O Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos está à frente do Comando da Marinha desde abril de 2021. No estúdio da Rádio Marinha em Brasília, onde gravou um podcast enfatizando a importância da Batalha Naval do Riachuelo, dia 11 de junho, Data Magna da Marinha, ele também recebeu a equipe do Nomar para uma entrevista sobre sua história de vida e carreira, além de temas relevantes da Força como Amazônia Azul, desenvolvimento tecnológico, atuação no combate à pandemia da Covid-19, prioridades e desafios do Comando. Ele ainda ressaltou o que é mais importante em sua gestão e o que deseja difundir para a Tripulação e para a sociedade brasileira.
Almirante, sua história com a Marinha começou aos 10 anos de idade. O que o impulsionou a se tornar marinheiro?
Essa pergunta remete à minha mãe, porque entrei na Marinha quando criança, para fazer o ginásio e era ela quem me levava para fazer concursos, escolhia locais para meus estudos. Ela queria que eu tivesse um bom ensino. Nas palavras dela, para “ser alguém na vida”. Na época, o Arsenal de Marinha tinha duas escolas com concursos abertos para o ginasial, e uma delas oferecia ginásio industrial, ou seja, uma profissão. Então, fiz esse ginásio e, depois, o segundo grau. Como eu estava no Arsenal, via os navios da minha época, anos 70, sendo construídos pela Marinha. No Cais ficavam os submarinos; no Cais Norte ficavam os cruzadores, grandes navios: “Tamandaré” e “Barroso”. Eu achava muito bonitos aqueles canhões, esse uniforme branco, e aí eu me interessei em fazer concurso para seguir a carreira militar.
Nesses 50 anos na Força, o que muda na percepção do trabalho e das responsabilidades do Tenente, do Comandante, do Almirante e do Comandante da Marinha?
Como tenente, nossa visão é muito técnica e operativa, principalmente os oficiais do Corpo da Armada. É um trabalho focado, ligado com as equipes que fazem as atividades de operações navais, adestramentos e treinamentos. O comandante - oficial superior – é, muitas vezes, um Chefe de Departamento ou Imediato de grandes navios, Comandante de um navio médio ou até de um navio grande da Marinha. A visão muda muito, porque a cobrança sobre ele também muda. Um oficial superior é aquele que já adquiriu a bagagem do que fazer e é visto como referência pelos mais jovens. O Almirante, por sua vez, é um senhor, que já trabalhou, até então, mais de trinta anos, com grande bagagem profissional; é aquele que lida com políticas, estratégias, questões que definem o direcionamento da Marinha. Por fim, o Comandante da Marinha é o elo entre a execução das atividades da Marinha, que são conduzidas pelos membros do Almirantado. Ele orienta e direciona a Força, é atento ao cenário político-estratégico nacional. Então, a cada círculo, nível, posto galgado, existe uma gama maior de responsabilidades e, ao mesmo tempo, menor de detalhes. À medida que subimos na carreira, nossas decisões e ações têm um alcance maior.
Em relação à vida militar, qual foi o principal desafio enfrentado pelo senhor? Qual é a importância da família nesse contexto?
O principal desafio de todo marinheiro é o afastamento de casa por muito tempo. Nossa carreira é voltada para as atividades principais da Marinha, de guarnecimento dos navios, preparação para uma necessidade eventual de combate, patrulhas, então, são muitos dias longe de casa. Em uma das viagens mais longas que fiz, de cerca de cinco meses, o meu filho, à época com três anos, foi internado. Cogitaram que o problema dele não era físico, era saudade, e chegaram a pensar em enviar uma mensagem para o navio, pedindo para que eu voltasse. Felizmente, ele melhorou. Além disso, são muitos serviços, escalas de serviço, e não é característica apenas do Corpo da Armada, porque todos os militares, oficiais ou praças da Marinha, têm muito serviço, atividades que consomem bastante tempo. Ficamos longos períodos afastados, então, a família tem que ser equilibrada o suficiente para apoiar e entender esse trabalho, e dar tranquilidade ao marinheiro que está no mar. A família é muito importante!
Qual foi o momento mais marcante de sua carreira?
Tive muitos momentos marcantes. Minha formatura na Escola Naval foi um deles; assim como em outros cursos em que fui bem colocado. Minha própria designação como Comandante da Marinha, recentemente, é um momento de muito orgulho profissional, até porque eu não tinha a menor perspectiva disso. Porém, posso destacar o ano de 2003, quando comandei o Navio-Tanque “Almirante Gastão Motta”. Foi excepcional, primeiro, porque todo oficial do Corpo da Armada almeja comandar no mar. Segundo, porque, por diversas questões de carreira, fui designado para comandar apenas no último ano possível em que poderia ocorrer, e eu já tinha dúvidas se aconteceria, então, pude me reencontrar com a minha parte marinheira, minha experiência e minha habilidade, que todo marinheiro tem e que eu trazia daqueles tempos de tenente, embarcado nas Fragatas Classe Niterói, no Navio-Escola “Brasil”, sempre na área de operações. Fiz mais de 900 dias de mar naquele período, porém, tudo isso ficou meio que adormecido e, ao assumir o comando, foi uma oportunidade para voltar “a ser o oficial da Marinha na Esquadra Brasileira”. Esse foi o ápice da minha carreira naval.
Falando em Comando, quais são suas expectativas e prioridades?
Minha primeira prioridade é o nosso pessoal. Que eles se sintam mais felizes, motivados a se aperfeiçoar, se aprimorar para que a Marinha do futuro seja sempre melhor do que a Marinha do passado. Outro grande propósito é que sejamos capazes de otimizar os recursos que temos: de pessoal, material, financeiro, tecnológico, para fazer mais com os mesmos recursos. Pretendo otimizar, organizar, reorientar os esforços de todos os principais processos da Força. É claro que os projetos e programas em andamento precisam ser continuados, então, isso é uma prioridade natural, mas minha visão é de que nós devemos dar mais e mais à indústria nacional, oferecer aos nossos engenheiros e projetistas da Marinha oportunidades de desenvolverem, eles mesmos, para nós brasileiros, aquilo que usaremos no futuro. Logo, se tivermos mais qualificação, otimizaremos a organização, a estrutura da Marinha, e teremos mais resultados para auxiliar o País, além de gerar empregos, impostos e renda para todos.
Quais o senhor considera os principais desafios da Marinha, atualmente?
O principal desafio da nossa força é orçamentário. Há muitas necessidades na nossa sociedade: saúde, educação, transporte, segurança, em que o orçamento federal tem que ser aplicado. Porém, para garantir o patrimônio, a riqueza da nossa nação, o Governo Federal precisa investir uma parcela considerável de recursos para ter as suas Forças Armadas. E a Marinha necessita de muitos recursos, porque usamos equipamentos sofisticados, de alta tecnologia. Agora, o Brasil tem uma característica multitarefa, porque possui uma Marinha de defesa como são todas as Marinhas, de emprego do poder bélico mesmo; tem, também, atribuições de guarda costeira, de segurança marítima aproximada, que em outros países são feitas por agências, como proteção de fronteiras e de limites, então, a Marinha do Brasil tem muitos desafios, mas eu atribuiria como principal a necessidade orçamentária. Em segundo lugar, destaco a nossa Amazônia Azul, que compõe o que podemos estimar hoje em cerca de 5,7 milhões de km². É mais do que a metade do território nacional terrestre. Em comparação, maior que a Amazônia Legal, que tem 4,7 milhões de km². Muitas riquezas são ligadas ao mar, a exemplo do turismo, pesca, mineração. Além disso, existe um agravante, que é a delimitação da fronteira do Brasil pelo mar. Aquilo que é nosso, que ninguém pode pegar, porém, só é delimitado quando um navio da Marinha está presente, quando tem um comandante com uma bandeira do Brasil fazendo patrulha. É um desafio diuturno, e que eu pretendo incrementar por meio de atividades da nossa Diretoria-Geral de Navegação, com ações voltadas para a segurança marítima, para a navegação mercante. Ao mesmo tempo, temos que olhar para dentro do País, com a nossa rede de delegacias, de agências, de capitanias. Não olhamos só o litoral, mas a parte fluvial, a segurança da navegação comercial e de esporte e recreio. Também usamos os rios para acessar os locais mais remotos do interior do nosso País, para fazer o atendimento a comunidades pantaneiras, amazônicas, ribeirinhas, em geral. Muitas vezes, os únicos médicos e dentistas que esses nossos irmãos veem na vida são os profissionais de um dos navios da Marinha. Não por acaso, são tratados carinhosamente como “Navios da Esperança”.
Quanto à ciência e tecnologia, de que forma são aplicadas na Marinha?
O domínio da tecnologia e da pesquisa científica é fundamental na Marinha para direcionar o futuro dos nossos meios navais, de fuzileiros navais e aeronavais. Precisamos decidir se aplicamos mais recursos em armas de energia, nanotecnologia, em guerra cibernética ou em desenvolvimento de mísseis, e em que tipo de plataforma. Quando trato de ciência e tecnologia, não falo apenas de tecnologia palpável, como aquela tecnologia de enriquecimento de urânio, que o nosso programa nuclear trata há tantos anos, e é um fator de força do nosso País. Falo também em desenvolvimento de conhecimento tecnológico, capaz de desenvolver sistemas de apoio à decisão e jogos de guerra, ou seja, é uma gama muito ampla. É essencial construirmos uma visão integrada de ciência, tecnologia, educação, formação, treinamento e de engenharia e desenvolvimento. Precisamos ligar esses ramos do conhecimento, a fim de propiciar a sinergia devida e fazer o maior aproveitamento dos recursos e da capacidade dos profissionais de elevadíssimo padrão técnico que possuímos. Precisamos dar oportunidade para que os profissionais que desenvolvem, também projetem, experimentem e construam melhores capacidades para nossa Marinha. Nos últimos 15 meses de combate à Covid-19, a Marinha atuou em diversas frentes, desde transporte de oxigênio até apoio à vacinação.
Que características da Força favorecem seu emprego nessas ações?
A Marinha é peculiar em várias características, a primeira delas é ter núcleos diferentes dela mesma e capacidade de coordenação entre setores distintos. Dominamos a capacidade de navios de superfície, operação de submarinos, operação de aeronaves. Ao mesmo tempo, temos componentes de combate anfíbio, capazes de projetar o poder sobre terra; forças especiais tanto dos fuzileiros navais quanto de mergulhadores de combate. Nossa Força cria parcerias, a exemplo, com a Universidade de São Paulo. Nesse sentido, vale destacar que o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo desenvolveu respiradores para auxiliar o esforço do combate à Covid-19. Com essa capacidade, a Marinha pode operar com o Exército e a Força Aérea, em Comandos Conjuntos ativados em todo o Brasil, a fim de fazer desinfecções, ou até mesmo de distribuir comida para os caminhoneiros, que no início da pandemia, não tinham onde se alimentar (pois tudo estava fechado). Transporte de cestas básicas para comunidades ribeirinhas, sob coordenação do Ministério da Defesa, com outros Ministérios. Transformou programas, a exemplo do Programa Forças no Esporte, em que crianças das comunidades carentes recebiam apoio com atividades esportivas e reforço escolar e alimentação de qualidade no contraturno da escola, porém, durante a pandemia até isso ficou difícil, então nós reorganizamos a ação e passamos a entregar cestas básicas às famílias desses jovens. Além disso, nossa capacidade logística nos permite transportar grandes cargas; nossos navios transportaram grande volume de oxigênio para cidades onde o produto estava em falta nos hospitais e, mais recentemente, nossos militares passaram a aplicar vacinas, em um esforço alinhado ao Plano Nacional de Imunização do Governo Federal.
No dia 11 de junho é celebrada a Batalha Naval do Riachuelo, Data Magna da Marinha. Por que essa data é importante para a Força?
É uma questão interessante porque, à primeira vista, parece que a Marinha comemora uma batalha, e batalhas são sempre dolorosas. Há perdas de vida, de material, dificuldades de toda ordem, contudo o que comemoramos são os valores morais que aparecem em momentos de grande dificuldade, os valores que os patriotas, os combatentes de Riachuelo legaram para nós, marinheiros de hoje. Eles deixaram exemplos de bravura, de patriotismo, de desprendimento, de tenacidade, de superação de adversidades, então essa batalha, na verdade, é um repositório de valores morais, que toda a nossa sociedade admira quando olha para a Marinha. Esse repositório nos conduz em direção a mais sucessos. Comemoramos o destemor de Barroso. Muita gente não entende por que o Almirante Barroso foi tão importante, e a minha resposta para isso é a seguinte metáfora: é como se eu estivesse passando em uma rua com tiroteio – porque os inimigos estavam atirando na direção da Esquadra Brasileira e a Esquadra já tinha sofrido perdas, baixas–, então, Barroso, ao invés de fugir, ou de procurar abrigo, fez o contrário. Ele guinou o navio, o Capitânia da Esquadra, e lançou-se na direção dos projetis, abalroando navios inimigos que estavam atirando. Com isso, ele causou uma situação confusa momentaneamente, dando oportunidade para que nossa Esquadra reganhasse a posição de ataque no combate, levando à vitória na Batalha do Riachuelo. Esse é o grande exemplo de um chefe naval destemido, de um excepcional combatente de nossa Marinha.
O que a campanha deste ano: “Minha, Sua, Nossa Marinha” pretende difundir entre os brasileiros?
No meu discurso de posse, escrevi essa frase ao final, porque sempre pensei assim. Nós, que envergamos os uniformes que todos admiram, somos fiéis depositários de tradições, de valores, de material e de recursos que o povo brasileiro escolheu para confiar. Lembro que quando eu era tenente, muitas vezes ficava de serviço nos navios e havia as visitações públicas – no Brasil ou no exterior –, os brasileiros entravam no navio, normalmente fora do País, ficavam impressionados com tudo aquilo e, quando conversavam comigo, eu costumava dizer para eles: olha, esse navio é seu. Eles o achavam bonito, imponente, e talvez sem entender toda a capacidade de combate, mas percebiam alguma coisa de valor, e eu reforçava: isso é seu. O que quero dizer com isso é que a Marinha não é somente dos marinheiros, é do povo brasileiro, é de todos. Ela é nossa para cuidar. Esse ‘nossa’ também fala da nossa responsabilidade como marinheiros, fuzileiros navais, servidores civis, que trabalhamos na Marinha, que servimos à Força, à Pátria. Por isso, precisamos deixar isso muito claro, em todas as ocasiões, para que o povo brasileiro, cada vez mais, apodere-se da ‘sua Marinha’ e cobre da Força que seja ainda melhor, porque a cobrança bem-feita e a crítica construtiva nos estimulam. Ou seja, a Marinha é minha, que sou comandante da Força, mas ela é sua como tripulação, sociedade. A Marinha é nossa, porque todo o povo brasileiro tem um pedacinho dessa Marinha, forjada desde os tempos de Tamandaré.
Em sua entrevista para a Rádio Marinha, o senhor mencionou três importantes mensagens para os patriotas, os militares e a sociedade brasileira como um todo. O senhor pode compartilhar com os leitores da revista também?
Claro! Patriotas, brasileiros, aqueles que vibram com a sua nação, com seu País: se apoderem da Marinha. Exijam da sua Marinha o melhor que ela pode oferecer, e eu tenho certeza de que a Força vai reagir, pois sempre reage às demandas, à cobrança da sociedade. A segunda mensagem é dedicada à nossa tripulação, aos marinheiros, aos fuzileiros navais e aos servidores civis de todos os círculos hierárquicos: sejam exemplos! Sejam os melhores em tudo que fizerem e que vocês causem orgulho e admiração em todos os seus pares, chefes e subordinados. Por fim, como última mensagem, quero dizer que eu peço a Deus que abençoe ‘a minha, a sua, a nossa Marinha, a Marinha do Brasil!’