimento da técnica e o desen­volvimento da sociedade. Ora o mesmo período arqueoló­gico respeita, frequentemente, a povos situados em dife­rentes graus da evolução social: na Idade do Bronze, por exemplo, urna sociedade evoluída, dividida em classes, já se havia constituído em algumas regiões, enquanto que noutros sítios o regime primitivo se desagregava e noutros a agricultura e a pastoricia estavam apenas nos seus prin­cípios e o regime dos clãs continuava em vigor. Não se poderia, evidentemente, reduzir estes três tipos de socie­dades à mesma etapa histórica.

 Uma outra classificação foi proposta, cerca de 1880, por L. H. Morgan, no seu livro A Sociedade Antiga. Diversa-mente da primeira, esta não se contenta com o critério tecnológico; baseia-se no carácter geral da cultura mate­rial de cada período. Morgan distingue duas épocas da história primitiva: a selvajaria e a barbárie. A primeira termina com a invenção do arco e das flechas; a segunda começa com a invenção da cerâmica e compreende o nas­cimento e o desenvolvimento da agricultura e da pastorí­cia. Cada uma destas épocas subdivide-se em três graus: inferior, médio e superior.

 Engels reproduz a classificação de Mørgan no primeiro capítulo de A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, mas reconhece-lhe a insuficiência e assinala que a acumulação de novos materiais obrigá-lo-á a ceder lugar a um outro sistema.

 Actualmente, os estudiosos soviéticos julgam que a divi­são morganista da história da sociedade primitiva está an­tiquada e já não corresponde às últimas realizações da arqueologia e da etnografia; mas ainda não se encontrou solução que seja adoptada universalmente Todos os historiadores julgam necessário formar um lugar à parte na época inicial da história primitiva, en­quanto se completa a formação biológica do próprio ho­mem; chama-se-lhe convencionalmente a época do rebanho primitivo (‘).

 A época do rebanho primitivo sucede a do regime dos clãs, cujo apogeu é geralmente acompanhado pelo matriar­cado, pela igualdade entre o homem e a mulher.

 Enfim, o desenvolvimento das forças produtivas, o nas­cimento da pastorícia, da cultura da terra pela charrua e do tratamento dos metais (bronze, ferro) marcam o iní­cio de uma época em que surgem os primeiros germes de exploração e de propriedade privada; o matriarcado ésubstituído pelo patriarcado e a democracia do clã trans­forma-se em democracia militar, que prepara o terreno para a fundação do Estado.

 Bem entendido, esta classificação, baseada no ca­rácter das relações sociais, não deve ser encarada neste momento senão como uma hipótese.

 A divisão em períodos dá a possibilidade de apresentar o ordenamento do processo histórico. Uma outra dífícil tarefa é a cronologia absoluta de tal ou tal época. Muito frequentemente, ficamos na impossibilidade de situar exac­tamente o princípio ou o fim de tal ou tal período da pré-história: à medida que se recua no tempo, a cronologia absoluta torna-se mais incerta.

4— Resumo histórico

 As ideias sobre a vida dos primeiros homens foram vagas durante muito tempo. Os autores da Antiguidade repetiam as lendas da iddade de Ouro, que teria existido no dealbar da humanidade, ou descreviam seres bestiais, tendo como armas as mãos, os dentes e a moca. Na Idade Média, a dominação da Igreja impediu o desenvolvimento das ideias científicas sobre os tempos primitivos: os teólo­gos ensinavam que os primeiros homens, Adão e Eva, ti­nham sido criados por Deus, e a igreja confirmava com a sua autoridade a expulsão destes do Paraíso, o dilúvio e outros ingénuos contos da Bíblia. As informações sobre os costumes dos povos atrasados eram fantasistas: por vezes representavam-se esses homens com cabeças de cães, ou até sem cabeça alguma, com os olhos postos no meio do peito.

 Foram somente as grandes descobertas geográficas desde o século XV até ao século XVIII, a começar com as viagens de Colornbo e de Magalhães (e especialmente as dos exploradores russos Kracheninnikov, Pallass, Miller), que deram a conhecer aos sábios da Europa a vida dos povos atrasados, inauguraram a etnografia e permitiram pôr o problema da história primitiva.

 
No pincípio do século XVIII, o missionário Lafitau, que viveu muito tempo entre os índios da América do Norte, foi o primeiro a emitir a ideia de que os seus cos­tumes podiam explicar o passado longínquo dos Europeus. Todavia, até meados do século XIX, a ciência contentou-se com hipóteses arbitrárias sobie a pré-história, e muitos cépticos falavam em renunciar ao seu estudo, pretendendo que nunca desvendaríamos o mistério daquilo que tinha precedido a invenção da escrita.

 As primeiras escavações arqueológicas que revelaram ferramentas de homens entre os animais fósseis do prin­cípio do Quaternário (Mc Enery em Inglaterra, cerca de 1830, e Boucher de Perthes em França, por volta de 1840) esbarraram com a incredulidade, senão mesmo com uma atitude francamente hostil, apesar de terem lançado as ba­ses da arqueologia e da antropologia do mundo primitivo e garantido a passagem de hipóteses especulativas a uma documentação séria sobre a sociedade pré-histórica. Foi só após a descoberta de Darwin que o mundo erudito apre­ciou o verdadeiro valor dos trabalhos de Mc Enery e de Boucher de Perthes.

 A história da sociedade primitiva interessou vivamente os democratas revolucionários russos, e em primeiro lugar Tchernychevski. Sublinhava ele que a sociedade patriarcal, que supunha a igualdade entre os homens, era um estádio universal. Interessou-se sobretudo pela transição da pro­priedade comunitária da terra para a propriedade privada, o que lhe facilitou a compreensão da história agrária russa.

 No século XX, a ciência burguesa da história contribuiu largamente para sistematizar os conhecimentos da socie­dade primitiva, O jurista suíço 3. 3. Bachofen referiu-se aos autores da Antiguidade para demonstrar a existência da época do matriarcado, seguida da do patriarcado. L. H. Morgan analisou, como adepto de um materialismo espon­tâneo, a natureza do regime dos clãs; sustentava a ideia da unidade de evolução da humanidade e esforçava-se por ex­plicar o desenvolvimento histórico dos gregos e dos roma­nos, apoiando-se no estudo da organização social dos índios da América do Norte, O sábio e progressista homem público francês G. Mortillet e o arqueólogo sueco O. Montelius esta­beleceram as bases de classificação dos monumentos da idade da Pedra e do Bronze, O investigador russo M. Kova­levski estudou a comunidade patriarcal e provou que era uma forma transitória entre o matriarcado e a família monogâmica contemporânea. Enfim N. Sieber, que foi o primeiro a vulgarizar na Rússia a teoria económica de Marx , escreveu os Ensaios sobre a Cultura Económica Primitiva, que não perderam a sua importância até hoje.

 Os etnógrafos e arqueológos burgueses do século XX recolheram uma documentação muito importante sobre a história da sociedade primitiva, o que lhes permitiu deter­minar com exactidão muitos dos enunciados teóricos dos seus predecessores, que haviam permanecido necessaria­mente aproximativos, por falta de dados conhecidos. En­quanto que Morgan e Mortillet tinham indicado uma única linha de evolução da sociedade humana, os estudiosos do sé­culo XX puderam delinear as múltiplas e complexas vias do progresso do homem, mesmo no Paleolítico. O historia­dor inglês G. Clark estabeleceu o balanço dos trabalhos efectuados antes dele e mostrou o desenvolvimento da eco­nomia e da vida de diferentes grupos da população primi­tiva da Europa a partir do Mesolítico.

 Mas mesmo criticando as ideias esquemáticas dos inves­tigadores do século XIX sobre a evolução da humanidade certos historiadores burgueses da época do imperialismo negam, categoricamente, o principio da evolução. Segundo a teoria dos círculos culturais do etnógrafo alemão F. Graebner, a cultura humana, em vez de se desenvolver no tempo, não faria senão variar no espaço, e toda a huma­nidade seria um conjunto de círculos culturais condensa­dos. O sábio alemão O. Menghin recorreu à arqueologia para ilustrar estas ideias antievolucionistaS. Livre em fal­sificar os dados, apresentava a história da sociedade pri­mitiva como o resultado de migrações de tribos pertencen­tes a círculos culturais diversos. Estas teorias conduziram às concepções manifestamente reaccionárias de G. Kos­sinna, que fez da história da sociedade primitiva uma apo­teose de pretensas campanhas e conquistas dos antepassa­dos da «raça ariana».

 Numerosos etnógrafos burgueses “demonstram” o ca­rácter eterno e imutável da propriedade privada, da explo­ração do homem pelo homem, do papel subalterno da mu­lher na família e na sociedade, e muitas outras indignida­des do regime capitalista; vêem a presença de classes nos estádios mais antigos da sociedade humana. A etnografia burguesa serviu, por vezes, para justificar a opressão im­perialista nas colónias.

 Os arqueólogos e etnógrafos progressistas do século XX, como A. Hrdlicka, J. Lips, F. Boas, combateram essas teo­rias reaccionárias e defenderam as melhores tradições dos evolucionistas do século passado. Investigadores de van­guarda como G. Childe chegam frequentemente às ideias de Marx.

 Os historiadores soviéticos, fiéis ao marxismo-leninismO, obtiveram grandes sucessos no estudo da pré-história. AsSOV, 1. Passek, B. Kuftine, S. Kisselev, V. Ravdonikas e outros permitem seguir a história de diferentes regiões durante milénios, desde as primeiras etapas da sociedade primitiva até ao nascimento da sociedade dividida em classes. Fornecem uma quantidade de materiais para a interpretação teórica dos principais processos da pré-his­tória. Os resultados dos trabalhos de arqueologia são pu­blicados regularmente nas colecções Arqueologia Soviética e Informações do Instituto de História da Cultura Ma­terial.

 Os antropólogos soviéticos J. Roguinski, V. Bunak, M. Nesturkh e outros contribuíram grandemente para escla­recer a origem do homem, elemento indispensável ao es­tudo sério da etapa inicial da sociedade humana. Também examinaram o problema da formação das raças e demons­traram a inconsistência da teoria racial. O conhecimento da pré-história é favorecido pelo método de M. Guerassi­mov, que reconstitui o rosto humano segundo os ossos do crânio. Guerassimov criou assim muitas dezenas de retratos, incluindo os de homens que viveram há milhares de anos.

 Os trabalhos dos etnógrafos soviéticos S. Tolstov, M. Kosven, D. Olderogge, S. Tokarev, e ainda outros, fizeram progredir nitidamente o estudo do regime comunitário pri­mitivo: a origem da agricultura e da pastorícia e o nasci­mento das religiões são concebidos num espírito materia­lista; está provado que o matriarcado foi uma etapa uni­versal da história da humanidade; conhecem-se já os tra­ços concretos da desagregação do regime dos clãs e da formação de comunidades de vizinhança, etc. Os órgãos dos etnógrafos da U. R. S. S. são as revistas Etnografia So­viética, Trabalhos do Instituto de Etnografia e o Anuário do Museu de Antropologia e de Etnografia.

 Os resultados obtidos pelos especialistas soviéticos são referidos nas obras de síntese, recentemente publicadas; sao, por exemplo, os Ensaios de História da Cultura Pri­mitiva, de M. Kosven, os Elementos de Arqueologia, de A. Artsikhovski, a Arqueologia na U. R. S. 5., de A. Mon­gait, etc.

 Apesar dos seus sucessos, a ciência soviética tem ainda importantes problemas a resolver no que respeita à socie­dade primitiva. Não se conhece por enquanto suficiente­mente a Idade da Pedra e do Bronze em certas regiões da U. R. S. S., e muitas questões relativas à evolução de tal ou tal local permanecem duvidosas. A etapa inicial da his­tória da humanidade comporta numerosos pontos que se prestam a discussão (por exemplo, o carácter da técnica e da economia dos primeiros homens, a origem da exogamia e do regime dos clãs, a época da formação das tribos, etc.); os cultos dos homens primitivos estão insu­ficientemente estudados e ainda não se fixou a cronologia das crenças religiosas. A divisão da pré-história em Perío­dos não é definitiva.

 Todavia, é incontestável que estes problemas acabarão por se definir.

CAPITULO II

O REBANHO PRIMITIVO

O APARECIMENTO DO REGIME DOS CLÃS

1 — O aparecimento do homem

 A história da humanidade começa com o aparecimento do homem e da sociedade humana. Os sábios idealistas sustentaram durante muito tempo a teoria do limite in­transponível entre o homem e os animais. Esta teoria de­rivava do mito bíblico da criação do homem por Deus, que o fez «à sua semelhança». Darwin opôs-lhe a hipótese de que o homem descendia de uma raça de símios antro­pomórficos evoluídos. As descobertas posteriores confir­maram a sua ideia e provaram que no fim do Terciário ou no princípio do Quaternário existiam efectivamente tais símios, que podem ser considerados como os antepassados do homem.

 Assim, no Sul da Africa, descobriram-se muitas ossadas de símios superiores que receberam o nome de Australo­pitecos. Habitavam as savanas arborizadas ou semidesér­ticas, caminhavam sobre os membros posteriores e davam caça aos animais de qualquer estatura; para o ataque ou a defesa utilizavam uma moca ou um osso grande; a ali­mentação carnívora, a posição de pé e o uso dos membros anteriores para a manipulação dos objectos concorreram para aumentar o volume da sua cabeça.

 A questão de saber se o Australopiteco é nosso ante­passado directo ou se constitui um «ramo lateral» na for­mação do homem permanece pendente. O que é certo é que o homem fóssil provém desses símios, cujas ossaturas foram descobertas em diferentes pontos do Mundo Antigo, designadamente no Cáucaso. Aos grupos destes antropóides sucedeu, no início do Quatenário (há cerca dc um milhao de anos), o rebanho dos homens primitivos.

 O lugar onde se deu a transformação do símio em ho­mem deu azo a vivas discussões: alguns sábios emitiram a teoria do poligenismo, afirmando que o processo se tinha verificado paralelamente em vários locais e que o homem podia descender de diferentes espécies de símios. Os estu­diosos soviéticos não são desta opinião; julgam que o símio se transformou em homem numa parte do vasto território que engloba o Sul da Ásia, o Próximo Oriente, a Transcau­cásia e extensas regiões da África; o estado actual das ciências permite situar o processo com mais precisão.

 Certos investigadores explicam o aparecimento do ho­mem por causas fortuitas, exteriores. Assim, o acadêmico P.Suchkine apresentava como factor determinante o de­saparecimento das florestas: a necessidade do símio viver sobre o solo teria tido como efeito diferenciarem-Se os seus membros e fazê-lo caminhar na posição vertical. Esta teoria nega a trtrnsformação regular do símio em homem.

 Uma explicação verdadeiramente científica do fenó­meno foi fornecida por Engels, na sua obra O Papel do Trabalho na Transformação do Símio em Homem. O autor indica aí que o factor principal fora o trabalho. E o tra­balho criou o próprio homem.

 Mas como começou esse trabalho? Os símios podiam manipular urna pedra ou um pau, como o fazia o Austra­lopiteco, mas nenhum conseguiu fazer a ferramenta mais primitiva. Ë pelo fabrico das ferramentas que começa o trabalho.

 A actividade laboriosa, o fabrico de ferramentas prirni­tivas conduz à divisão das funções entre os membros an­teriores e os posteriores. O fabrico das ferramentas fica a ser a função específica dos membros anteriores, o que aumenta a sua destreza e os transforma em mãos. Por conseguinte a .ao… «não é somente o órgão de trabalho; também é o produto do trabalho» (‘).

 À medida que as mãos do homem se especializam nas funções do trabalho, o hábito de caminhar na posição vertical consolida-se cada vez mais, o que contribui por sua vez para o desenvolvimento das mãos, relegando-as para a actividade laboriosa, e favorece por outro lado o desenvolvimento da laringe e das cordas vocais. O estudo das ossaturas dos homens fósseis mostra que a diferencia­ção dos membros precede a evolução do crânio, o que confirma, melhor não poder ser, a ideia de Engels sobre o papel do trabalho no aparecimento do homem.

 
2 — Os homens fósseis

 Os mais antigos restos do homem fóssil, o Pitecan­tropo, foram descobertos em Java, em 1891-1894. Mais tarde, encontraram-se aí ossaturas de várias outras espé­cies. Por volta de 1925, o arqueólogo chinês Pei Uen-tchung descobriu na caverna de Chu Ku-Tien, perto de Pequim, os restos ósseos de cerca de vinte e cinco espécies de um homem fóssil que recebeu o nome de Sinantropo. Ossos isolados, principalmente maxilas e dentes de seres próxi­mos do Sinantropo, foram revelados no centro do Viet­name, no Sul da África e perto de Heidelberg, na Alema­riha. Em 1954, arqueólogos franceses encontraram na Ar­gélia os restos de um outro tipo de homem pré-histórico, chamado Atlantropo.

  Os descendentes directos dos homens fósseis são os Neanderthalenses, que têm como tipo o homem de Nean­derthal, assim chamado porque os seus restos foram des­cobertos em 1856, no vale desse nome, perto de Düsseldorf. Os Neanderthalenses povoavam o Mundo Antigo, e os seus vestígios encontram-se em Java, na África, no Próximo Oriente e em diversos pontos da Europa. No território da U. R. 5. S. só foram revelados por arqueólogos soviéticos: em 1924, G. Bontch-OsmolovSki descobriu fragmentos de esqueleto na gruta da Kiikkoba, na Crimeia, e em 1938–1939, A. Okladnikov encontrou ossos de uma criança na gruta de Techik-Tach, no Sul do Uzbequistão.

 Os homens fósseis distinguiam-se do homem actual por uma fronte fugidiça e uma calote craniana baixa; podero­sos supracílios em arco pendiam sobre os olhos, os oSsOS faciais eram salientes, enquanto que o queixo não existia. Caminhavam com as pernas inflectidas, e corriam muito-inclinados para a frente; as suas mãos assemelhavam-se a patas, quer dizer que o polegar era menos oponivel do que aquele que se encontra no homem dos nossos dias. Todavia, diferenciavam-se nitidamente dos símios superio­res pelo seu modo de andar e pela capacidade da sua caixa craniana. Pelo seu volume, a cabeça do Pitecantropo (900 centímetros cúbicos) ultrapassa muito a do gorila ou a do Australopiteco; a cabeça do Sinantropo é ainda mais volumosa (até 1200 centímetros cúbicos) e a do ho­mem de Neanderthal (perto de 1400 centímetros cúbicos) aproxima-se da capacidade média do crânio humano actua] (de 1400 a 1500 centímetros cúbicos).

 Diferentemente do Australopiteco, os homens fósseis não sabiam apenas manipular objectos (pau ou osso); tam­bém sabiam fabricar as ferramentas. Assim, entre os res­tos de Sinantropos e de Neanderthalenses, encontram-se ferramentas primitivas de pedra. Em muitos sítios os arqueólogos descobrem nessas ferramentas sem restos ósseos, homens fósseis. A época em que viveram os PitecantropoS, os Sinan­tropos e os NeanderthalenseS é o Paleolítico inferior.

 
3 — O Paleolitico infertor

 No início do Quaternário, logo que se constituiu a so­ciedade humana, o clima terrestre era muito mais suave e mais húmido. A Europa estava coberta de florestas sub­tropicais povoadas por machairodos, proboscídeos e rino­cerontes, cujas espécies hoje estão extintas. Mas pouco a pouco o clima tornou-se mais rigoroso: os glaciares avan­çaram, vindos do Norte. Uma espessa camada de gelo cobriu grandes extensões da Europa e da América do Norte. Outros glaciares desceram dos grandes maciços montanhosos dos Alpes e do Himalaia. Na vizinhança ime­diata do glaciar, as florestas subtropicais foram substi­tuidas pela tundra, onde pastavam mamutes peludos, renas e cavalos selvagens. O Paleolítico inferior compreende pre­cisamente esse período que vai do início do Quaternário (Pleistocéflico) até ao fim da máxima extensão dos glacia­res (há cerca de quarenta mil anos).

As indústrias do Paleolitico inferior eram rudimentares. A parte os cacetes, utilizaram-se lascas de pedra com os bordos cortantes. Pouco a pouco, começam a fabricar-se, cm sílex, pedras de ataque em forma de amêndoa, maciças, que por vezes pesavam mais de um quilograma. Este ins­trumento primitivo servia para talhar fueiros de madeira, extrair raízes, destruir covis, acabar com um animal ferido. Certo é que não se empregava especialmente na caça; uma moca ou um pau qualquer eram mais apropriados para essa finalidade. Além disso, os homens acomodavam as placas de sílex cortantes.

 Lcntamente, a experiência concentra-se e a técnica aper­feiçoa-se; em vários lugares e de diferentes modos, os homens passam ao fabrico de ferramentas mais pequenas e mais delicadas. Os principais instrumentos de sílex dos Neanderthalenses serão as placas triangulares: pontas para cortar ou perfurar, raspadores para esfolar os animais mortos. O utensílio da caça é a forquilha e a azagaia de madeira.

 Provavelmente não tinham os Pitecantropos habita­ções ou residências fixas. Ë possível que as árvores tenham servido durante muito tempo ao homem como refúgio contra os animais selvagens. Mas ele acaba por aprender a preparar resguardos, a fim de se abrigar das intempéries, e depois instalar-se-á nas cavernas conquistadas às feras, cuja pele utiliza para fazer uma cama ou uma vestimenta, espécie de capa com presilhas.

 Os homens do Paleolítico inferior aprendem a utili­zar-se do fogo. É possível que eles hajam de início utili­zado e conservado o fogo natural e que depois o tenham obtido batendo duas lascas de sílex, uma contra a outra, A serradura que daí derivava aquecia e fazia o lume: aproximavam depois uma mecha de lã ou de fibras vege­tais que se indendiava, após o que atiçavam a chama tais que se incendiava, após o que se atiçava a chama soprando por baixo. A dificuldade da operação obrigava os homens primitivos a conservar o fogo com cuidado.

 A utilização do fogo tinha uma importância enorme: preservava o homem do frio e dos animais carnívoros, permitia-lhe assar os alimentos, o que facilitava a assimilação e enriquecia a sua ementa. A obtenção do fogo deu ao homem, pela primeira vez, o império sobre uma força da natureza e, desse modo, separou-a definitivamente do reino animal» (‘).

 Na U. R. S.S. os mais antigos instrumentos de homens fósseis foram encontrados na colina de Satani-Dar, na Arménia; outros vestígios do Paleolítjco inferior foram descobertos no Cáucaso, em Abkhazia, e no Sul da Ossétia, na Crimeia, nas bacias dos rios Dnieper e Dniester e no curso médio do Volga.

 
4 — Os costumes e a organização social da primeira colectividade humana

 Os aglomerados populacionais mais atrasados jamais estudados pelos etnógrafos são bastante mais evoluídos do que os homens fósseis do Paleolítico inferior. Além disso, a vida da primeira colectividade humana não pode ser conhecida senão em harmonia com os materiais arqueológicos, o que faz com que as nossas idéias sobre a sua organização social sejam muito incompletas e hipotéticas.

 O homem do Paleolítico inferior vivia da colheita e da caça. Alimentava-se de frutos, raízes, bagas; e capturava pequenos mamíferos, lagartos, insetos. Começou muito cedo a dar caça aos grandes animais: nas estações pré-históricas os arqueólogos descobrem frequentemente, entre os utensílios primitivos, ossos de mamutes e de bisontes, de cavalos e de veados, a maior parte dos quais teriam sido abertos para deles se extrair o âmago. O homem primitivo era onívoro, o que lhe permitiu viver um pouco em toda a parte.

 
A sua existência era rude: não podia rivalizar com os terríveis carnívoros do princípio do Quaternário, nem pela rapidez na corrida, nem pela força física. A fome esprei­tava-o sempre, tal como a morte nas garras dos animais selvagens. O avanço dos glaciares aumentou ainda mais a sua luta contra a natureza. Os homens fósseis sobrevive­ram e triunfaram por duas razões: primeiro, eram já seres com raciocínio que fabricavam instrumentos; depois, agiam desde o princípio colectivamente.

 O próprio fabrico do instrumento não é possível senão cm colectividade, pois é esta última que conserva e con­solida os conhecimentos, a experiência primitiva em ma­téria de produção, assegurando a sua transmissão heredi­tária. A caça, sobretudo a dos grandes animais que se amedrontavam com o fogo e que se repeliam a golpes de pedra para um precipício ou um charco, fazia-se em comum.

 Ë esta colectividade de homens do Paleolitico inferior que tem o nome convencional de rebanho primitivo. Era pouco numeroso e muito instável, sem dúvida: os seus membros podiam passar para um outro rebanho. À cabeça dele encontrava-se um caudilho, homem ou mulher. Rei­nava aí a promiscuidade, o que não excluía, é evidente, a possibilidade de casais mais ou menos constantes.

 A forma rudimentar dos seus instrumentos, o baixo nível de economia, a luta rude com a natureza, tudo isso mantinha no seio do rebanho primitivo «o individualismo zoológico» herdado dos antepassados animais, que se ma­nifestava por vezes em sangrentos conflitos, episódios da luta pela existência. Também existiam casos de caniba­lismo.

 Gradualmente, à medida que se consolida a organização social da colectividade humana e se multiplicam os conhe­cimentos de produção, os instintos bestiais afrouxam; como disse Lénine, o rebanho primitivo e a comunidade primi­tiva jugularam «o individualismo zoológico» dos primeiros homens ).

 
5 — Nascimento do pensamento e da linguagem

 O nascimento do pensamento resulta da actividade pro­dutiva dos homens. A passagem do emprego instintivo da moca ou da pedra para o fabrico de instrumentos por mais grosseiros que sejam, engendra a actividade racional do homem, a consciência. Os conhecimentos de produção constituem a primeira experiência do homem e fixam-se no seu espírito.

 Sendo colectivo o trabalho, foi a colectividade, guardiã dos conhecimentos de produção, que emprestou ao pen­samento primitivo O seu traço típico: nos primeiros tem­pos o homem nao se dissociava da colectividade.

 A linguagem é tão antiga como o pensamento «… a lin­guagem é a consciência prática, igualmente existente para outros homens, portanto existente para mim mesmo, real, e não nasce, como a consciência, a não ser da necessidade, da necessidade do comércio com outros homens» (‘), escre­viam Marx e Engels. As primeiras noções gerais não se teriam revelado à colectividade se não tivessem sido fixa­das por sons. Os contactos entre os homens e o trabalho colectivo teriam sido impossíveis sem a linguagem.

 Não temos qualquer ideia concreta da estrutura das linguagens primitivas. O investigador soviético V. Bunak su­põe que elas nasceram de sinais sonoros dos símios antro­póides, à medida que se reuniu a experiência de produção, que a laringe se desenvolveu graças à posição vertical e a dimsnuiçao do volume da maxila inferior. Essas lingua­gens compunhamse de um número de palavras bastante restrito ou, mais exactamente, de proposições monossilá­bicas, isoladas e polissemânticas A linguagem do homem primitivo era acompanhada de gestos, que não desempe­nhavam, todavia, senão um papel auxiliar.

 
6 — A irreligião dos homens do Paleolítico inferior

 Sábios burgueses pretendem que desde o início da sua existência o homem acreditava no sobrenatural e venerava um Ser supremo: o Deus. O padre e etnógrafo austríaco P. W. Schmidt e os seus discípulos ensinavam a teoria do promonoteísmo, isto é, a crença primitiva num Deus único, e queriam ver aí a prova da existência de Deus que teria insuflado no espírito do homem primitivo a ideia mesma da unidade divina. Ora esta teoria é contrária a tudo o que se conhece sobre a evolução da psicologia humana. As pri­meiras ideias do homem não se aplicavam senão aos com­portamentos do trabalho, estando então o indivíduo sufi­cientemente ocupado na busca do alimento quotidiano para pensar na explicação do mundo. Sem contar que o fraco desenvolvimento do seu cérebro o impedia de con­ceber noções tão abstractas. Ainda não possuia crença religiosa, ideias extravagantes sobre a sua própria pessoa e sobre a natureza que o circundava. Nós podemos falar de irreligião do homem fóssil, ao menos do Pitecantropo e do Sinantropo.

 A questão de saber se o homem de Neanderthal prati­cava algum culto é mais complexa e constitui matéria de discussões no mundo erudito soviético. Segundo o arqueó­logo A. Okladnikov, o nascimento de ideias religiosas pri­mitivas entre os Neanderthalenses seria atestado por sepul­turas do fim do Paleolítico inferior. Estavam dispostas nas cavernas que haviam servido de habitação; a fossa esca­vada para o cadáver continha também bocados de carne. Existia aparentemente a preocupação dos mortos e insta­lavam-se como os vivos. Mas não havia ainda ideias do além, e os Neanderthalenses não conferiam aos seus mor­tos qualquer poder sobrenatural.

 É então que se manifestam os primeiros elementos de zoolatria. Chifres de cabritos-monteses circundavam a se­pultura de Techik-Tach; e em certas grutas descobriram-se crânios de ursos das cavernas, cercados de pedras.

 De resto, os dados sobre a origem das religiões são excessivamente pobres e imprecisos. Os primeiros teste- munhos incontestáveis do aparecimento do culto datam do período seguinte: o Paleolítico superior.

 
7—A passagem para o Paleolítico superior

 Ao Paleolítico inferior, segundo a classificação adoptada em arqueologia, sucede o Paleolítico superior (de quarenta mil a doze mil anos antes da nossa era).

 As condições climatéricas modificam-se inúmeras vezes no decurso desta época. Os glaciares recuam e o clima da Europa e da Sibéria meridional surge temperado. Depois volta o resfriamento dos glaciares, e esta quarta e última ofensiva, menos poderosa do que as outras, torna, todavia, o clima mais rigoroso. Os mamutes começam a extin­guir.se, enquanto que as renas se propagam vastamente no litoral do Mediterrâneo, na Crimeia e no Cáucaso.

 A passagem para o Paleolítico superior é assinalada por consideráveis progressos na estrutura física do homem, assim como no carácter da produção e organização social. O tipo biológico contemporâneo, o Homo Sapiens, acaba por se formar; as técnicas e a economia da colectividade humana desenvolvem-se, vêem-se surgir designadamente utensílios especiais, destinados ao fabrico de outros uten­sílios, e instrumentos combinados de madeira e osso ou de madeira e sílex; os homens deixam as cavernas para viver em abrigos artificiais e aquecidos; constitui-se uma nova forma de organização social: o clã primitivo; enfim, é o aparecimento das artes. Tudo isso permitiu aos sábios soviéticos 1. Roguinski e V. Iakimov encararem a passagem para o Paleolítico superior, a passagem do homem de Neanderthal ao Homo Sapiens, como um salto qualitativo cuja importância foi, todavia, menor do que a transição dos símios do tipo Australopiteco para os homens fósseis do tipo Pitecantropo. A passagem para uma nova quali­dade havia sido preparada pela evolução da sociedade hu­mana no fim do Paleolítico inferior.

 Os restos do Paleolítico superior da Europa Ocidental atestam o aumento das forças produtivas. As técnicas des­ ta época ultrapassam muito as da anterior; aperfeiçoa-se o fabrico dos instrumentos de sílex, cuja superfície passa a ser retocada por pressão: com a ajuda de uma vara de osso retiravam-se delicadamente da lasca de sílex peque-finas placas, para obter um instrumento simétrico, com bordos cortantes e sólidos. Além da pedra, também se tra­balha o osso e o chifre.

 Os instrumentos utilizados para a procura do alimento são mais variados: fabricam-se azagaias, cujas pontas são de marfim de mamute ou de sílex, punhais em forma de chifre, arpões de caça e de pesca, raspadores e placas para esquartejar os animais mortos e tratar as peles; cosem-se vestimentas de peles de animais selvagens com agulhas de osso. Buris de sílex são preparados para trabalhar o chifre ou o osso.

 A procura da caça grossa gregária toma uma inaudita amplidão: nas estações os arqueólogos descobrem abun­dantes restos de presas.

 A. Predmost (Checoslováquia) encontrou o ossuário de um milhar de mamutes. Nos fins desta época a pesca étambém praticada abundantemente. Estes progressos na produção determinam um modo de vida mais sedentário, de que temos um excelente testemunho na riqueza da ca­mada arqueológica do Paleolítico superior.

 O homem começa a construir abrigos artificiais, abri­gadouros, cabanas e abrigos cavados no solo. Arqueólogos soviéticos (P. Efimenko, S. Zamiatnine e outros) descobri­ram cabanas do Paleolítico superior nas margens do Don e noutros sítios. Eram habitações de solo plano, de forma oval. Fémures de mamutes sustentavam um tecto em estacaria recoberto de terra. No meio da habi­tação existia uma ou mais lareiras alimentadas por ossos de animais. Ao lado das habitações escavavam-se buracos para a conservação da carne de rena e de outros víveres.

 No território da U. R. S. S. foram descobertos vestígios do Paleolítico superior na Transcaucásia, na Crimeia, nas bacias do Dnieper e do Don, no curso do Tchussovaia e na Sibéria.

 A cultura das tribos que viviam longe das regiões gla­ciares apresenta traços particulares. Na África do Norte prosperava a civilização chamada de Capsa (actualmente, Gafsa, na Tunísia); diferentemente dos caçadores e pesca-dores do Norte, os homens de Capsa viviam sobretudo da colheita; não receavam atacar feras tais como o leão e o leopardo, mas o produto principal da sua econômia provi­nha da apanha de moluscos comestíveis, tartarugas, ovos de avestruz, etc. Condições econômicas similares existiam nessa época a leste do Mediterrâneo, na Crimeia e no Cáucaso.

 
8 — A formação do clã

 O desenvolvimento gradual das forças produtivas e a passagem à vida sedentária cimentam a colectividade hu­mana, o que tem como efeito reprimir «o individualismo zooLógico». O rebanho primitivo cede o lugar a uma orga­nização social mais elevada.

 estrutura do rebanho evolui essencialmente em três direcções. Em primeiro lugar o aumento da produtividade do trabalho permite aos homens associarem-se em grupos menos numerosos, que se apartaram do rebanho inicial mas continuam a manter com ele relações económicas. Esses grupos consideramse como aparentados e podem cntreajudar.se, até convidarem-se mutuamente para o seu território de caça.

 Depois, os homens primitivos começam a proibir as ligaçoes matrimoniais no seio do grupo. Esta medida, deno­minada cxogamia, liga-se cstreitamcnte à evolução econó­mica. O casamento já não é um fenómeno puramente bio­lógico; é uma instituição regulamentada pela sociedade.

 A exogamia não conseguiu estabelecer-se senão numa determinada etapa, pois o rebanho primitivo era uma colectividade fechada, sem contacto com os outros. Tor­nou-se possível depois que os grupos maternal e filial se reconheceram parentes e que os seus membros continua­ram a casar-se entre si. Portanto, à parte o princípio negativo — proibição do casamento no interior de uma colectividade—, a exogamia inclui um princípio positivo: a obrigação de estabelecer casamentos com os membros de uma colectividade diferente, mas ainda assim determinada. Dois grupos parentes ficam desde então ligados pelo cos­tume dos casamentos recíprocos: não é permitido casar senão com um representante do grupo admitido. Este costume de prescrever o casamento aos limites de uma grande colectividade toma o nome de endogamia.

 Assim, ao mesmo tempo que o clã exógamo, consti­tui-se o clã endógamo, formado por duas comunidades parentes. Esta dupla organização é considerada por Engels como a forma primária da sociedade exógama fundada no clã. Conhecem-se sobrevivências dela a niveis de evolução muito mais elevados: os etnógrafos observaram-nos entre os povos contemporâneos, tais como os Turcomanos, os Evenkos, os Kirguizes, os Karakalpaks. Os grupos exógamos da tribo multiplicam-se pouco a pouco.

 Nesta etapa, o casamento é um casamento por grupos, quer dizer que todas as mulheres de uma comunidade são as esposas reais ou potenciais dos homens de uma outra comunidade da tribo. Se bem que o regime não exclua a formação temporária de casais mais ou menos constantes, ninguém tinha direitos exclusivos sobre o seu conjunto.

 As sobrevivências do casamento por grupos mantive­ram-se entre os aglomerados humanos estudados pelos etnógrafos, nos Australianos, por exemplo, cujas tribos se dividiam em dois (ou quatro) grupos ligados matrimo­nialmente; na Rússia, o facto foi observado entre os Nivkhes (Guiliaks), no fim do século XIX, por L. Stern­berg que o governo czarista deportou para o Extremo Oriente, pela sua actividade nas fileiras da «Narodnaia Voiia».

 Enfim, a estrutura do rebanho primitivo complica-se devido à evolução da divisão natural do trabalho. Ë pos­sível que a divisão do trabalho segundo a idade haja exis­tido desde o nascimento da sociedade humana, mas os homens e as mulheres desempenhavam então o mesmo papel na economia. Foi só no fim do Paleolítico inferior que o trabalho se dividiu segundo o sexo: os homens dedi­cavam-se à caça, deixando às mulheres as crianças e a colheita. O arqueólogo P. Efimcnko presume que os instrunentos do Ncandevthalense pertenciam a sexos dife­rentes: as lascas cortantes eram as facas dos homens, os raspadores serviam para as mulheres.

 Os etnógrafos assinalam a divisão do trabalho, segundo a idade e o sexo, em diversos aglomerados humanos. Assim, na Austrália, as mulheres e as crianças pescavam e colhiam as dádivas da Natureza, enquanto que os homens caçavam.

 Daí resulta uma certa distinção entre homem e mulher da tribo: instalam-se separadamente não prepa­ram a mesma comida, falam dialectos diferentes. Além disso, o princípio da divisão do trabalho coloca à cabeça da tribo um grupo de anciãos detentores da experiência social.

 No princípio do Paleolítico superior, a colectividade hu­mana perdeu, pois, a sua estrutura gregária inicial: à me­dida que se desenvolvem as forças produtivas e a divisão do trabalho, o rebanho cede lugar a uma organização mais evoluída: a forma primitiva da comunidade fundada no clã.

  9 – A formação do tipo biológico do homem contemporâneo

 
O homem do Paleolitico superior distingue-se fisica­mente do Neanderthalense A estrutura do seu esqueleto atesta a marcha na posição absolutamente vertical, o vo­lume do seu cérebro (1400 centímetros cúbicos’ nunca ultrapassa a capacidade da caixa craniana do seu ascen­dente, mas a sua forma mudou as partes parietais, fron­tais e temporais, isto é, aquelas que se ligam ao desenvol­vimento da fala, que caracteriza o homem como ser social, aumentaram sensjvelmente. Por conseguinte, o crânio ficou a ser dolicocéfalo, a testa destacou-se, as arcadas supraciliares já não são maciças. Enfim, o maxilar infe­rior é menos pesado e o queixo é bem formado, devido ao desenvolvimento da linguagem articulada.

 A ciência histórica burguesa tentou por diversas vezes demonstrar que o Ho,no Sapieus surgira desde os mais recuados tempos e que ele «pisava a terra)) na mesma época que o Neanderthalense. Os historiadores burgueses queriam assim dissociar o homem contemporâneo dos seus antepassados e apresentar a sua vinda como uma espécie de milagre. Ora o “Homem Pensante” descende directamente do homem de Neanderthal do fim do Paleolí­tico inferior. Conhecem-se hoje vários esqueletos de Ncan­derthalenses que apresentam numerosos caracteres transi­tórios. Um deles foi descoberto em 1953 pelo arqueólogo A.            Formozov, na Starossélia, na Crimeia.

 A formação da espécie biológica do homem moderno explica-se através de vários factores. A intensificação da caça e o correspondente aumento da proporção dos ali­mentos de carne devia favorecer o desenvolvimento físico dos nossos antcpassados; a complicação da actividade produtiva aperfeiçoava o pensamento e a palavra; a repres­são gradual dos «instintos zoológicos» e a limitação das relações sexuais no interior do rebanho contribuíam igual­mente para a evolução do ser humano, O processo termina com o aparecimento do Homo Sapiens.

 Vários tipos raciais representam o homem do Paleolí­tico superior. Na Europa, havia o tipo «europóide», tam­bém chamado de Cro-Magnon (derivado do nome de uma caverna do Sul da França); encontraram-se restos no ter­ritório da U. R. 5. S. O homem de Cro-Magnon era de grande estatura, tinha a face comprida, o nariz aquilino, o queixo desenvolvido. Na Africa (no Sul do Sara) e na Europa meridional (Itália), descobriram-se esqueletos de homens cujo tipo se aproxima muito da actual raça negróide. Os negróides do Paleolitico superior povoaram, a determi­nada altura, a Europa Oriental, entre outros o curso supe­rior do Don. Na China, na caverna superior de Chu Ku­-Tien, e na Sibéria, não longe de Krasnoiarsk, foram desco­bertos restos de homem do tipo mongolóide.

 A questão das raças é um problema ideológico e polí­tico muito subtil. Investigadores reaccionários do mundo capitalista recorreram à teoria racial para tentarem justifi­car a agressão e a sujeição de outros povos. Propagavam a doutrina pseudocientifica da existência de raças superio­res e raças inferiores. Historiadores burgueses tentaram justificar esta teoria através de concepções falsas. Pre­tendem alguns que as raças existiram em todos os tempos, que a Europa foi sempre habitada pelo homem de tipo contemporâneo, enquanto que os negróides e outras raças ~~inferiorcs» descendiam de espécies menos evoluídas:pitecantropo, Sinantropo e Neandcrthalensc Vê-se, pois, como importa regular a coisa.

 Os investigadores progressistas cstabeleceram que as ~ raças humanas (negróide, europóidc e mongo­lóide) só se distinguem por caracteres exteriores, secun­dários (coloração da pele, forma dos olhos, dos cabelos, etc.), O volume da caixa craniana, a estrutura das mãos, as aptidões mentais e físicas, são iguais. Nenhuma raça pre­valece sobre as outras.

 Os investigadores de vanguarda revelaram que as raças na’ se constituem senão através do curso da evolução his­tórica. Os Neanderthalenses, descobertos em diferentes sí­tios do Mundo Antigo, assemelham-se muito mais entre si, do que às raças formadas mais tarde nessas regiões. Por consequência, os tipos raciais não datam apenas do Pa­leolitjco superior.

 Como se explicam as raças? Desde o fim do Paleolítico interior, constatam-se diferenças de cultura material entre certas regiões, devidas às particularidades das condições naturais e designadamente à matéria de que se dispõe para fabricar os instrumentos. Essas diferenças, sob um regime económico colectivo, acentuam-se no Paleolitico superior. O arqueólogo soviético S. Zamiatnine assinala três grandes regiões que se distinguem, durante este pe­1 iodo, por traços específicos da sua cultura material: as regiões afro-medíterrâníca europeia subglaciar e sino-si­beriana. Por uma causa ou outra, encontravam-se isoladas no princípio do Paleolitjco superior, o que determinou as diferenças culturaIs. O isolamento das suas populações provocou necessariamente a acumulação gradual de dis­ tinçÕeS exteriores, sccundáriaS, Ligadas em certa medida às condições naturais de tal ou tal região.

 Assim, a formação da espécie biológica do homem contemporâneo corresponde ao nascimento da comunidade baseada no clã, que atinge o seu apogeu nas épocas arqueo­lógicas seguintes.

Por que os seres humanos passaram a registrar a passagem do tempo?

Para os caçadores do Período Paleolítico, a posição dos astros e suas periodicidades eram usadas para saber quando a Lua mudaria, em que períodos as diversas estações da natureza aconteciam e qual sua influência no comportamento e migração dos animais para que a caça e a pesca pudessem ser bem sucedidas.

Como percebemos a passagem do tempo no ambiente em que vivemos?

Mesmo sem relógios e calendários, somos capazes de perceber que depois do dia vem a noite, as mudanças de fase da Lua, os ciclos de plantio e de colheita, as estações do ano, o desenvolvimento de plantas e de animais, até mesmo as fases da vida de um ser humano.

Qual o tipo de tempo que a história considera para relacionar suas análises?

O historiador se utiliza das formas de tempo para se organizar na sociedade para dizer que um determinado tempo se diferencia do outro. No tempo histórico podemos considerar que a Idade Média teve a duração de praticamente um milênio, enquanto a Idade Moderna se estenda por apenas quatro séculos.

Como eram chamados os povos na época em que ainda não praticavam a agricultura?

"Nomadismo"; Brasil Escola.