Porque o artista escolheu o café como tema

O que você vê nesta obra?

Uma plantação de café, muitos trabalhadores rurais concentrados cada um no seu afazer, cada um na sua “lida”. São figuras sem traços fisionômicos, algumas sem qualquer vestígio de rosto, outras têm traços esquematizados e simplificados. Isto é, são anônimos. No primeiro plano à esquerda, há uma colona num momento de descanso. No plano de fundo, a plantação de café se estende no horizonte numa perspectiva linear. As figurinhas de trabalhadores e trabalhadoras também vão diminuindo de tamanho conforme se distanciam.

Interessam ao artista o trabalho coletivo, aliás são estas duas palavras-chave: o trabalho e o coletivo.

Portinari representa estes homens e mulheres em corpos muito fortes, com braços e pernas enormes, para nos dar a representação visual da força do trabalho.

Nesta obra, uns colhem, outros enchem sacos, outros os carregam, num grande esforço de coletividade. Do tema à composição e à elaboração das figuras, o quadro remete à monumentalidade do muralismo.

Como se sabe, o café foi o grande propulsor da economia no estado de São Paulo, onde nasceu o artista (na cidade de Brodósqui). O trabalho e um ciclo econômico tão importante como o café eram temas caros ao desenvolvimentismo do governo Vargas, o que logo rendeu ao artista muitas encomendas. Uma delas foi um grande ciclo de afrescos no edifício do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, então capital federal.

Aliás, essa obra ganhou um prêmio no Instituto Carnegie de Pittsburgh em 1935.

“Café”, Cândido Portinari, 1935. Óleo sobre tela. 130 x 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

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Laura Aidar

Arte-educadora e artista visual

Cândido Portinari é um dos artistas nacionais com maior reconhecimento mundialmente.

Suas pinturas costumam trazer temas que retratam as condições em que vivia o povo brasileiro na primeira metade do século XX.

Portinari teve muito êxito ao destacar questões sociais, festas populares, o trabalho na roça, a infância, entre outros assuntos.

Seu estilo de pintura singular e inconfundível teve demasiada inspiração das vanguardas artísticas que despontaram na Europa na transição do século XIX para o século XX. Entretanto, o pintor conseguiu absorver essa influência e transformá-la em uma arte genuinamente brasileira.

Selecionamos alguns temas e obras importantes na trajetória do pintor e sobretudo na história da arte do Brasil. Confira!

O trabalhador na obra de Portinari

Portinari se dedicou fortemente a retratar o trabalhador, principalmente o que labuta usando como instrumento sua força física na lida do campo.

Mestiço

Mestiço (1934)

Nessa tela, o pintor exibe o retrato de um homem forte de braços cruzados, trabalhador em uma lavoura de café.

A cor da pele e os traços do sujeito - além do título da obra - indicam que se trata de uma pessoa mestiça, fruto da mistura entre a população negra, indígena e branca.

Mestiço foi produzida em 1934 com a técnica de óleo sobre tela, tem dimensões de 81 x 65 cm e pertente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Café

Café (1935)

Café é uma importante obra de Portinari. Foi pintada em 1935 com tinta a óleo, tem o tamanho de 130 x 195 cm e está localizada no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio De Janeiro.

Aqui o pintor retratou um grupo de pessoas durante um dia duro de trabalho em uma fazenda de café. Os corpos dos trabalhadores são apresentados de maneira rígida e quase escultural. As mãos e os pés das pessoas são grandes, destacando a força do trabalho braçal.

Em 1935, a tela participa da Exposição Internacional de Arte Moderna em Nova Iorque, no Instituto Carnegie e recebe uma menção honrosa, o primeiro prêmio internacional do pintor.

O Lavrador de Café

O lavrador de café (1934)

Uma das mais emblemáticas obras de Cândido Portinari é O lavrador de café. Produzida em 1934 com tinta a óleo, a tela de 100 x 81 cm faz parte do acervo do MASP.

Nessa obra Portinari retrata a figura de um lavrador apoiando-se em sua enxada. Com os pés descalços, rosto em perfil que se contrasta com a claridade do céu e camiseta com as mangas arregaçadas, o homem está em uma plantação de café exibindo uma expressão de cansaço e preocupação.

Os pés fortes e grandes, mais uma vez simbolizam o vigor do trabalhador e sugerem uma aproximação do artista com o movimento expressionista europeu.

Cana-de-Açúcar

Cana-de-açúcar (1938)

A técnica empregada na realização de Cana-de-Açúcar foi o afresco (método de pintura mural). A obra foi realizada em 1938 e tem grandes dimensões, 280 cm x 247 cm.

Encontra-se no Palácio Capanema, destaque da arquitetura moderna, localizado na cidade do Rio de Janeiro.

Aqui, Portinari também utilizou o tema do trabalhador braçal, dessa vez na produção da cana-de-açúcar.

A migração nordestina na obra de Portinari

Um dos temas abordados na produção de Portinari também foi a migração de uma parte da população nordestina para outros locais do país.

Em busca de melhores condições de vida, famílias inteiras se aventuravam em difíceis e longas jornadas a fim de fugir da miséria, fome e mortalidade infantil.

Retirantes

Retirantes (1944)

Nessa obra é exibida uma família de retirantes que sai de seu lugar de origem a procura de outras oportunidades na cidade grande.

Com nove integrantes, sendo quatro adultos e cinco crianças, o grupo é retratado de maneira sombria, com corpos esqueléticos e frágeis. As expressões nos rostos são de sofrimento e a paleta de cores escolhida ressalta a atmosfera sepulcral que envolve as personagens.

O quadro, pintado em 1944 é um painel produzido em óleo sobre tela, tem 190 x 180 cm e integra o acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Criança Morta

Criança morta (1944)

No mesmo ano em que pinta Retirantes - em 1944 - Portinari produz a tela Criança morta. Com 180 x 190 cm, o quadro também faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Na obra, vemos uma pessoa que segura o corpo esquálido e sem vida de uma criança. Outras figuras lamentam e choram.

O pranto aqui é retratado em grossas lágrimas que caem dos olhos fundos das personagens, o que ressalta o sofrimento do povo nordestino que lidava constantemente com a mortalidade infantil naquele período.

A infância na obra de Portinari

O tema da infância também fascinava Cândido Portinari. O pintor exibe em diversas obras o universo infantil, bem mais leve e fluido.

Candinho, como era chamado, foi um menino de origem humilde que cresceu em meio às brincadeiras com outras crianças na cidade de Brodowski.

As memórias da meninice e de sua terra natal sempre estiveram presentes na produção do artista. Uma de suas falas sobre o assunto é:

A paisagem onde a gente brincou pela primeira vez não sai mais da gente.

Futebol (1935)

O quadro Futebol data de 1935, foi feito em óleo sobre tela nas dimensões 97 x 130 cm e faz parte de uma coleção particular.

A obra retrata meninos descalços jogando futebol em um campo de terra. Há a presença de alguns animais e ao fundo podemos ver um pequeno cemitério, um campo verdejante e uma casa.

A luz lateral e as cores que o artista emprega indicam que se trata de um fim de tarde.

Meninos no Balanço

Meninos no Balanço (1960)

Portinari apreciava pintar crianças brincando. Esse quadro de 1960 feito com a técnica óleo sobre tela, tem dimensão de 61 x 49 cm e encontra-se em uma coleção particular atualmente.

Nele, o artista retrata quatro garotos se divertindo em balanços. Os tons são suaves e trazem variações do amarelo, rosa e azul.

Os meninos parecem envoltos em uma aura angelical e têm seus rostos voltados para o céu, como se sentissem a brisa do dia.

Cândido Portinari certa vez afirmou:

Sabem por que é que eu pinto tanto menino em gangorra e balanço? Para botá-los no ar, feito anjos.

Quem foi Cândido Portinari?

À esquerda, autorretrato de 1956. À direita, retrato fotográfico do pintor

Cândido Portinari nasceu em uma fazenda de café na cidade de Brodowski, interior de São Paulo, no dia 30 de dezembro de 1903.

O artista teve uma trajetória intensa e produziu em torno de 5 mil obras, desde pinturas, desenhos e grandes murais.

Um exemplo de um importante painel muralista é a obra Guerra e Paz, que foi ofertado em 1956 às Organizações das Nações Unidas (ONU), com sede em Nova Iorque e foi recuperado em 2010, e se encontra atualmente no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Em meados dos anos 50, o artista começa a apresentar sérios problemas de saúde, sendo diagnosticado com Saturnismo, doença provocada por intoxicação pelo chumbo que certas tintas apresentavam em sua composição.

O artista era apaixonado por seu ofício e tem grande dificuldade de obedecer as ordens médicas de abandonar a pintura.

Falece em 6 de fevereiro de 1962, aos 58 anos. Deixa um legado inestimável para a arte brasileira e mundial, contribuindo enormemente para a consolidação da identidade cultural do povo brasileiro.

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