O que é o princípio da excepcionalidade da revisão contratual?

2 de maio de 2022

A Lei nº 13.874/19 introduziu a denominada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, conforme determinado pelo art. 1º, IV, pelo art. 170, parágrafo único, e pelo art. 174, todos da Constituição Federal.

A ideia da mencionada lei é dar concretude ao art. 170 da CF e aos princípios da ordem econômica contidos no art. 174 da mesma Carta. Flávio Tartuce afirma que “É interessante pontuar que a Lei da Liberdade Econômica passou a expressar o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações contratuais, o que é uma negação quase total da evolução da autonomia da vontade para a autonomia privada. Conforme o novo parágrafo único do art. 421 do Código Civil, ‘nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual’.

Anderson Schreiber, entretanto, faz uma crítica à nova redação do art. 421 ao defender que “Inexiste um ‘princípio da intervenção mínima’ que possa ser consagrado no Código Civil como lei ordinária (…) Inserido do modo como o foi, soa mais como bandeira política do que como uma alteração responsável da legislação brasileira”.

Além disso, deve-se dar atenção especial à introdução do princípio da intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado nas relações privadas. Nesses termos, a norma constante do art. 2º, III, da Lei nº 13.874/2019 dispõe que “São princípios que norteiam o disposto nesta Lei: III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”.

Dessa forma, podemos concluir dessa breve análise, que uma das influências da introdução expressa do princípio da intervenção mínima no Código Civil é a releitura do princípio da autonomia privada, nos moldes em que era concebida. 

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Diante de uma diminuição de vendas e serviços pandemia da Covid-19, muitos empreendedores se viram impossibilitados de cumprir com suas obrigações contratuais de longo prazo. Da mesma maneira, muitos consumidores também buscaram reduzir seus gastos e cancelar contratações de longo prazo firmadas antes do isolamento social preventivo.

Pensando nisso, muito se tem discutido acerca da revisão dos contratos de execução continuada — aqueles que não se encerram numa única prestação. A revisão se tornou uma alternativa considerada por muitos empreendedores e consumidores que querem reduzir os ônus de suas obrigações, de modo que possam cumpri-las. 

Resumidamente, a revisão de contratos é um meio pelo qual um sujeito ajuíza uma ação buscando reduzir a sua contraprestação em um contrato. O fundamento desta redução é a impossibilidade de cumprimento da obrigação por fatores alheios (onerosidade excessiva).

Trata-se, sem dúvidas, de uma forma de reduzir despesas em um cenário extraordinário e imprevisível, sem encerrar a relação contratual anterior.

Via de regra, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor trazem a possibilidade de revisão (e resolução) de contratos, mas sob circunstâncias específicas. Muito se tem afirmado que a situação do coronavírus é uma que claramente dá direito a esta revisão. 

Mas será tão simples assim?

O que é preciso para a revisão de contratos?

Fixadas tais premissas, verifica-se que esse cenário desencadeou acontecimentos imprevisíveis e que impactam diretamente nas relações contratuais até então firmadas, em suas mais diversas espécies. Desse modo, tem-se colocado em pauta como uma figura de extrema relevância para manter o equilíbrio desses negócios jurídicos a possibilidade de renegociação de cláusulas contratuais, com o objetivo de sanar eventual desproporcionalidade surgida em razão de um evento inesperado e que não pode ser atribuído a nenhuma das partes contratantes (caso fortuito e força maior).

Nas relações regidas pelo Código Civil (que não incluem as normas de defesa dos consumidores), temos que seus artigos 317 e 478 trazem a expressa possibilidade de que motivos imprevisíveis geradores de uma desproporção entre o valor da prestação da dívida e do momento de sua execução, possibilitam que o juiz realize uma correção da prestação, assegurando um “equilíbrio” e justiça nesse pagamento.

Resumidamente: se fatos extraordinários tornarem uma relação obrigacional (como um contrato de prestação de serviços ou fornecimento) extremamente desproporcional (insustentável economicamente) para alguma das partes, aquela que se sentir injustiçada poderá pedir judicialmente a redução para um valor justo.

Nos termos do Código Civil, são essenciais dois elementos para viabilizar a revisão judicial de contratos: (a) a imprevisibilidade e extraordinariedade do acontecimento; (b) o desequilíbrio contratual. Ou seja, nessa seara, é aplicável a teoria da imprevisão somada a uma onerosidade excessiva.

Já no que diz respeito às relações consumeristas, regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), seu artigo 6°, inciso V,  inovou ao prever a possibilidade de o consumidor pleitear a revisão do contrato celebrado com o seu fornecedor, notadamente quando se constata a presença de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais. Outra opção, além dessa, se dá quando determinado fato superveniente venha a desequilibrar a relação contratual, impondo prestação excessivamente onerosa.

Nesse sentido, a título de diferenciação, é importante lembrar que o tratamento jurídico conferido pelo legislador acerca da teoria da imprevisão possui algumas particularidades a depender da relação jurídica analisada.

Lembre-se:

Se a relação for de consumo, é possível requerer a revisão contratual independentemente de o fato superveniente ser imprevisível (teoria da onerosidade excessiva), regra que não se aplica às relações civis, nas quais o elemento da imprevisibilidade é indispensável!

Sob a ótica do que foi exposto, é razoável compreender que a crise causada pela pandemia do Covid-19 se trata de fato imprevisível e extraordinário. Basta que o empreendedor então demonstre a injustiça e desequilíbrio do contrato. Mas isto pode não ser suficiente.

A revisão é tão simples assim? A Lei da Liberdade Econômica nos dá diretrizes.

A Lei n.º 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, buscou facilitar as relações contratuais no Brasil, tentando diminuir burocracias e afastar a intervenção estatal por meio do Judiciário.

Para atingir este fim, alterou o artigo 421 do Código Civil, adicionando um parágrafo único que estabeleceu os princípios “da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”. 

De maneira quase idêntica, o artigo 421-A (também trazido pela Lei da Liberdade Econômica), em seu inciso III, afirma que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”

O que se percebe, portanto, é que a referida Lei buscou desincentivar a busca da Justiça para revisar os termos de contratos empresariais, estabelecendo objetivamente serem casos excepcionais.

Como a crise causada pelo novo coronavírus se trata de situação extremamente peculiar e de consequências internacionais, não há dúvidas de que se trata de uma excepcionalidade. 

Porém, diante da legislação vigente, se mostra importante que o empreendedor busque a Justiça apenas como último recurso, sob o risco de não conseguir se valer do benefício da revisão. A tentativa registrada de renegociar suas obrigações com fornecedores e outros credores se mostra extremamente importante e recomendável. Da mesma forma, o reajuste extrajudicial de algumas condições contratuais se mostra igualmente útil.

No mais, em caso de real necessidade de revisão judicial, é de grande importância que o empreendedor acumule muitas provas concretas de sua situação. Estas devem demonstrar que, em razão dos efeitos negativos da pandemia na economia, não se mostrou possível o cumprimento de obrigações. 

Nunca se esqueça:

documentos que ajudem o magistrado ou magistrada a compreender a real situação da empresa, como demonstrações financeiras, resultados comerciais, folha de pagamento alta, atas de reuniões de renegociação de dívidas dentre outros são essenciais para tornar provável a obtenção da revisão judicial de contratos.

Como a Justiça se manifesta.

Diante do contexto acima explicitado, os Tribunais brasileiros vêm consolidando teses que buscam, de maneira geral, viabilizar a continuidade das relações empresariais. Entretanto, lamentavelmente, ainda não é possível verificar uma certa coerência e similaridade entre as decisões proferidas, não sendo difícil encontrar entendimentos completamente opostos sobre a mesma temática.

A experiência revela que nos casos de crises macroeconômicas e que influenciam diretamente no equilíbrio dos contratos, observa-se uma tendência dos Tribunais de se repartir entre as partes contratantes o ônus excessivo que decorreu do evento imprevisto e extraordinário.

Desse modo, a renegociação de cláusulas contratuais trata-se de uma questão cada vez mais recorrente durante esse período, sendo importante destacar a relevância de uma assessoria jurídica para auxiliar na identificação das peculiaridades de cada caso concreto, buscando mapear as normativas aplicáveis e promover a maior segurança jurídica ao negócio firmado.

Além disso, em se tratando da situação do Covid-19, torna-se imprescindível averiguar de que forma a pandemia influenciou na revisão contratual pleiteada, e se, de fato, é possível estabelecer um nexo de causalidade entre elas. Trata-se, portanto, de aspectos essenciais para se determinar a responsabilidade das partes contratantes e para se obter a revisão do contrato celebrado.

Quer aprofundar-se ainda mais no tema? Você pode ler nosso artigo sobre A Revisão Contratual e a Saúde financeira do seu negócio.

O que é excepcionalidade da revisão contratual?

Através de um caráter principiológico, a Lei de Liberdade Econômica instituiu o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, no objetivo de afastar uma possível tutela excessiva do Estado por parte do judiciário nas relações contratuais tidas como paritárias e simétricas.

O que é o princípio da revisão dos contratos?

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

O que diz o artigo 422 do Código Civil?

422 do Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O que diz o artigo 427 do Código Civil?

A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

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